Advogados conseguem acesso aos autos de inquérito

Os advogados José Roberto Batochio, Guilherme Octávio Batochio e Ricardo Toledo Santos Filho conseguiram derrubar o segredo de justiça declarado nos autos de um inquérito que investiga crime de extorsão no Paraná.

O desembargador João Kopytowski entendeu que “o direito do advogado, de ter acesso aos autos de inquérito policial, não é absoluto, devendo ceder ao interesse público, conforme entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça”.

Porém, quando se trata de “liberdade individual, o acesso do advogado ao inquérito, para averiguar os fundamentos do decreto prisional, é condição essencial ao exercício do seu mister, ‘ex-vi’ do disposto no artigo 7º, inciso XIV, do Estatuto da Advocacia, que, nessas situação, prevalece sobre as demais hipóteses do mesmo diploma, as quais proíbem o acessos aos feitos sob segredo de justiça”.

Segundo ele, os fatos que ensejaram o sigilo aconteceram em janeiro deste ano. A prisão temporária decretada em março ainda não foi cumprida. Para o desembargador, o segredo de justiça perdeu o sentido e “não pode continuar, em prejuízo à ampla defesa”. Assim, a liminar pedida pelos advogados foi concedida para que possam ter acesso aos autos.

Leia a íntegra do Mandado de Segurança

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, brasileiro, casado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob no 20.685 e no CPF do Ministério da Fazenda sob no xxxxx, GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO, brasileiro, casado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob no 123.000 e no CPF do Ministério da Fazenda sob no xxxxx e RICARDO TOLEDO SANTOS FILHO, brasileiro, casado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob no 130.856 e no CPF do Ministério da Fazenda sob no xxxxxx, todos com endereço na Capital do Estado de São Paulo, na Avenida Paulista, no 1.471, 16o andar, onde recebem intimações, impetram MANDADO DE SEGURANÇA, pleiteando MEDIDA LIMINAR, contra ato do Meritíssimo Juiz de Direito da Vara de Inquéritos Policiais da Comarca de Curitiba, Dr. PEDRO LUÍS SANSON CORAT, aqui autoridade coatora (inquérito policial no 2005.1806-5 – 007/2005) tudo em razão dos fatos e jurídicos fundamentos em frente alinhados.

1. SÍNTESE DOS FATOS

Os Impetrantes são advogados habilitados, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo (e também do DF, o primeiro), exercendo sua nobre profissão nos auditórios de todo o País.

Nessa condição, foram constituídos, ao lado de outros profissionais, para patrocinar os interesses do advogado Dr. ROBERTO BERTHOLDO, militante nessa comarca, que estaria sendo alvo de investigações no inquérito policial instaurado na Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba, em que se apuraria a ocorrência de um suposto e inacreditável delito de extorsão mediante seqüestro, a partir de boletim de ocorrência lavrado por Sérgio Renato Costa Filho, seu ex-sócio – e de “determinação verbal do Sr. Secretário de Segurança Pública, Dr. Luiz Fernando Delazari” (cf. Portaria de fls. – doc.1) –, tudo por conta de desavenças societárias que culminaram com agressões físicas recíprocas. Eis o histórico da aludida ocorrência:

Relata que foi vítima de agressões e tortura por parte de seu sócio, noticiado acima descrito, bem como outras pessoas, como o segurança Luiz Carlos Marques, Beto de tal e outros que se diziam policiais. Que o noticiante foi agredido fisicamente e somente após 14 horas recebeu socorro médico, tendo sido encaminhado ao Hospital Nossa Senhora do Pilar, pelo próprio noticiado. Que outras informações, bem como notícias de outros crimes cometidos pelos acima citados, serão prestadas no decorrer do inquérito policial. Que na ocasião foram roubados uma pistola Taurus Milenium e um revólver 38 cano curto, ambos registrados em nome do noticiante dois notebooks e demais documentos pessoais e dinheiro. É o relato.

(cf. documentação inclusa)

Embora não se compreenda como se possa pretender falar, na espécie, no gravíssimo crime de “extorsão mediante seqüestro” em que o seqüestrado é mantido cativo em sua própria sala de trabalho e encaminhado ao hospital pelo seu suposto seqüestrador (esta a insólita situação fática com que, segundo consta, se depara nos autos do inquérito), o que se tem é que, instaurado o apuratório, foram inquiridas a indigitada vítima e, ao que se sabe, mais de vinte testemunhas entre os dias 27 de janeiro e 17 de fevereiro p. p. (período que compreende treze dias úteis), todas elas na presença do advogado do ofendido.

