por Luiz Guilherme Marques
Participando da 2ª Turma Recursal de Juiz de Fora — MG, da qual sou Presidente, pude observar que ainda existe muito desconhecimento não só de muitos advogados como também de juízes a respeito das regras processuais aplicáveis ao Juizado Especial Cível, e, assim, resolvi apontar algumas falhas que observo freqüentemente, não com o intuito de desmerecer a forma como alguns interpretam a Lei 9.099/95, mas sim para colaborar no aperfeiçoamento do Juizado Especial Cível.
Em primeiro lugar, deve ser dito que a aplicação indiscriminada das regras do Código de Processo Civil aos processos do Juizado Especial não é correta, uma vez que existe diferença acentuada entre os princípios que regulamentam os processos de Vara Cível e aquelas outras que devem nortear os feitos do Juizado Especial Cível, sendo que, não observadas as diferenças, a tramitação dos processos deste último será tão morosa e complicada quanto a daqueles de Vara Cível.
O objetivo mais importante que se pretendeu com a Lei 9.099/95 foi o da celeridade, sem sombra de dúvida, e esta só se consegue se os processos do Juizado Especial Cível seguirem as regras específicas dessa Lei, que são exceções às normas processuais comuns.
Acima da própria celeridade, pretendeu a equipe de juristas que idealizou o Juizado Especial Cível a incrementação do acordo das partes, uma vez, que, como se sabe, é essa a única solução realmente definitiva para qualquer lide, gerando a satisfação das partes, nenhuma se sentindo vencida e proporcionando a paz social.
Anotei algumas regras específicas da Lei 9.099/95, que aponto adiante, para comentar alguma coisa sobre elas.
Art. 2º: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”
O formalismo ainda é muito rígido no CPC, fazendo com que muitas vezes seja vencedor na demanda justamente aquele que seria vencido caso se apreciasse o mérito da causa, no entanto, a Lei 9.099/95, adotando os princípios acima enumerados, pretende quebrar o formalismo para priorizar as decisões de mérito.
Art. 9º: “Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.”
A desnecessidade do patrocínio de advogado nas causas de reduzido valor econômico facilitou o acesso à Justiça.
Art. 13: “Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei. §1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.”
As regras de nulidade ficam muito mitigadas com a análise que deve ser feita levando-se em conta o critério do prejuízo, ao contrário do que se faz nas causas das Varas Cíveis, em que muitas nulidades são decretadas sem ter havido nenhum prejuízo a quem quer que seja.
Art. 14: “O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado. §1º Do pedido constarão de forma simples e em linguagem acessível: I – O nome, a qualificação e o endereço das partes; II – Os fatos e os fundamentos de forma sucinta; III – O objeto e seu valor.”
A intenção dos idealizadores do Juizado Especial de criar uma realidade muito diferente daquela instaurada pelo CPC é tão evidente que o art. 14 fala em apresentação do pedido como substitutivo do que se diz no CPC a respeito da petição inicial, prevendo a Lei 9.099/95 a apresentação de pedido oral, resumindo os requisitos daquilo que seria equivalente ao art. 282 do CPC.
A menção à formulação do pedido em forma simples e em linguagem acessível é muito importante para atender ao espírito da Lei, sendo que, no entanto, na prática, muitos advogados ainda não se deram conta disso, apresentando petições iniciais prolixas e complicadas, além de requerem a juntada de volume exagerado de documentos, criando com isso dificuldade para a parte contrária e para o próprio Juízo.
Sugiro que as Comissões Estaduais de Supervisão dos Juizados Especiais editem norma através da qual se autorize as Secretarias de Juizados a não receberem petições iniciais desse tipo, dando aos advogados prazo de 24 horas para adequação da petição ao estilo da Lei 9.099/95.
Art. 16: “Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a seção de conciliação a realizar-se no prazo de quinze dias.”
