Administração responde por prejuízos causados por obras públicas

por Décio Policastro e Odilo Antunes de Siqueira Neto

A evolução natural e o crescimento populacional obrigam a administração pública a realizar constantes adaptações nas obras públicas existentes e a construir novas obras para atender as necessidades sociais, exigidas pela evolução e pelas modernidades urbanas.

Obras públicas são necessárias, sem dúvida. Problemáticas e complexas, quando realizadas em metrópoles populosas, com grande volume de veículos e tráfego difícil, como ocorre na cidade de São Paulo, causam, inegavelmente, desconforto e prejuízos econômicos à comunidade durante sua execução.

A prudência aconselha que a realização da obra seja precedida de cuidadosa, adequada e bem organizada programação, de maneira a poderem ser minimizados os efeitos e/ou reflexos, diretos e indiretos, à população e ao particular, à propriedade e às atividades econômicas em geral, enquanto estiverem sendo executadas e depois de concluídas.

Sobrevindo dano ao particular, em decorrência da execução da obra, surge o dever do Estado/Administração ressarcir os prejuízos a que deu causa, ainda que o ato praticado seja lícito. O Estado não pode causar prejuízo a ninguém e muito menos a alguns membros da coletividade, em benefício dos demais. Esse entendimento deriva do princípio da solidariedade social. De fato, se o bem estar da comunidade exige o sacrifício de um ou de alguns de seus membros em benefício dos demais, aquele ou aqueles que foram prejudicados devem ser indenizados pelo Estado/Administração, ou seja, por todos.

O ressarcimento muitas vezes abrange o que a pessoa efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de ganhar e o que despendeu para diminuir ou evitar os prejuízos sofridos, durante ou após a execução da obra que prejudicou seu patrimônio (lucros cessantes e danos emergentes).

Para surgir o dever de indenizar, é preciso existir uma relação lógica entre o ato lesivo e o dano causado, ou seja, a obra pública, deve ser a causa direta e imediata do prejuízo causado (nexo de causalidade). Sem a constatação de que a lesão foi determinada pelo comportamento da Administração, não será possível obter sucesso no pleito de ressarcimento.

As ações de indenização por prejuízos ocasionados por obra pública, em geral, têm boa probabilidade de sucesso. No entanto, certas peculiaridades precisam ser observadas.

Exige-se que o dano sofrido pela pessoa (física ou jurídica) seja particular, isto é, que o prejuízo experimentado tenha sido especificamente dela (ou de um pequeno grupo de pessoas). E este prejuízo, ou incômodo, deve ser de tal forma anormal, que ultrapasse os limites dos riscos e sacrifícios econômicos toleráveis e/ou exigíveis ao convívio social.

Se todo prejuízo fosse passível de indenização, a atividade da Administração para executar qualquer obra pública, tornar-se-ia inviável. Há obras cuja execução não excede os incômodos e prejuízos normais provenientes da vida em coletividade, uma vez que o bem estar coletivo justifica os danos normais causados ao particular. Esses inconvenientes e incômodos normais, constituem risco social a que se submete a coletividade em geral.

Ocorrido o dano em razão do ato da Administração ou dos seus agentes, surge para ela o dever de reparar. Sua responsabilidade é objetiva. Melhor dizendo: desnecessário provar a culpa da Administração, basta demonstrar o nexo causal acima mencionado.

Exemplos de obras públicas que deram causa a demandas, foram a construção e a extensão das linhas do Metrô, o Minhocão, o Viaduto Ary Torres (que liga a marginal esquerda do Rio Pinheiros à Avenida dos Bandeirantes) e a Avenida do Estado, entre outras.

Os motivos apresentados nas ações foram diversos: danos em edificações, perda de clientela, queda do faturamento, desvio de trânsito, prejudicando o acesso dos clientes aos estabelecimentos, etc.

Os pedidos reparatórios versaram umas vezes a respeito dos danos ocorridos durante a execução das obras (desvio de tráfego, queda nas vendas, dificuldade de estacionamento, etc.), outras vezes a respeito dos ocorridos após o seu término (desvalorização do imóvel, abalo na estrutura da construção, perda de visão paisagística, etc.).

Em certas situações, considerou-se que o simples desvio de trânsito para execução de obras públicas causador, indireta e secundariamente, de declínio do movimento comercial por causa da redução do fluxo de pessoas, não é fato que obriga a Administração indenizar. Em outras palavras: posicionou-se que o desvio de trânsito, por si só, causador da redução do fluxo de pessoas ao comércio local, não gera a obrigação de indenizar.

