Alienação fiduciária sob os efeitos da recuperação judicial

Autores: William Carmona Maya e Rafael Palanch (*)

 

Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a cláusula de plano que obriga credores a abrir mão de garantias reais e fidejussórias deve ser aplicada mesmo àqueles que não compareceram à assembleia-geral. A decisão foi proferida no REsp 1.559.457/MT (2015/0136561-0).

Cumpre ressaltar que há um movimento crescente no mercado visando alterações na Lei 11.101/05 (Recuperação Judicial), notadamente a inclusão no concurso de credores de créditos que atualmente são considerados extraconcursais, inclusive os créditos fiscais.

Esse movimento vem sendo liderado por setores da indústria e comércio, apoiado por parte dos entes estatais, como a Fazenda, e alguns órgãos jurisdicionais (juízes, desembargadores, ministros). Vale dizer que, desde o ano passado, quando a lei completou 10 anos, este desejo de trazer os créditos que hoje são extraconcursais (por expressa disposição legal) aos efeitos das recuperações judiciais vem ganhando força.

Naquela oportunidade, estivemos presente no congresso internacional de 10 anos de vigência da Lei de Recuperação Judicial, onde esse assunto foi amplamente discutido, tendo alguns operadores do Direito, principalmente magistrados, defendido a tese de que, uma vez requerida à recuperação judicial, todos os créditos, sem distinção, deveriam se sujeitar ao concurso de credores.

Essa posição reflete diretamente na recuperação do crédito bancário, principalmente nas operações garantidas por negócio fiduciário, as quais atualmente são consideradas extraconcursais, possibilitando, principalmente aos bancos, que normalmente são os detentores desse tipo de garantia, perseguirem o crédito fora do processo de recuperação judicial, excutindo as garantias fiduciárias e demais bens de forma paralela ao processo recuperacional.

Os defensores da tese de que os créditos garantidos por negócio fiduciário devam estar sujeitos aos efeitos da recuperação judicial sustentam o argumento de que a persecução de tais créditos fora do concurso de credores prejudicaria o perfeito deslinde da recuperação judicial e o seu princípio primordial que é a preservação da empresa.

Nesse contexto, alegam que o “privilégio” dos bancos, detentores de garantias fiduciárias, e a persecução desse crédito de forma extraconcursal, afetaria diretamente o cumprimento do plano de recuperação judicial, o pagamento dos demais credores sem garantia fiduciária e, por fim, o objetivo maior que seria a recuperação da empresa.

Contudo, a preservação da empresa deve ser observada à luz não só da legislação pertinente, mas também do mercado financeiro como um todo, que certamente é atingido pelo instituto recuperacional.

Como sabemos, há inúmeros fatores que definem o spread bancário, destacando-se principalmente a liquidez, risco da operação e garantias oferecidas.

Não basta que a empresa vá até a instituição financeira e ofereça uma garantia para conseguir juros menores e maiores prazos de pagamento, há a necessidade real de que esse acordo seja cumprido e, em caso de descumprimento, que o banco possa se valer dessas garantias.

Alias, a resolução 3.258 do Bacen, em linha à Lei 4.595/64, veda às instituições financeiras a concessão de empréstimos sem que sejam observados os princípios da seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos.

Ora, se o spread bancário brasileiro é um dos maiores do mundo, isso se dá em razão de diversos fatores e, dentre eles, o mais crônico, a inadimplência. O spread bancário é uma realidade afetada pela inadimplência, sendo que, quanto maior a taxa de inadimplência, maior será a taxa do spreadbancário.

O risco do negócio é sopesado quando a instituição financeira decide emprestar recursos (precificação), isto porque a taxa de inadimplência tende a aumentar e, ao mesmo tempo, os pedidos de recuperação judicial crescem disparadamente.

Ainda, verifica-se um enorme crescimento nos pedidos de recuperação judicial no país, o que certamente prejudica em muito a concessão do crédito sem garantias, pois, somente por meio dessas exceções da Lei 11.101/05 é que os bancos têm segurança para financiar o sistema econômico nacional.

O número de recuperações judiciais requeridas em todo o país no primeiro bimestre de 2016 foi 116,4% maior que o registrado no mesmo período de 2015, de acordo com o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações. Foram 251 ocorrências contra 116 apuradas entre janeiro e fevereiro de 2015. O resultado divulgado é o maior para o acumulado do primeiro bimestre desde 2006, após a entrada em vigor da Nova Lei de Falências, em junho de 2005.

Note que o risco existe e a previsão da extraconcursionalidade dos créditos com garantia fiduciária é necessária para a manutenção do fomento econômico pelo sistema bancário.

Conclui-se, portanto, que esse movimento do mercado que visa a alteração da Lei 11.101/05 para sujeição dos créditos garantidos por negócio fiduciário aos efeitos da recuperação judicial soa como um risco que talvez possa ser irretratável diante de um cenário futuro, pois, se os credores que concedem crédito maiores, com melhores prazos e menores juros, não puderem se valer de suas prerrogativas, de certo que os financiamentos pelos bancos se tornarão ainda mais custosos, pois é através destas garantias legais que os bancos podem conceder melhores negociações.

Assim, entendemos que os bancos, com apoio da Febraban e demais entes colaboradores, devam buscar demonstrar de forma econômica e financeira — leia-se, com estudos técnicos econômicos — que a flexibilização pretendida afetará todo um sistema financeiro, com o aumento considerável do spread e limitação na concessão do crédito bancário, afetando, via de consequência, as próprias empresas tomadoras de empréstimos e a economia brasileira como um todo.

Como operador do Direito, tenho trabalhado fortemente, demonstrando aos magistrados, desembargadores e ministros os danos perante o mercado financeiro pátrio sofrerão se tais desejos sejam alcançados.

O colapso em detrimento da economia, do médio e pequeno empresário será vertiginoso com tal posicionamento e caso seja alterada a Lei 11.101/05 nesse sentido.

 

 

 

 

 

Autores: William Carmona Maya é sócio-fundador do CMMM – Carmona Maya, Martins e Medeiros.

 Rafael Palanch é gerente de Direito Bancário do CMMM – Carmona Maya, Martins e Medeiros.


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