Soube-se mais que, recentemente, nesse inusitado inquérito policial, foi decretada a custódia temporária do Dr. ROBERTO BERTHOLDO, por trinta (30) dias (daí porque necessária a exagerada e artificial capitulação dos fatos como “extorsão mediante seqüestro”…). Mero exercício arbitrário das próprias razões e mesmo lesões corporais não renderiam jamais uma estrondosa e midiática prisão processual que, certamente, servia – como serve – a outros interesses… A lei não autorizaria, nessa hipótese, a decretação da odiosa restringenda contra um antigo e conhecido advogado, diretor de empresa pública… Era preciso exagerar!

Os Impetrantes, na qualidade de advogados constituídos do Dr. ROBERTO BERTHOLDO, no último dia 22 de março, dirigiram-se à Comarca de Curitiba, no intuito de compulsar os autos do apuratório e, dentre outras coisas, conhecer dos fundamentos da decretação da custódia temporária de seu constituinte.

Fizeram-no fulcrados no artigo 5o, incisos XXXIII, LV, LXIII e LXXII, alínea “a”, da Carta Política, bem como no artigo 7o, XIII, XIV e XV, da Lei Federal no 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB.

Na sede do Juízo coator o acesso aos referidos autos foi negado, seja pela momentânea ausência deles no cartório, seja sob o argumento de que se achavam sob segredo de justiça, que abrange defensores constituídos… Fez-se expedir certidão sobre tais fatos.

Na Delegacia de Furtos e Roubos da Divisão de Crimes Contra o Patrimônio de Curitiba, onde tramita o inquérito, vista dos autos em causa foi negada ao primeiro Impetrante sob a alegação de que a investigação se achava sob “segredo de justiça” e que, mesmo ao procurador constituído do investigado (que tem prisão decretada), por ordem do Dr. Pedro Luís Sanson Corat, M. M. Juiz de Direito da Vara de Inquéritos Policiais da Comarca, aqui autoridade coatora, não seriam exibidos os autos, aos defensores constituídos, em qualquer hipótese. Proíbe-se o capturando de conhecer os motivos da ordem de captura… Impugnar o decreto de custódia perante a superior instância? Nem pensar… Processo secretíssimo, a que nem o imputado (mesmo ameaçado de prisão) nem seus advogados podem ter acesso… Sinal dos tempos!

Fazendo valer seu constitucional direito, previsto no artigo 5o, inciso XXXIV, alínea “b”, da Charta Magna, o primeiro Impetrante obteve – sem dificuldade, assinale-se – certidão de seguinte teor, expedida por aquela Delegacia de Polícia:

CERTIDÃO

Certifico, que dou fé nesta data, compareceu nesta especializada o advogado Dr. José Roberto Batochio, OAB/PR n.º 20.685, o qual exibindo procuração outorgada pelo Dr. Roberto Bertholdo, investigado nos autos sob no 2005.0001806-5 (IP. no 007/05), o qual solicitou acesso aos autos, bem como cópia reprográfica do mesmo, alegando haver prisão temporária, não tendo tido acesso aos autos, por ser sido declarado segredo de justiça, pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Inquéritos Policiais – Dr. Pedro Luís Sanson Corat. Era o que fielmente cumpria-me certificar, do que para constar lavrei este termo, o referido é verdade e dou fé. Eu, Sirlene Perpetua Mattoso, Escrivã que o subscrevi.

Curitiba, 22 de março de 2005.

Sirlene Perpetua Mattoso

Escrivã de Polícia

(sic – cf. textual da documentação inclusa)

Como se vê, por ato da autoridade judiciária indicada, impediu-se, ilegal e arbitrariamente, o advogado constituído do investigado de ter acesso aos autos do inquérito policial em que se acha decretada sua custódia temporária. Cortou-se-lhe o direito de defesa, suprimiu-se-lhe a possibilidade de combater, por meio processual próprio, o decreto de prisão temporária, que é, repita-se, secreto…

A prova do negaceio judiciário – estratificador do ato coator – vai aqui produzida documentalmente.

