Autores: Guilherme Reis e Renata Lima (*)
A ministra Carmem Lúcia solicitou a inclusão em pauta da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2545-7, que julga o pedido de declaração de inconstitucionalidade material do artigo 12, caput, inciso IV e inconstitucionalidade formal e material do artigo 19, caput, e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei 10.260/2001. A legislação em questão dispõe sobre o fundo de financiamento ao estudante do ensino superior (Fies).
O pedido de inconstitucionalidade formal do artigo 19 é fundamentado no argumento de que a imunidade contida no artigo 195, § 7º, da Constituição da República, deve ser regulada por lei complementar e não por lei ordinária, como ocorre no presente caso, haja vista o disposto no artigo 146, II, da Constituição da República.
À época do ajuizamento da ação, a relatoria coube a ministra Ellen Gracie, em seu voto a ministra manifestou-se no sentido de que o pedido de inconstitucionalidade formal do artigo 19, da Lei 10.260/2001 deveria ser analisado somente no julgamento final do feito.
A nosso ver, esse é o principal ponto sobre o qual o Supremo Tribunal Federal deverá se manifestar nesta oportunidade, qual seja o tipo legal adequado para regulamentar a imunidade do artigo 195, § 7º, da Constituição da República, que, como dito, e em nosso entendimento, deverá ser por meio de lei complementar.
Os destinatários desse benefício fiscal são os mesmos do benefício contemplado no artigo 150, VI, “c”, da Constituição da República, quais sejam as entidades sem fins lucrativos de educação, assistência social e saúde. Sendo assim, não entendemos lógico, tampouco razoável, que se pretenda o Poder Público regulá-las de forma diferente, com exigências distintas como tem se dedicado o Governo Federal. Afinal, já está pacificado em todas as esferas do Poder Judiciário que o artigo 150, VI, “c”, da Constituição da República, é regulamentado pelo artigo 14, do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), lei esta que foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 com status de Lei Complementar, portanto, sendo permitida somente à ela regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme exposto no artigo 146, II da CR/88. Devendo, nesse sentido, as instituições sem fins lucrativos cumprirem apenas os três requisitos do artigo 14 do CTN, de forma que não seja instituído nenhum imposto sobre seu patrimônio, renda e serviço.
Sobre a imunidade do artigo 195, § 7º, da Constituição da República o Supremo Tribunal Federal já pacificou alguns entendimentos importantes na análise desta imunidade, registramos os seguintes:
a) a Corte Suprema decidiu que o benefício inscrito no artigo 195, § 7º, da Constituição da República é o da imunidade, embora o texto legal refira-se inapropriadamente à isenção de contribuição para a seguridade social (STF – RMS 22.192/DF).
b) entende a Corte Suprema que a imunidade do artigo 195, § 7º, da Constituição da República abrange as entidades beneficentes que prestam assistência social nas áreas de educação e saúde, chega-se a esse entendimento com a conciliação dos artigos 149, 203 e 195, § 7º, todos da Constituição da República (STF – ADI 2.028).
c) o entendimento dos termos “beneficente” e “filantrópica”, já é pacificado no sentido de que toda entidade beneficente é filantrópica, mas nem toda filantrópica é beneficente e nessa lógica temos que ser filantrópica é fazer de forma gratuita para todos aqueles que necessitam de um determinado serviço, enquanto que ser beneficente é poder cobrar por determinado serviço de quem possa pagar e ofertar gratuitamente a quem não pode pagar.
Atualmente está em tramitação no Corte Suprema o RE 566.622, processo cujo objeto é a regulamentação da imunidade em questão, a relatoria está a cargo do ministro Marco Aurélio, o processo em questão já possui 04 votos registrados em ata, todos no sentido de que a imunidade em questão deve ser regulamentada por lei complementar, em observância ao disposto no artigo 146, II, da Constituição da República. Portanto, a regulamentação deve se dar pelo artigo 14 do Código Tributário Nacional.
O artigo 19 da lei objeto da ADI 2.545 pretende estabelecer a destinação do recurso oriundo da imunidade à concessão de bolsas de estudo, ou seja, está o artigo em questão transformando em obrigação de dar — nesse caso bolsas de estudos — a obrigação de pagar — nesse caso a contribuição para a seguridade social — da qual as entidades encontram-se dispensadas. Sendo assim, está na verdade o artigo 19 escamoteando das entidades de ensino superior o benefício da imunidade.
Outro dispositivo afastado pela Suprema Corte foi o caput e o inciso IV do artigo 12, também da Lei 10.260/2001. Esses dispositivos não estão atrelados a imunidade das entidades, mas sim às regras para o resgate do certificado do Fies.
O caput do artigo 12 prevê que as entidades que não possuírem pendências no cumprimento de obrigações previdenciárias poderão antecipar o resgate dos valores representados nos certificados, mas as entidades que possuírem débitos estarão impedidas desse realizarem esse resgate. O inciso IV do mesmo artigo impede o resgate das entidades que tenham ações judiciais cujos objetos sejam a discussão de débito ou crédito de contribuições previdenciárias.
A Suprema Corte entendeu não haver afronta à Constituição da República na redação do caput do artigo 12, afinal, não é razoável privilegiar aqueles que estão em débito com o Governo Federal. Porém, o inciso IV afronta o direito ao livre acesso ao Judiciário, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição da República.
Enfim, mais uma oportunidade terá a Suprema Corte para fazer valer o texto constitucional, declarando que a imunidade do artigo 195, § 7º, da Constituição da República deve ser regulamentada por meio de lei complementar.
Autores: Guilherme Reis é advogado especializado em direito do Terceiro Setor do Nelson Wilians e Advogados.
Renata Lima é advogada especializada em direito do Terceiro Setor do Nelson Wilians e Advogados.