por Manoel Luiz Luciano Vieira
Primeira página de O Estado de São Paulo de 20 de fevereiro de 2005: “Gasto da União cresceu 57% em 10 anos”. O texto nos dá conta de que “entre 1995 e 2004, as despesas não-financeiras da União subiram 57%, descontada a inflação”. Mais preocupante, porém, é constatar que esse quadro se repete em maior grau nos estados e municípios. E que o país, embora tenha competência técnica para combater o problema, amarra-se a estruturas obsoletas e não convoca a iniciativa privada para auditar as três instâncias de governo.
A organização política e partidária vigente impede a implementação de mudanças ou correções ao sistema em funcionamento, o que faz do poder executivo presa fácil do imprescindível apoio parlamentar. Daí a indesejável promiscuidade da gestão política com a administração pública. É secular a prática da contratação de servidores para servir a interesses partidários ou consolidar bases eleitorais. Mesmo o concurso público não contempla aquele que tem vocação, assim como não é garantia da contratação do mais qualificado. Um problema tão sério quanto esse é a falta de preparo dos executivos públicos, que, em sua maioria, não dispõem de formação técnica apropriada à sua missão.
O mesmo O Estado de São Paulo publicou, na edição de 23 de janeiro de 2005, entrevista do presidente do Tribunal de Contas da União, Adylson Motta, que informou que 90% dos prefeitos não conhecem as leis de gestão da máquina pública. Em sua opinião, apenas 10% dos 5.562 executivos municipais do país estão envolvidos intencionalmente no desvio de dinheiro — é a pouca familiaridade com a administração pública que os induz à prática de irregularidades passíveis de ser evitadas por assessoria competente.
Infeliz e inexplicavelmente, os tribunais de contas só podem se manifestar depois do exame da prestação de contas dos prefeitos. Não podem atuar como as empresas de auditoria contratadas pelas empresas privadas, que orientam seus clientes sobre como evitar contingências e melhorar o desempenho. Seria então o caso de chamar as empresas de auditoria a prestar esse valioso trabalho, orientando os prefeitos sobre a correta aplicação das leis que regem a administração pública.
É lamentável, mas a administração da máquina pública ainda não foi segregada da alternância de poder. Invariavelmente, as políticas e projetos sofrem solução de continuidade, porque o seu prosseguimento importa no reconhecimento da importância do antecessor. A avaliação de desempenho de funcionários, que poderia contribuir de modo significativo para a melhoria da gestão pública, também está na área de atuação dos auditores.
Em 2000, o Ministério da Cultura introduziu e disciplinou o acompanhamento e auditoria independente externa para projetos culturais, artísticos e audiovisuais que se beneficiem de incentivos fiscais, definindo, inclusive, os limites dos honorários dos auditores. A medida impôs ao mercado segurança e seriedade nos procedimentos dos produtores culturais, atendendo às principais exigências dos patrocinadores.
A expectativa da sociedade civil era a de que a exigência de auditoria dos projetos culturais fosse estendida às demais atividades na administração pública, em razão dos bons resultados que proporcionou. Para surpresa e decepção de todos, porém, assim como veio, ela também se foi. E as principais fontes de patrocínio resolveram criar institutos culturais próprios a ter de se envolver com realizações a cargo de terceiros sobre as quais não podiam exercer controle. Está na hora de retomar o assunto.
Revista Consultor Jurídico