Esta, entretanto, não é uma posição vitoriosa. Existem vários julgados que atribuíram responsabilidade à Administração pela queda de movimento de estabelecimento, entendendo ter existido um dano anormal (insuportável) e especial (específico daquele particular) causado durante o período de execução da obra.

Evidencia-se, então, que o sucesso da demanda indenizatória depende da demonstração do dano anormal, específico e insuportável sofrido pela pessoa, e da prova inequívoca do prejuízo por ela suportado, prova essa que pode ser produzida por intermédio de testemunhas e, especialmente, através de perícias contábeis, mostrando o movimento nos negócios anteriormente as obras e a queda no movimento, verificada durante o período de tempo em que foram executadas.

Caso interessante e bastante esclarecedor ocorreu com um conhecido hospital desta Capital, que conseguiu demonstrar a relação entre os danos sofridos pela significativa queda do movimento de pacientes em razão das obras do Metrô. Embora lícito o ato da Administração, ficou assentado que o dano fora anormal e especial, à medida em que transcendeu os limites dos incômodos naturais da vida societária e onerou uma só pessoa, na singularidade de sua condição funcional. Na decisão, favorável ao hospital, consignou-se que, além de precária a sinalização de acesso feita pela Administração, ocorriam muitos outros problemas causados pelas obras, quais sejam, barulho, fumaça, poeira, rachaduras, vazamentos, obstruções, etc.

O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou, ainda, que, no caso, o “acesso tortuoso”, além das demais condições expostas, “não pode, senão por milagre, ou necessidade extrema, atrair clientela”. E, disse mais: “se um universo indeterminado de pessoas se aproveita das obras públicas consideradas, a que título ético e jurídico deveria apenas a autora suportar-lhes os pesados custos indiretos?”.

Outro caso, igualmente esclarecedor, foi o julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais onde se pedia indenização por desvalorização de dois imóveis residenciais e três comerciais em razão de obras públicas. O Tribunal decidiu que enseja a reparação dos danos suportados pelo particular, o fato das obras terem dificultado o acesso às lojas, garagens e estacionamentos locais, além da diminuição da segurança.

Por outro lado, também é possível pleitear ressarcimento por prejuízos sofridos após a conclusão da obra. São naqueles casos especiais em que, para construir um viaduto é necessário, por exemplo, fazer movimentação de terra ou rebaixamentos no solo, sujeitando o imóvel a enchentes ou com a visibilidade prejudicada, ou, ainda, quando sofre desvalorização por vibrações e ou danos causados pelo tráfego de veículos em passagens subterrâneas.

Houve caso em que a pessoa teve êxito na demanda, porque conseguiu provar que as deficiências surgidas na sua propriedade se deram pela escavação de túneis que foram construídos e pela passagem constante dos trens de Metrô.

Em outra situação, a indenização foi concedida em razão da queda no movimento comercial, mas não foi admitida a reparação dos prejuízos pela desvalorização do imóvel, sob o argumento de que a evolução e o progresso não devem ser indenizáveis.

Apesar de demandas poderem ser propostas em razão de uma mesma obra, os julgados nem sempre têm decisões iguais. Isto porque ainda não está uniformizada a interpretação de dano indenizável, não obstante o Supremo Tribunal Federal já ter decidido que, havendo um dano causado por ação do Estado, há o dever de indenizar.

Enfim, o que tem prevalecido é que, havendo prejuízo desproporcional ao particular, decorrente de obra pública, ainda que realizada no interesse da coletividade, a indenização é devida, uma vez que os ônus e encargos sociais devem ser distribuídos igualmente, por não ser justo que uma ou algumas pessoas suportem mais prejuízos que outras, em razão de obra pública.

Conclui-se, por fim, que são boas as chances de ressarcimento dos danos causados decorrentes da realização de obra pública, durante a execução e após a sua conclusão, desde que atendidos os requisitos aqui comentados. Ainda que desnecessário, porque de todos sabido, não custa o acréscimo de que a quantificação desses danos envolve o valor principal, da correção monetária e dos juros legais.

Décio Policastro é sócio de Araújo e Policastro Advogados

Odilo Antunes de Siqueira Neto é advogado do escritório Araújo e Policastro Advogados

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