por Marcela Waksman Ejnisman e Andreia de Andrade Gomes Moreira de Souza
Muito já se falou e escreveu a respeito do Protocolo de Madri e suas vantagens e desvantagens para o Brasil. O Protocolo de Madri foi firmado em 1989 para modificar e atualizar o Acordo de Madri Relativo ao Registro Internacional de Marcas de 1891, sistema de registro internacional de marcas denunciado pouco tempo depois de celebrado por vários países, inclusive o Brasil em 1934.
O Protocolo de Madri, simplificando e tornando mais objetiva a idéia inicial de concentrar o registro de marcas em um só local, veio baratear seu custo, diminuindo a complexidade e o prazo para obtenção do registro da marca em vários países.
A partir de 2001, grupos de trabalho prepararam inúmeros debates, seminários e palestras e publicaram artigos com o objetivo de discutir a possível adesão do Brasil ao Protocolo de Madri. Essa questão controversa tem dividido ainda hoje as opiniões dos especialistas.
A pretendida adesão do Brasil foi defendida pela então direção do INPI — Instituto Nacional da Propriedade Industrial, cuja argumentação sustentou-se na redução considerável tanto dos prazos para obtenção dos registros de marcas no mercado internacional como das despesas para a proteção desses registros em todos os países membros do Protocolo.
Após o movimento a favor do Protocolo promovido a partir de 2001 pela direção do INPI, muitos profissionais atuantes na área de propriedade intelectual, advogados, agentes da propriedade industrial e empresários deram início a discussões acaloradas sobre o polêmico Protocolo. Alguns inclusive alegavam a sua inconstitucionalidade por diversos motivos, entre eles a ofensa ao princípio da isonomia e o tratamento desigual entre brasileiros e estrangeiros detentores de marcas a serem registradas.
Em 2002, as sedes da Fiesp — Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e da Firjan — Federação das Indústrias do Rio de Janeiro foram palco de seminários sobre o Protocolo de Madri, contando com a participação e o apoio de diversas empresas de projeção nacional e internacional.
Conforme registrado na ocasião, as empresas participantes apoiavam o Protocolo citando como benefícios a simplificação do processo de registro de marca através de um pedido único internacional, o reduzido custo para o registro e a cobertura territorial ampla, concluindo que aumentaria o número de pedidos de registro feitos no Brasil caso este aderisse ao Protocolo de Madri.
A FIESP apoiou o Protocolo de Madri afirmando peremptoriamente em artigo publicado em 7 de julho de 2002, no jornal Valor Econômico: “.. temos que ter em mente que o atual sistema precisa ser simplificado e aperfeiçoado em benefício dos titulares de marcas….diante de um mercado que não pára, a adesão ao Protocolo de Madri é uma realidade que nos parece inexorável”.
O então presidente do INPI encaminhou para apreciação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior uma proposta de adesão do Brasil ao Protocolo, que na época já contava com 57 países.
Em sintonia com essa proposta, o ministro Sérgio Amaral fez uma reunião em maio daquele ano, no INPI, que contou com a presença de empresários e de diversas associações (uma associação de advogados de direito internacional, Associação de Exportadores e a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual — ABPI), concluindo que o Protocolo seria era conveniente e oportuno para o país.
A própria Fiesp e, em seguida, a Firjan, se manifestaram por escrito junto ao governo apoiando a adesão ao Protocolo de Madri. Houve nessa época promessa por parte do ministro Sérgio Amaral de reaparelhamento do INPI para receber o Protocolo, mas em função do contingenciamento do orçamento da União, determinado pelo governo para diversas instituições públicas, este processo foi logo em seguida paralisado.
Na contramão desse processo estiveram alguns dos agentes da propriedade industrial, que se manifestaram publicamente contra o Protocolo através de Resolução Nº 23 da ABPI — Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, combatendo as vantagens do sistema com argumentos hoje já superados.
Esses argumentos sustentavam, de uma maneira geral, a inconstitucionalidade do Protocolo e sua conseqüente incompatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. A afronta ao direito de igualdade entre nacionais e estrangeiros, a violação à língua portuguesa como idioma oficial do Brasil e a concessão automática do registro caso não fosse examinado dentro do prazo de 18 meses eram alguns dos pontos mais criticados e polêmicos levantados à época por aqueles que se sentiam ameaçados no seu reservado mercado de trabalho, por possíveis conseqüências da adesão do Brasil em função da simplificação trazida pelo Protocolo com relação ao processo de registro das marcas.
O Protocolo de Madri, objeto de artigos publicados em jornais e revistas especializadas, teve todos os argumentos contrários a sua adesão contestados um a um em parecer de José Graça Aranha publicado em livro específico sobre o tema no ano passado.
No referido estudo, cada questionamento foi corajosamente enfrentado colocando abaixo qualquer dúvida a respeito da compatibilidade do Protocolo com a legislação brasileira, mais especificamente a desigualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, a ofensa ao direito adquirido e ao idioma nacional.