O ato é francamente violador de direito líquido e certo dos Impetrantes (e de todos os profissionais da advocacia) e alcança, também, o direito de defesa do interessado, no caso, o constituinte dos advogados impetrantes.

Investigações e feitos secretos, restrições ao direito de defesa, cerceamento da aferição de legalidade de ato constritivo da liberdade, pelo advogado do interessado, são recaídas autoritárias que não se quer mais recordar e que se não harmonizam com o regime de liberdades que a Carta Política de 1988 instituiu. Segue a demonstração.

2. O DIREITO

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

(art. 133 da CF)

A Lei Federal no 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB), dispõe, em seu artigo 7o:

“São direitos do advogado:

XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV – examinar em qualquer repartição policia, mesmo sem procuração, autos de flagrante e inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.

Vê-se, pois, que o advogado tem assegurado na lei o direito de examinar autos de qualquer natureza sem procuração, ressalvados, nesta hipótese, apenas os que estejam sob sigilo. Com procuração do interessado (ou investigado), porém, o acesso é pleno, mesmo na hipótese do decreto de segredo de justiça, seja qual for o nome que a este se dê.

É que a lei hierarquicamente inferior não poderia afrontar ou reduzir os princípios reitores do contraditório e da defesa ampla, matrizes nobres fixadas na Lex Legum (cf. artigo 5o, inciso LV, da Charta Magna).

Tal, todavia, se vê da hipótese presente, em que foi decretado o sigilo e sobreveio imposição da famigerada prisão temporária (famigerada porque prende antes e investiga depois alguém que deve ser presumido inocente) contra o constituinte dos Impetrantes e das razões que ditaram a odiosa restringenda não pudesse a defesa conhecer.

Verdadeiro cheque em branco emitido, ultimamente no atacado, pelo Judiciário e entregue à polícia, sacado contra o status libertatis. Como o cidadão que sofre a supressão do seu direito de liberdade pode demonstrar o desacerto do decreto da custódia processual se não lhe é dado sequer conhecer os termos e os fundamentos do édito aflitivo?

Mais se avoluma a crítica se a prisão for arbitrária, ilegal, abusiva, fruto de perseguição política ou pessoal. Não haveria forma de combatê-la perante a superior instância.

Depreende-se que a lei ordinária não poderia suprimir ou restringir a defesa ampla e o contraditório que a Constituição fez questão de assegurar. Por isso que o preceito do artigo 7o, inciso XIII, da Lei no 8.906/1994 deve ser interpretado, sistematicamente, segundo a Lei Maior. Se não, poderia negar o mandamento constitucional, que – destaque-se – consubstancia cláusula pétrea.

Frisa-se que o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – que é Lei Federal – não fala em suspeito, indiciado ou réu, e assegura ao advogado – enquanto defesa técnica constituída – o direito insonegável de examinar autos de qualquer processo em qualquer órgão do Poder Judiciário ou repartição policial, deles podendo extrair cópias.

De outro bordo, o artigo 6o, parágrafo único, do Diploma Legal da Advocacia e da OAB preceitua:

As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da Justiça devem dispensar ao advogado no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

Obviamente que tais prerrogativas não foram estabelecidas pelo legislador por mero capricho ou sofisticação; antes, encarnam a vontade geral da Nação e visam a assegurar ao cidadão o direito de defesa, na forma mais ampla possível, conforme norteiam os artigos 5o, incisos II, XXXV, e LV, 93, inciso IX, e 133 do Estatuto Supremo:

Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade…

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Como se vê, com a proibição do acesso dos advogados constituídos aos autos do “feito com segredo de justiça”, a Autoridade impetrada está a violar direito líquido e certo dos Impetrantes, profissionais da advocacia, que têm garantidas, na Lei Fundamental e no ordenamento jurídico ordinário, franquias relativas ao seu livre exercício (e a advocacia é função pública essencial à jurisdição) e atinentes ao direito de examinar e de copiar autos (artigo 7o, inciso XIII, da Lei Federal no 8.906/94).

Como o direito violado mostra-se líquido e certo, não amparado por habeas corpus, a espécie rende ensejo a este mandamus, cuja decisão se exibe simples em face da certeza do direito e da prova plena da violação.

Daí a eleição à via heróica, para restabelecer o direito violado e o império da lei.

3 – DA PROVA DA VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO E DA PERTINÊNCIA DA VIA ELEITA.

