Ação por dano moral não pode ser usada para enriquecer patrimônio

por Joaquim Manhães Moreira

O Código de Defesa do Consumidor(1) estabeleceu dentre os direitos dos consumidores as garantias da prevenção e da reparação dos danos patrimoniais e morais(2). Com base nessas garantias um número cada vez maior de consumidores têm incluído o pleito de reparação por danos morais em todas as ações que movem em decorrência das relações de consumo.

Essa situação de uso indiscriminado do dano moral agrava-se nos seguintes casos (1º) ações movidas perante os Juizados Especiais Cíveis, nos quais mesmo que venha a perder o processo o postulante não fica sujeito ao risco de ter de pagar custas e honorários do advogado da parte contrária, desde que não apresente recurso(3); e, (2º) ações nas quais os postulantes requerem o benefício da “Justiça Gratuita” o qual quando deferido pelo Juiz os imuniza contra os mesmos riscos aqui referidos.(4)

A verdade é que os autores das ações que contêm pedidos de reparação por danos morais muitas vezes têm usado o instituto como forma de aumentar os valores das indenizações por dano patrimonial mesmo quando o fornecedor não lhes causa nenhum dano.

O primeiro requisito para que o Judiciário possa conceder tal reparação é o da ocorrência do dano. O CDC não oferece um conceito de dano, embora utilize a palavra trinta e uma vezes, no singular e no plural, duas das quais compondo a expressão “danos morais”.

O conceito jurídico do dano é encontrado nos artigos 186 a 188 do Código Civil.(5) Esses dispositivos traçam o contorno do instituto, mediante exposição do que é e do que não é um evento danoso. Da sua leitura pode-se concluir o seguinte:

(1º) o dano é o prejuízo causado a alguém por uma ação ou omissão de um agente em violação de um direito, que pode constar de lei, de contrato ou de decisão judicial;

(2º) o ato ilícito capaz de causar o dano deve ser produto de uma ação consciente, voluntária, ou de negligência ou imprudência do agente. O Código admite a responsabilidade sem culpa(6) nos casos previstos em lei, como ocorre em certas hipóteses da relação de consumo, (7) e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo agente comportar risco;

(3º) há dano mesmo quando o prejuízo é de natureza exclusivamente moral. O conceito de prejuízo ou dano moral não tem previsão legal. Tem sido construído pela jurisprudência, como será adiante demonstrado;

(4º) o agente pode incorrer em ato ilícito, e, portanto, causar dano, se exerce qualquer direito por ele detido excedendo os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé e pelos bons costumes;

(5º) não há ato ilícito, e, como conseqüência não há dano, se o agente atua dentro dos limites acima, para exercer seu direito reconhecido, outorgado por lei, por contrato ou por decisão judicial; e,

(6º) não há também ato ilícito se o agente causa o dano a pessoas ou bens, com o objetivo de remover perigo iminente.

Na análise acima transparecem todos os elementos do conceito do dano: ato do agente praticado em violação do direito; prejuízo para outrem; nexo de causalidade entre um e outro elemento.

A chamada responsabilidade objetiva do fornecedor de bens não se aplica a todas as circunstâncias das relações de consumo, mas apenas e tão somente àquelas hipóteses previstas nos artigos 12 a 17 do Código de Defesa do Consumidor.

Em síntese, naqueles dispositivos o Código restringe a responsabilidade sem culpa ao cumprimento dos deveres básicos do fornecedor de oferecer qualidade, segurança e informação adequada em todo o ciclo de produção e comercialização.

Desde a Constituição de 1988 que se passou a fazer distinção entre o dano patrimonial e o extrapatrimonial, ou moral. Todavia não há na legislação um conceito expresso do dano moral.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos demais tribunais do país tem reconhecido a existência de dano moral nas situações em que o ato ilícito do agente causa à vítima: (a) dor, sofrimento, angústia; ou, (b) violação aos direitos personalíssimos como o da honra, imagem, privacidade própria e das comunicações.

Alguns estudiosos da matéria explicam que nas situações mencionadas no parágrafo anterior há um prejuízo ao patrimônio moral da vítima, justificando-se assim a indenização.

