Autor: Bruno Dantas (*)
Poucas leis brasileiras possuem um espectro tão amplo de incidência como o Código de Processo Civil (CPC). Ele é aplicável direta ou supletivamente, dentre outros, a litígios contratuais, possessórios, familiares, comerciais, tributários, administrativos, trabalhistas e previdenciários. Transcorridos pouco mais de onze meses da publicação da Lei 13.105/2015 que institui o novo CPC, persiste nos meios jurídicos uma controvérsia relevante: afinal, quando entra em vigor a nova lei?
O CPC certamente é uma das leis mais importantes do País, pois viabiliza o exercício de direitos fundamentais e dá efetividade aos atos da vida civil em caso de controvérsia judicial. O notável professor austríaco Franz Klein já lecionava que se trata de conjunto de normas que rege a atuação dos litigantes, dos advogados, do Ministério Público, do juiz e dos seus auxiliares (escrivães, oficiais de justiça, peritos etc.) em processos judiciais que não tenham natureza penal. A data exata de vigência dessa lei tem consequências importantes tanto para os novos processos quanto para aqueles que ainda estarão em tramitação por ocasião do seu advento.
O rito, os prazos, as provas, os recursos, as cautelares, as sanções processuais e as multas, são apenas alguns aspectos que sofrerão impacto no dia exato em que a lei nova entrar em vigor. Mas que data é essa? O seu art. 1.045 prevê que “Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. E o 1.046 completa: “Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973”. A resposta parece óbvia, mas não é.
A lei 13.105 foi sancionada pela Presidente da República em 16 de março de 2015 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte. Estabelecer a data de vigência da lei pressupõe interpretar o alcance da expressão “após decorrido um ano”. Significado físico ou linguístico? Não, significado jurídico. Para essa finalidade, não basta contar dias ou meses, e nem estabelecer analogias simplistas com outras leis.
Como ensina Norberto Bobbio, o jurista deve enxergar o ordenamento jurídico como sistema normativo íntegro, completo e coerente. Muitas vezes a resposta para dúvidas referentes à aplicação de uma lei se encontra em uma segunda lei. É o que ocorre na nossa tarefa de definir a data de vigência do novo CPC.
O instrumental hermenêutico de que precisamos está na lei complementar (LC) que a Constituição, em seu art. 59, parágrafo único, diz ser responsável por normatizar a elaboração de outras leis. Essa lei existe, é a LC 95/1999. A chamada “lei das leis” esclarece que “a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral” (art. 8º, §1º).
Compreendido isso, e realizadas as devidas operações mentais, percebe-se que a contagem da medida de tempo escolhida pela norma (o ano, e não dias ou meses) inclui tanto a data da publicação, que foi 17/3/2015, quanto a do término da vacatio legis, que será 17/3/2016, iniciando-se a vigência no dia subsequente. Assim, obtém-se a data de 18/3/2016 para a entrada em vigor da novel legislação. A partir dela, todos os novos processos apresentados ao Judiciário serão integralmente regidos pelo novo código, assim como os processos em andamento, ressalvadas as regras de direito intertemporal.
Autor: Bruno Dantas é ministro do Tribunal de Contas da União, doutor em Direito Processual pela PUC-SP e pesquisador visitante da Cardozo Law School, da Universidade Yeshiva, em Nova York.