Acréscimo (plus) salarial: um panorama da jurisprudência do TRT da 4ª Região

Autor: Guilherme da Rocha Zambrano (*)

 

Introdução
Em meados de 2016, lancei um convite aos meus alunos do módulo de remuneração e salário de um curso de especialização em Direito e Processo do Trabalho: fazer uma pesquisa de campo para a apresentação de um panorama da jurisprudência da 4ª Região da Justiça do Trabalho a respeito do pedido de acréscimo (plus) salarial. Oito alunos aceitaram o desafio de fazer a pesquisa de campo, que é a metodologia dominante em outras áreas do conhecimento, mas é muito pouco utilizada na área jurídica — o que acaba privilegiando sempre a dedução, e nunca a indução, na construção do conhecimento jurídico.

O tema escolhido é recorrente nos conflitos apreciados pela Justiça do Trabalho, mas, ao mesmo tempo, enfrenta um altíssimo índice de rejeição nos julgamentos. Além disso, não existe uma disciplina legal específica, ou pelo menos suficientemente clara, para esse tipo de pretensão, o que aumenta a importância da pesquisa apresentada. Afinal de contas, estamos diante de um direito que está em fase de construção pretoriana, jurisprudencial, e é preciso identificar os parâmetros que determinam o acolhimento ou a rejeição do pedido, de modo a orientar os advogados, juízes e demais operadores do Direito sobre quando e como formular ou julgar o pedido de acréscimo (plus) salarial.

Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
Em cada umas das 11 turmas do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, foram pesquisados os 50 casos mais recentes sobre pedidos de acréscimo (plus) salarial, em meados de 2016[1]:

Turma Pedidos
acolhidos
Pedidos
rejeitados
6 44
24 26
10 40
13 37
5 45
9 41
6 44
4 46
9 41
10ª 1 49
11ª 10 40

Considerando o conjunto do TRT-4, o pedido de acréscimo salarial foi acolhido em 97 casos e rejeitado em 453, o que resulta num índice de rejeição do pedido de acréscimo salarial equivalente a 82,36% dos casos apreciados. Entretanto, um índice de acolhimento equivalente a 17,64% dos pedidos não é nada desprezível, especialmente em se tratando de uma base estatística tão ampla.

O motivo mais frequentemente citado para a rejeição do pedido de acréscimo salarial foi a ausência de alteração ou acréscimo de funções (209 casos; 46% das rejeições), seguido da compatibilidade entre as funções contratadas e as agregadas (197 casos; 43% das rejeições) e da circunstância de que as funções agregadas eram menos complexas que as contratadas (42 casos; 9,27% das rejeições). O motivo mais frequentemente citado para o acolhimento do pedido de acréscimo salarial foi a maior complexidade das novas funções (69 casos; 71% dos acolhimentos), seguido da simples alteração ou acréscimo de funções (25 casos; 25,77% dos acolhimentos). As demais situações foram consideradas pouco expressivas, do ponto de vista estatístico.

Os dados obtidos revelam que o tribunal tende a ser refratário ao pedido de acréscimo (plus) salarial, pois apenas na 2ª Turma foi possível identificar equilíbrio na proporção entre os casos de rejeição e de acolhimento do pedido, mas, mesmo assim, o índice de rejeição do pedido foi superior ao índice de acolhimento. Por outro lado, as demais turmas alcançaram índices de rejeição do pedido que variaram entre 74% e até 98% dos casos.

O acréscimo salarial arbitrado variou entre 5% e 40% do salário pago ao trabalhador (dois casos em cada um desses percentuais extremos); o acréscimo salarial de 10% foi fixado em 28 casos; o de 20%, em 23 casos; o de 30%, em 21 casos; o de 15%, em 10 casos; e o de 25%, em 5 casos. Na média, o acréscimo salarial foi fixado em 19%.

Digesto dos resultados
Diante dos resultados da pesquisa, é possível afirmar que o artigo 456, parágrafo único, da CLT não é um óbice intransponível ao pedido de acréscimo salarial — em todas as turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, houve pelo menos um caso de acolhimento do pedido de acréscimo salarial, e na 2ª Turma o pedido foi acolhido em praticamente metade dos casos.