O incluso documento (cf. ato coator) demonstra, à exuberância, a realidade de que a Autoridade coatora violentou sagradas prerrogativas dos Impetrantes (suprimindo também fundamental direito do constituinte) proibindo, expressamente, que examinem autos em que o último pode estar apontado como possível autor de ilícito penal e tem prisão temporária contra si decretada por decisão ali proferida e que excepciona seus mais fundamentais direitos constitucionais…

Não se cuida de mera alegação, senão de violência cabalmente comprovada. Ora, o direito de examinar tais autos decorre da letra da Constituição (defesa ampla) e da lei.

Armado assim o silogismo jurídico, a conclusão é de que o Impetrado se acha a violar direito líquido e certo da classe dos advogados, no caso, especificamente dos Impetrantes.

Fato curioso é que o nobre Promotor de Justiça designado para acompanhar o caso e o insigne advogado da vítima, que presenciou a oitiva de nada menos que vinte testemunhas inquiridas no feito, têm tido, ao que se sabe, amplo acesso ao feito… Permite-se tudo, menos o direito de defesa…

Isonomia processual, par conditio, tudo relegado ao limbo, como se do ordenamento jurídico não figurassem…

Onde estamos? Em que tempo vivemos?

Ora, dispõe a Lei Fundamental em seu artigo 5o, inciso LXIX:

LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Regulamentando e disciplinando a disposição constitucional programática, a Lei no 1.533, de 31 de dezembro de 1951, recepcionada, em seu artigo 1o, ordena:

Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas corpus”, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou haver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

É, precisamente, o caso dos autos: a Autoridade coatora violou o direito dos Impetrantes de exercer livremente a sua profissão e de examinar, mediante procuração específica, autos de interesse de seu constituinte.

Não obstante, o ordenamento jurídico tutela esse direito de acesso aos autos, inclusive na esfera penal, consoante se lê do artigo 3o, alínea “j”, da Lei no 4.898/65, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal nos casos de abuso de autoridade, verbis:

Art. 3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Bem se ajusta à espécie artigo intitulado “QUEM TEM MEDO DA PUBLICIDADE NO INQUÉRITO?”, da lavra de Alberto Zacharias Toron e Maurides de Mello Ribeiro, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais:

…a Lei no 8.906/94, no seu art. 7o, inc. XIV, é clara e, antes dela, o estatuto anterior (Lei no 4.215/63), igualmente o era. Constitui direito do advogado “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito…, podendo copiar peças e tomar apontamentos;”.

Ante a clareza da lei é evidente que a restrição que se quer impor aos advogados que representam indiciados ou meros investigados, isto é, de examinar e extrair cópias de parte dos autos, mais que odiosa, é patentemente ilegal.

De fato, se a lei assegura aos advogados o direito de poder ver os autos e copiar o que for importante, tal se encarta dentro de uma garantia maior que é a da ampla defesa. Sim, porque não se pode exercer esta sem que se conheçam os autos. Afinal, se dentro de um inquérito for determinada de forma abusiva um indiciamento ou, por outra, decretar-se a prisão de um cidadão, como irão os advogados hostilizar eventual coação se não podem ter acesso ao feito? Isto para não falar em toda sorte de abusos que se podem cometer em matéria de colheita de provas ou indícios.

Não é à toa que Fauzi Choukr, promotor de Justiça em São Paulo, na monografia que lhe valeu a obtenção do título de Mestre pela Universidade de São Paulo em Direito Processual Penal, com propriedade adverte: “… dentro de um Estado democrático não há sentido em se falar de ‘investigações secretas’, até porque, na construção do quadro garantidor e na nova ordem processual acusatória, deve o investigado ser alertado sobre o procedimento instaurado” (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, SP, ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 92)…

…Até mesmo a famigerada Lei do Crime Organizado, que na obstinada pretensão de salvaguardar dados sigilosos, de forma inédita, prevê a realização de diligências pessoais pelo magistrado, assegura ao advogado constituído acesso aos autos (art. 3o, § 3o).