Além dessas questões, hoje não mais cabíveis, uma vez que infundadas, ficou esclarecido de uma vez por todas que não há prazo determinado de 12 a 18 meses para que o INPI examine registros de marcas provenientes do Protocolo, o que causaria a alegada desigualdade entre nacionais e estrangeiros (basta que o INPI se manifeste nesse período informando/notificando a OMPI de que há algum problema com determinada marca para que o exame final seja feito dentro do prazo que o INPI decidir).
O mesmo se diga do prazo de sete meses para exame de oposições por parte do INPI. Tal prazo pode ser utilizado por aqueles países que fazem um exame mais detalhado dos pedidos de registro e desejam ter, além dos 18 meses, mais sete meses para apenas informar/ notificar a OMPI sobre algum problema com determinada marca, ficando o exame propriamente dito para o prazo que o INPI decidir. Na fase nacional, a marca pode ser republicada na Revista da Propriedade Industrial, em português, para ciência de terceiros a respeito de todas as notificações a ela referentes.
A adesão em novembro de 2002 dos Estados Unidos — um dos maiores parceiros comerciais do Brasil — ao Protocolo de Madri encerrou de vez a desconfiança daqueles que questionavam a demora deste país em concretizar a sua prometida adesão. Toda a Comunidade Européia também já aderiu.
Não podemos ter receio do Protocolo e suas conseqüências. Os profissionais atuantes na área de propriedade industrial devem se convencer de que, a despeito do trabalho burocrático poder diminuir sensivelmente caso o Brasil venha a fazer parte do Protocolo, o trabalho técnico-jurídico que se segue ao simples depósito de um pedido de registro de marca não só aumentará, em função das novas marcas que virão para o Brasil, como também continuará sendo fundamental para a proteção dos ativos intangíveis dos titulares de marcas que, afinal, são os verdadeiros interessados que devemos proteger.
No nosso sistema atual de registro de marcas, os seguintes procedimentos são exigidos para que uma empresa nacional possa obter registro de marcas no exterior ou uma empresa estrangeira obtenha o registro de sua marca no Brasil: a contratação de advogados/agentes no exterior ou no Brasil, conforme o caso; obtenção de procuração e declaração do ramo de atividades da empresa de acordo com as exigências legais de cada país; obtenção de documento de prioridade para cada país, conforme necessário; obtenção das requeridas legalizações e consularizações nos documentos conforme exigido por cada país; preparação de toda documentação para cada país onde se vai requerer o registro da marca e envio desta documentação para os advogados/agentes; tradução da documentação quando recebida; preparação e depósito de cada pedido de registro; e pagamento das taxas oficiais e honorários para os escritórios responsáveis pelos pedidos de registro das marcas. Esses são apenas alguns dos passos que envolvem o procedimento inicial de pedido de registro de uma marca.
A lista acima é extensa e as exigências variam de país para país. O custo e o tempo demandados para este propósito podem ser verdadeiros impeditivos à obtenção dos registros em um número maior de países.
Ao contrário, dentro do sistema do Protocolo de Madri, a maioria desses requisitos é dispensada e resumida em um único depósito internacional, com efeitos para até 66 países, incluindo praticamente todos os grandes parceiros comerciais do Brasil.
O novo sistema, caso este venha a ser adotado, não é livre de quaisquer dificuldades, mas caberá aos titulares de marcas e seus advogados escolher o melhor caminho a seguir e entender como tirar maior proveito do sistema.
O panorama mundial mudou. Dos tímidos vinte e poucos países membros em 1996, são ao todo agora 66 países que fazem parte do Protocolo de Madri. Estão incluídos todos os países da Europa, inclusive o escritório da Comunidade Européia, que também é Parte Contratante do Protocolo, os EUA, alguns países africanos, alguns países árabes, Turquia, Japão, Austrália, China, a República Popular Democrática da Coréia, a República da Coréia, Singapura e Cuba, para citar apenas alguns. A adesão de outros também já está a caminho: Índia, Tailândia, certos países do Golfo, Israel e África do Sul.
O Brasil deve dirigir seu rumo para o novo cenário da economia mundial, no qual os efeitos da globalização são sentidos em todos os seus aspectos e não há como ficar alheio à competição, comprometendo o desenvolvimento e a conquista de novos e promissores mercados.
Um INPI ágil, equipado com recursos humanos e materiais é, sem sombra de dúvida, o melhor dos cenários e uma questão prioritária para o sucesso total da implantação do sistema do Protocolo de Madri. Mas ficar discutindo esse assunto por mais longos anos enquanto se espera pelo aparelhamento do órgão é deixar passar ao largo uma oportunidade que pode incrementar nossas exportações e melhorar a imagem do Brasil no exterior.
Nesta época em que o Brasil está buscando os mercados de exportação, é essencial que a empresa brasileira tenha custos mais baixos para competir em um mercado globalizado.
Confiamos que o atual governo brasileiro, atento que está às questões que afetam o comércio exterior, reconheça a importância desta matéria de registro de marcas, e anuncie, em breve período de tempo, a adesão de nosso país ao Protocolo de Madri.
Marcela Waksman Ejnisman é sócia na área de Propriedade Intelectual de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.
Andreia de Andrade Gomes Moreira de Souza é advogada na área de Propriedade Intelectual de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.