João Baptista Herkenhoff
Não pretendo com este texto exaltar minha terra natal, em detrimento de outras cidades deste imenso Brasil. Apenas a terra que eu amo é a terra onde nasci, como outros brasileiros amam o respectivo torrão de nascimento.
Talvez o sentido maior da iniciativa de publicar este texto, mesmo fora das fronteiras do meu Estado, seja estimular, principalmente nos jovens, o bairrismo. Ninguém ama a Grande Pátria se não amar primeiro a Pequena Pátria, aquele pedacinho de chão que recebeu nossos primeiros passos.
Cachoeiro de Itapemirim, cidade localizada no sul do Estado do Espírito Santo, realiza, desde 1939, uma celebração que se chama Dia de Cachoeiro, sempre no Dia de São Pedro, vinte e nove de junho.
Cachoeiro foi a primeira cidade brasileira a ter um dia dedicado ao acolhimento dos filhos que se afastaram, em busca de trabalho e pão, essa busca que alimenta nossas lutas, como escreveu o Padre Antônio Vieira num dos seus sermões.
O autor da ideia de criação do Dia de Cachoeiro foi o poeta Newton Braga, cujo centenário de nascimento foi celebrado em 2011.
Por ocasião do Dia de Cachoeiro é escolhido, democraticamenrte, com amplo debate público, o Cachoeirense Ausente Número Um.
O “Cachoeirense Ausente Número Um” deve ser o espelho do que há de mais nobre na alma cachoeirense.
Quem não é iniciado nas coisas de minha terra pode não entender muito bem o que estou dizendo. Perguntará com razão: Existe mesmo uma alma cachoeirense?
Para alcançar o sentido do que seja a alma cachoeirense é necessária uma incursão pelos caminhos da Antropologia, da História e da Poesia.
Antropologia, etimologicamente, deriva do grego e significa “estudo do homem”.
A Antropologia Cultural ou Etnologia estuda as criações do espírito humano, que resultam da interação social, como notou Emídio Willens. Essas criações desdobram-se em conhecimentos, ideias, técnicas, habilidades, normas de comportamento, hábitos adquiridos na vida social e por força da vida social.
Como observa Naylor Salles Gontijo, a Antropologia, por encerrar um sentido de totalidade, pode revelar informações completas das caraterísticas biológicas, culturais e sociais do homem.
É com a lente do antropólogo que podemos entender o que é a alma cachoeirense.
Essa alma cachoeirense é tão intensa e profunda que Rubem Braga escreveu: “modéstia à parte eu sou de Cachoeiro de Itapemirim.”
O grande Rubem não disse: modéstia à parte eu sou o curió da crônica;
modéstia à parte eu sou considerado o maior cronista deste país;
modéstia à parte eu elevei a crônica de seu modesto espaço marginal para a condição de gênero literário de primeira grandeza. Rubem Braga compreendeu que mais importante do que tudo isto era mesmo afirmar: modéstia à parte eu sou de Cachoeiro de Itapemirim.
A alma cachoeirense tem várias características que a singularizam:
a) é marcada pela auto-consciência, ou seja, ninguém precisa demonstrar ao cachoeirense que ele tem uma alma própria; só é necessário argumentar neste sentido para provar aos não cachoeirenses a existência de uma alma cachoeirense;
b) é solidária, ou seja, cachoeirense quando encontra outro cachoeirense, em qualquer Estado da Federação, em qualquer país do mundo, reconhece no conterrâneo um irmão; milhares de cachoeirenses podem dar este testemunho;
c) a alma cachoeirense é totalizante, ou seja, coloca a condição de ser cachoeirense acima de diferenças religiosas, políticas ou ideológicas, o que ficou provado quando, em tempos de ditadura no Brasil, cachoeirense politicamente proscrito compareceu, em segredo, a sepultamento de ente querido, em Cachoeiro, protegido pela fraternidade dos conterrâneos, de modo a não ser preso.
Venha agora em socorro de nossa tese o testemunho da História.
A alma cachoeirense foi talhada através do tempo. Figuras ilustres e figuras modestas do passado construíram esta alma.
Na política, o grande Jerônimo Monteiro nasceu em Cachoeiro.
Nas artes são cachoeirenses astros como Rubem Braga, cronista, e Newton Braga, poeta, já citados, Roberto Carlos, Sérgio Sampaio, Carlos Imperial, Levino Fânzeres, Luz Del Fuego, Raul Sampaio Coco, Jece Valadão.
Também cachoeirenses anônimos, que não são nome de rua, colocaram seu tijolo na edificação da alma cachoeirense.
Cachoeiro de Itapemirim esteve presente em todos os grandes momentos da vida nacional: Independência do Brasil; Abolição da Escravatura; Proclamação da República; Revolução de 30 (albores do movimento, não o desdobramento que desembocou no Estado Novo); exploração nacional do petróleo; anistia ampla, geral e irrestrita; convocação da Assembleia Nacional Constituinte; destituição, pela via democrática, do Presidente que não foi fiel a suas promessas.
Também a Poesia ajudou a plasmar a alma cachoeirense, exaltando nossas belezas, interpretando nossos sentimentos, através de poetas como Benjamin Silva, Narciso Araujo, Frederico Augusto Codeceira, Solimar de Oliveira, Evandro Moreira, João Mota, Marly de Oliveira, Nordestino Filho, Paulo de Freitas, Athayr Cagnin e muitos outros.
O Cachorense Ausente Número Um deve ser alguém que seja titular de todas as características da alma cachoeirense. Tem de ser alguém que não esqueceu sua cidade natal, conserva na retina a imagem do Itabira (a pedra-símbolo da cidade). Se, por acaso, veio a ser famoso e nacionalmente reconhecido, o vozerio da notoriedade não pode calar no seu tímpano o doce murmúrio das águas do Rio Itapemirim.
João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado (ES), professor, escritor, palestrante. Autor, dentre outros livros, de: Direito e Utopia (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre).
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
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