Não se pode esquecer, porém, que para que haja dano moral deve existir uma relação direta entre a ação ou omissão ilícita do agente e a ofensa ao patrimônio moral da vítima.

A simples previsão da reparação por dano moral no Código de Defesa do Consumidor, por si só não autoriza a impor aos fornecedores esse tipo de indenização, mas apenas e tão somente quando estiverem presentes os elementos acima. Os tribunais têm reconhecido a existência de danos morais em situações como as seguintes (8)

1- ofensa à honra e à imagem, pela inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros e órgãos de proteção ao crédito;

2- protesto indevido de título;

3- devolução indevida de cheque por insuficiência de fundos quando o consumidor possuía numerário suficiente para pagamento depositado junto à instituição financeira;

Pode haver dano moral, por ofensa ao direito à honra e à imagem em decorrência da forma ou do procedimento que o fornecedor utiliza para a cobrança de um valor que lhe seja devido. O CDC estabelece como direitos do consumidor o de ser cobrado sem ser exposto ao ridículo e sem sofrer ameaças.(9)

Mas não pode haver dano moral quando o consumidor paga espontaneamente um valor que lhe é cobrado, e posteriormente, por qualquer razão entende indevido e resolve discuti-lo em Juízo.

Um exemplo do abuso do instituto tem se verificado nos processos nos quais se discute a possibilidade das empresas operadoras dos serviços de telefonia fixa cobrarem a parte do preço dos serviços que é destacada sob a rubrica “assinatura básica”.

Os consumidores têm ingressado com ações para deixar de pagar esses valores e têm acrescido aos seus pleitos os pedidos de indenizações por danos morais.

O Judiciário tanto estadual como federal, pela imensa maioria dos seus Juízes, tem reconhecido a legitimidade da cobrança do valor da assinatura básica e com isso tem posto fim a toda e qualquer pretensão dela decorrente.

Mas merece registro o abuso: o consumidor pagou ao prestador do serviço um valor determinado pela agência governamental que regulamenta o setor, no caso a Anatel. Não sofreu com isso nenhum tipo de ofensa ao seu patrimônio moral. Não foi submetido a dor, nem a sofrimento e nem a angústia. Tampouco teve sua honra, imagem ou privacidade violadas. Como conseqüência não poderia pleitear indenização por dano moral.

Tais postulantes fundamentam seus pleitos absurdamente apenas na existência da previsão legal do CDC, da qual tiram a ilação de que podem pleitear sem demonstrar em que consistiu (e não em quanto consistiu) o dano moral.

Conclui-se, portanto, que o dano moral decorrente da relação de consumo só ocorre quando os fatos demonstram ação ou omissão ilícita do fornecedor causando dor, sofrimento ou angústia, ou provocando prejuízo à honra, imagem ou privacidade do consumidor.

Notas de rodapé

1- Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078 de 11/09/90.

2- Artigo 6º, VI.

3- Artigo 55 da Lei 9099/95.

4- Artigo 3º da Lei 1.060 de 13/02/1950.

5- Lei 10.406 de 10/01/2002, artigos citados.

6- Código Civil, artigo 927, § único e 931.

7- Código de Defesa do Consumidor, artigo 12.

8- São exemplos de decisões que fundamentam a conclusão: (TJSP – 2ª Câm. Civil – Ap. Cível nº 198.945-1-SP; Rel. Des. Cezar Peluso; j. 21.12.1993; v.u.) JTJ 156/94. (TJSP – 6ª Câm. Civil; Ap. Cível nº 189.395-1-SP; Rel. Des. Ernani de Paiva; j. 18.03.1993; v.u.) JTJ 145/106. (TJSP – 2ª Câm. Civil; Ap. Cível nº 131.663-1- Taubaté; Rel. Des. Cezar Peluso; j. 16.04.1991, v.u.) JTJ 134/151
(STJ Resp 611973; DJ 13/09/04, pág. 261). (STJ AGA 578976; DJ 13/09/04, pág. 231).

9- CDC artigo 42.

Joaquim Manhães Moreira é advogado especializado em Direito Empresarial e sócio de Manhães Moreira Advogados Associados.

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