Verifica-se que a preocupação com a celeridade é tão prioritária na Lei 9.099/95 que a distribuição e o registro ficam colocados em plano secundário, uma vez que o interesse maior é a designação da audiência de conciliação. Verifica-se também que não é através de um despacho do Juiz que essa audiência é designada e sim por iniciativa da própria Secretaria.
Art. 17: “Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a seção de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação. Parágrafo único. Havendo pedidos contrapostos, poderá ser dispensada a contestação formal e ambos serão apreciados na mesma sentença.”
Acredito que a interpretação desse artigo possa ser feita para a unificação de processos de forma mais ampla, possibilitando a prolação de uma única sentença para os casos em que haja pedidos contrapostos, mesmo que formulados em processos distintos.
Art. 20: “Não comparecendo o demandado à seção de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do juiz.”
Prevista nesse artigo uma hipótese nova de revelia, qual seja, a de não comparecimento do requerido à audiência de instrução e julgamento, pois que é obrigatória a presença das partes nas duas audiências.
Art. 27: “Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa.”
Como se prevê facilmente, na grande maioria dos casos não é instituído o Juízo arbitral, e, assim, tem que ser designada logo a audiência de instrução e julgamento. Entendo que essa designação também possa ser feita pela Secretaria do Juizado, até para reduzir a carga de trabalho do Juiz, sendo que, na certa, não poderá ser decretada nulidade, justamente porque não há prejuízo (art. 13).
Art. 28: “Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença.”
Por uma razão ou por outra, os Juízes do Juizado Especial não têm prolatado sentenças em audiência, a não ser nos casos de homologação de acordo, o que retarda em muito o andamento dos processos.
Art. 29: “Serão decididos de plano todos os incidentes que possam interferir no regular prosseguimento da audiência. As demais questões serão decididas na sentença. Parágrafo único. Sobre os documentos apresentados por uma das partes, manifestar-ser-á imediatamente a parte contrária sem interrupção da audiência.”
Presente sempre a idéia da celeridade, todas as decisões devem ser dadas de plano, não havendo recurso contra elas, por evidente. Caso prevaleça o entendimento daqueles que seguem à risca as regras tradicionais dentro do Juizado Especial, teremos agravos, correições parciais e mandados de segurança entravando o andamento dos processos.
Art.30: “A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda a matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do juiz, que se processará na forma da legislação em vigor.”
O que se vê normalmente nos processos do Juizado Especial Cível é a apresentação de extensa contestação escrita, com pedido de juntada de carradas de documentos, contrariando o espírito da Lei.
Também aqui faço a mesma sugestão que apresentei na nota ao art. 14.
Art. 33: “Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente, podendo o juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.
Como se sabe, a juntada de documentos atrasa muitas vezes o andamento dos processos nas Varas Cíveis, ainda mais porque se tem que cumprir a regra do contraditório. Bem vinda a norma do art. 33, que limita a produção de prova documental à oportunidade da audiência de instrução e julgamento, bem assim as outras provas.
Art. 34: “As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de instrução e julgamento levados pela parte que as tenha arrolado, independente de intimação ou mediante esta, se assim for requerido.”
A fixação do número de testemunhas arroláveis a três é também salutar, justamente porque se vê freqüentemente nos processos de Varas Cíveis o hábito de ser arrolar grande número de testemunhas, fazendo com que a instrução seja demorada e muitas vezes inútil.
Art. 35: “Quando a prova do fato exigir, o juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.”
Como se sabe, foi a solução acima adotada para a produção de prova técnica, sem que se tenham os excessos da prova pericial.
Art. 38: “A sentença mencionará os elementos de convicção do juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.”
Grande problema tem sido para os Juízes a observância dos requisitos tradicionais da sentença, justamente porque se exige o fastidioso relatório, absolutamente inútil, enquanto que o art. 38, acima, já traz uma melhoria ao dispensar o relatório, que deve cingir-se apenas a um breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, mantendo-se a exigência quanto à parte dispositiva e à fundamentação da sentença.