Por outro lado, o fundamento mais frequente para a rejeição dos pedidos de acréscimo salarial é a ausência de alteração das funções contratadas, o desempenho das mesmas funções desde o início do contrato, ainda que a contratação tenha acontecido para uma função e haja o desempenho de outras funções não exatamente identificáveis com a função indicada no contrato de trabalho e na Carteira de Trabalho. Em muitos julgamentos, inclusive, é repetida a ideia de que não é devido um adicional por função.

Entretanto, é difícil concordar com algumas assertivas bastante populares em torno do assim chamado jus variandi, como se a obrigação de prestar trabalho que possui o empregado estivesse sujeita ao puro arbítrio do empregador (condição puramente potestativa, expressamente vedada pelo artigo 122 do CCB), que teria comprado o tempo de trabalho do empregado para fazer o que bem entendesse com ele. Cerca de 25% dos casos de acolhimento do pedido de acréscimo salarial foram fundamentados na simples alteração das funções do empregado (em números absolutos, 25 casos). Apesar disso, em 43% dos casos de rejeição do pedido de acréscimo salarial (197 casos, em números absolutos) houve a alteração das funções, mas essas novas funções foram consideradas compatíveis com as inicialmente contratadas. O mais interessante é que foram encontrados julgamentos nesses dois sentidos, aparentemente antagônicos, em pelo menos 7 turmas do TRT-4 (1ª, 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, 9ª e 11ª). Claramente, portanto, esse é um interessante campo para o aprofundamento da investigação, em busca de uma definição de quais alterações de funções justificam ou não o acréscimo salarial — ou seja, até que ponto as funções acrescidas podem ser consideradas compatíveis com as iniciais.

A informação mais valiosa revelada por essa pesquisa, entretanto, diz respeito à proporção dos casos de acolhimento do pedido de acréscimo salarial que foram fundamentados na maior complexidade das funções acrescentadas ao conteúdo ocupacional, sem a correspondente contraprestação, o que ocorreu em 71% dos casos em que o pedido foi acolhido. Em todas as turmas do TRT-4, houve pelo menos um julgamento no sentido de que o desempenho de atividades mais complexas do que as inicialmente contratadas justifica o pagamento de acréscimo salarial — o que indica que atividades mais complexas, que exigem maior qualificação profissional ou responsabilidade, são consideradas mais valiosas pela jurisprudência da 4ª região, a ponto de justificar o pagamento de acréscimo salarial.

Conclusão
Com a construção do panorama completo da jurisprudência, e a identificação dos parâmetros mais comumente utilizados pelos julgadores, espera-se contribuir para que os advogados, que são o “primeiro juiz da causa”, possam selecionar melhor as situações em que formularão o pedido de acréscimo (plus) salarial, assim evitando o desperdício dos recursos públicos investidos para a solução dos conflitos entre o capital e o trabalho. Da mesma forma, espera-se que o trabalho sirva como guia para os magistrados do Trabalho orientarem suas decisões, oportunizando reflexão e aprimoramento dos parâmetros que cada um utiliza.

O exame dos dados colhidos na ferramenta de pesquisa de jurisprudência do TRT-4 permite formular as seguintes conclusões sobre o estado atual da jurisprudência a respeito dos pedidos de acréscimo salarial:

  • é juridicamente possível o acolhimento do pedido de acréscimo salarial;
  • não é devido um adicional ou valor específico para cada função desempenhada, salvo disciplina legal específica;
  • somente se houver alteração das funções inicialmente desempenhadas pode ser devido o acréscimo salarial;
  • se as funções alteradas forem compatíveis com as inicialmente contratadas, não será devido o acréscimo salarial;
  • se as funções alteradas forem mais complexas do que as inicialmente desempenhadas, será devido o acréscimo salarial;
  • os acréscimos salariais variam entre 5% e 40% da remuneração e, na média, são de 20% sobre o salário base.

 

 

 

 

Autor: Guilherme da Rocha Zambrano é juiz do Trabalho, graduado em Direito pela Unisinos e especialista e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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