Na verdade, quando se garrotearem as prerrogativas profissionais dos advogados, atinge-se exatamente a garantia constitucional da ampla defesa em razão da falta de conhecimento do conteúdo de diligências ou atos praticados nos autos do inquérito policial, bem como o não acompanhamento regular dos inquéritos policiais. E o direito à ampla defesa, remarque-se, está constitucionalmente previsto, inclusive na fase pré-processual (art. 5º, inc. LV). O que está em jogo não é apenas o interesse corporativo, mas, na verdade, cuida-se de resguardar, dando vida à garantia constitucional da ampla defesa, o cidadão.

Tudo isso já seria mais do que suficiente para responder a todos aqueles que pensam em restaurar o sigilo absoluto do inquérito, tal como uma das odiosas regras das investigações promovidas pela Santa Inquisição. Ainda assim, há sempre quem possa defender o sigilo para que se viabilizem as investigações. Esta idéia chega a sugerir, ainda que obliquamente, a prática de crime no exercício da Advocacia, ou, por outra, um inadmissível desconhecimento do que significa o seu exercício. Aliás, considerando que a determinação de diligências normalmente é verbal e só são reduzidas a termo depois de efetivadas, convém perguntar-se: se forem lícitas as providências desencadeadas, por que escondê-las? (Boletim IBCCrim no 84, págs. 13/14 – Novembro/99 – grifamos)

Em sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato violador das prerrogativas profissionais do advogado, decidiu o Juiz paulista, Dr. ANDRÉ ANDREUCCI, em decisão confirmada à unanimidade de votos pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

Nenhum inquérito policial marcado pela arbitrariedade da autoridade que o conduziu servirá como eficiente suporte à eventual ação penal.

Toda autoridade que não respeitar as prerrogativas legítimas do Advogado, no exercício regular este de seu legal ministério privado, será tida como arbitrária e deverá ter seu comportamento coibido pelo Judiciário, ontem, hoje e sempre, no estado de direito, a esperança dos que buscam Justiça, dos que esperam receber o que lhes é devido por Lei.

Se, no futuro, como esperam alguns, nova legislação mudar a orientação estampada na Lei nº 4.215/63, permitindo a proibição que os impetrados pretenderam aplicar, ainda assim caberá ao Judiciário apreciar a questão que implicará violação das garantias constitucionais da ampla defesa e do regular exercício das atividades profissionais.

Insistir na manutenção da posição defendida pelos impetrados, apoiando-se exclusivamente na regra do art. 20 do Código de Processo Penal, é deliberadamente procurar omitir conhecimento relativo à regra do art. 14 do mesmo codex.

Sendo facultado ao indiciado requerer qualquer diligência, como entender tal sem que ele, pessoalmente ou por meio de seus procuradores, tenha conhecimento do inquérito?

E prossegue aquele irretocável decisum:

Dessa forma, não poderiam as autoridades impetradas desconhecer as prerrogativas e os direitos dos Advogados, claramente inscritos na legislação pertinente.

Como também não poderia desconhecer isso tudo o ilustre representante do Ministério Público que oficiou nos autos.

O dispositivo legal que confere aos impetrantes o direito que buscam já foi bastante examinado, ao contrário do que afirma esse mesmo Doutor Promotor de Justiça.

Dispensa o tema demorada abordagem, mas, em homenagem ao Direito, que se pretende regule as relações entre os homens e a Justiça, que deve presidir e garantir essas relações, alguns comentários têm que vir à tona, com ilustrações pertinentes.

Numa sociedade, que se pretenda seja regida pelo menos com respeito aos mais simples princípios de respeito ao Homem, à Lei, à Justiça, não se pode tolerar a arbitrariedade.

“O poder do Estado para realizar seu objetivo, o bem público, é exercido, como já vimos, sob três modalidades: a função legislativa, a executiva e a judiciária”. “O Estado não tem direito de excluir nenhum cidadão da participação nos benefícios que a sociedade política tem por fim oferecer, principalmente quando se trata dos direito individuais. Não somente o Estado não deve oprimir ou perseguir esta ou aquela categoria social, mas, também, evitará toda e qualquer distinção odiosa em qualquer matéria civil, penal ou administrativa. E isso não somente por princípio de humanidade, mas também por um princípio social: igualmente membros da sociedade política, todos os indivíduos, seja qual for a sua classe, categoria ou opinião, têm igualmente direito, por parte do Estado, à mesma solicitude e benevolência (cfr. Darcy Azambuja, in Teoria Geral do Estado, págs. 386/389).

Revista Consultor Jurídico, 11 de Abril de 2005

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