Acredito que a tendência vá ser no sentido de adotar-se a regra do Direito inglês, abolindo-se, em futuro talvez não muito distante, até o relatório e a fundamentação, para exigir-se do Juiz que apenas mencione a parte dispositiva, que é, na verdade, a única que interessa para as partes.
Art. 41…§2º: “No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por um advogado.”
A exigência da assinatura de advogado no recurso (sucedâneo da apelação) não me parece correto, uma vez que, conseguindo a parte recorrente explicar a sua inconformidade e o que pretende com o recurso, deveria ser aceita validamente a petição, quando a causa, pelo seu valor, não necessite da presença de advogado na primeira instância.
Creio que essa regra do §2º mereceria ser modificada, para não obrigar a parte a constituir advogado simplesmente para atuar na segunda instância.
Art. 43: “O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte.”
A idéia da celeridade mostra-se presente também neste artigo, contrariando a regra geral do CPC, que privilegia o condenado de má-fé ao dar geralmente o efeito suspensivo à sua apelação.
Art. 46: “O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”
Aproveito a oportunidade para elogiar a orientação dada pela equipe do desembargador José Fernandes Filho, Presidente da Comissão Supervisora dos Juizados Especiais de Minas Gerais, quando determinou que, ao julgarmos em segunda instância os processos dos Juizados Especiais de nossa competência, nos casos em que votamos pela manutenção da sentença pelos seus próprios fundamentos, devemos apenas afirmar que a mantemos por esses fundamentos, sem necessidade de relatório nem explicitação dos fundamentos.
De se notar a celeridade que conseguimos imprimir nos nossos julgamentos de segunda instância a partir dessa orientação.
Art. 54: “O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição do pagamento de custas, taxas ou despesas.”
Sempre tive a idéia de que o acesso à Justiça é um direito sagrado do cidadão, vendo as despesas processuais como entrave que deveria ser abolido, o que ocorre com a edição da Lei 9.099/95, que eliminou as despesas processuais na primeira instância.
Acredito que futuramente essa situação vá se estender a número cada vez maior de processos, talvez ao ponto de o acesso à Justiça ser irrestrito, sem cobrança de qualquer despesa dos cidadãos já por demais onerados com os inúmeros tributos existentes.
Art. 55: “A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. Parágrafo único. Na execução, não serão contadas custas, salvo quando: I – reconhecida a litigância de má-fé; II – improcedentes os embargos do devedor; III- tratar-se de execução de sentença que tenha sido objeto de recurso improvido do devedor.”
Tenho para mim que a presente norma procurou sutilmente desestimular os recursos meramente protelatórios.
Art. 59: “Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei.”
Acredito que o legislador tivesse sido mais feliz se fosse explícito ao aumentar o rol acima incluindo os recursos ou sucedâneos contra decisões, afirmando que o único recurso cabível seria aquele do art. 41.
O rito da Lei 9.099/95 se mostra resumido a poucas fases, começando pela designação da audiência de conciliação, na qual já deve ser apresentada a contestação, e, se o caso merecer, logo sendo designada a audiência de instrução e julgamento, onde todas as provas devem ser produzidas, menos os documentos que devam acompanhar a inicial ou a contestação, prolatando o Juiz a sentença na própria audiência.
Acredito que a tendência vá ser futuramente pela abolição de qualquer recurso em causas cujo valor seja considerado pequeno, tal qual ocorre no Direito francês.
Quanto à opcionalidade, creio que a idéia que a instituiu seja de multiplicar as formas de acesso à Justiça, no entanto, presumo que, com o fortalecimento do Juizado Especial Cível, tornar-se-á obrigatória a escolha por este último para as causas definidas na Lei.
O desenvolvimento do Juizado Especial Cível é questão apenas de tempo. Entretanto, entendo que o que tem dificultado esse desenvolvimento seja muito mais a insuficiência de informações e de compreensão dos seus próprios operadores do que a tão propalada falta de recursos materiais.
Fonte: Revista Consultor Jurídico