Autor: Roberto Parahyba de Arruda Pinto (*)
É inacreditável o grau de irresponsabilidade, despreparo e desdém ao Estado Democrático de Direito revelado por certos parlamentares pátrios, que não se pejam em renegar, pública e descaradamente, o compromisso de obediência à Constituição Federal prestado quando da solenidade de posse ao cargo público que ocupam. O mais recente e caricato episódio desse triste jaez foi protagonizado pelo deputado federal Vítor Lippi (PSDB/SP), em discurso feito na Câmara dos Deputados, em que disparou aleivosias contra os advogados trabalhistas, vociferando que: “O Brasil tem de 30 a 40 vezes mais ações trabalhistas do que outras economias do mesmo tamanho ou até maiores. E 90% desses processos são baseados em fraudes.”
Estranhamente, o nobre deputado nada disse acerca do elevado número de parlamentares federais no Brasil: 513, agraciados com uma remuneração mensal superior às pagas pela maioria dos países do mundo, no montante de US$ 157,6 mil por ano. Exemplificativamente, valor superior aos dos seguintes países: Canadá (US$ 154 mil), Japão (US$ 149,7 mil), Noruega (U$S 138 mil), Alemanha (U$ 119,5 mil), Israel (US$ 114,8 mil), Reino Unido (US$ 105,4 mil), Suécia (US$ 99,3 mil), França (US$ 85,9 mil) e Espanha (US$ 43,9 mil).
Também causa estranheza o silêncio do nobre deputado acerca do sistemático desrespeito aos parcos direitos sociais trabalhistas, espécie do gênero dos direitos fundamentais, assegurados na Constituição para a garantia de uma vida minimamente digna, como um patamar mínimo civilizatório.
Desconhece, ainda, o deputado federal Vítor Lippi, o fenômeno denominado pelos processualistas contemporâneos de litigiosidade contida, em que os titulares dos direitos trabalhistas lesionados deixam, pura e simplesmente, de ingressar com ações. Portanto, o número de ações trabalhistas, que representam nada mais nada menos do que o exercício do direito constitucional da ação, é, na verdade, inferior ao do que seria devido.
De forma leviana, tacanha e preconceituosa, o deputado federal Vítor Lippi pespega aos advogados trabalhistas a mácula de desonestos e inescrupulosos, a de patrocinarem “ações fraudulentas”, fruto exclusivo da ignorância do parlamentar, ora repelida, com veemência, pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat). Os advogados trabalhistas, independentemente da parte que defendam, exercem patrocínio honesto, coerente com seu dever ético, compromissados com sua função social, em especial o dever/prazer de defender o estado democrático de direito.
Uma questão complexa e revestida de tanta importante para a sociedade brasileira contemporânea, relacionada à efetividade dos direitos fundamentais, não poderia ter sido tratada por um parlamentar de uma forma assim tão tosca. Devemos atacar a causa, qual seja: o baixo índice de cumprimento espontâneo do direito material trabalhista pelos destinatários de seus comandos normativos, e não a consequência: o elevado número de ações trabalhistas. Considere-se, ainda, que a “cultura do inadimplemento” da legislação trabalhista, insuflada pelo nomeado deputado, acirra a concorrência desleal com a parcela ainda significativa dos empregadores que cumprem rigorosamente suas obrigações trabalhistas, legais e convencionais.
A questão crucial, relacionada ao alto número de ações trabalhistas que não pode deixar de ser enfrentada pela sociedade, reside na falta de efetividade ou concretude dos direitos sociais. Sua resolução exige o fortalecimento (e não o desprestígio) da Justiça do Trabalho, que deve ser dotada da capacidade de prestar uma tutela jurisdicional célere, qualificada, adequada e eficaz, a tal ponto que não deixe alternativa aos destinatários das normas jurídicas senão a de cumprir a lei. Quanto mais eficaz for a jurisdição trabalhista, menos ela terá que ser acionada.
De acordo com as certeiras palavras do ministro do Tribunal Superior do Trabalho José Roberto Freire Pimenta: “Enquanto o direito processual do trabalho e o Poder Judiciário trabalhista não forem capazes de tornar antieconômico o descumprimento rotineiro, massificado e reiterado das normas materiais trabalhistas, os Juízes do Trabalho de todos os graus de jurisdição continuarão sufocados e angustiados pela avalanche de processos individuais, repetitivos e inefetivos.”
O ajuizamento de ação trabalhista é a última opção do trabalhador despedido sem nada receber, assediado, doente, explorado em suas horas de vida, sem qualquer contraprestação.
Destaque-se, por fim, que o objeto da metade das ações trabalhistas diz respeito à percepção de verbas rescisórias que deixaram de ser pagas, o que torna ainda mais inadmissível, um rematado acinte, a acusação lançada aos advogados trabalhistas pelo deputado Vítor Lippi.
Autor: Roberto Parahyba de Arruda Pinto é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas.