É provável que já no ano próximo este cenário comece a mudar, mas 2007 foi um tempo de estagnação dentro da grande crise que se abateu sobre o Direito Internacional e sobre as Nações Unidas na virada do século. Ao longo do ano que termina o quadro não se deteriorou ainda mais, decerto pela impossibilidade lógica de deteriorar-se, mas não começou tampouco esse esperado processo de redenção do Estado de Direito na cena internacional.
A ideologia e os métodos da “guerra contra o terrorismo” separam hoje os países que apostam no sucesso da política de poder e aqueles que entendem que não há salvação fora do Direito. Para estes últimos, a arbitrariedade não tem como criar situações seguras, e o medo há de ocupar constantemente, no espírito dos que investiram na violência e baratearam a vida humana, o lugar do remorso que não conseguem sentir.
Não adianta, por exemplo, despender eternamente recursos públicos na defesa, pelas armas, de uma fronteira arbitrária, a pretexto de torná-la segura. Todos os muros caem um dia, não antes de desmoralizar e infamar seus construtores. Maurice Duverger ensinou há mais de 40 anos que a única fronteira totalmente segura é aquela que os países envolvidos tenham, de modo honesto e livre, negociado e aceito em comum. Uma fronteira assim não precisa de vigilância: ela se impõe pela autoridade do direito, uma autêntica e duradoura autoridade. Isto lembra a lição de Hannah Arendt, para quem a autoridade é algo que prescinde da imposição pela força, que se impõe à obediência por um valor diferente de toda forma exterior de coerção: “…ali onde a força é empregada, a autoridade propriamente dita fracassou”.
As fronteiras, as intervenções, as ocupações territoriais e, de modo amplo, todas as situações internacionais impostas pela força serão sempre inseguras, não importa o aparato militar que se empregue para protegê-las. A opção pelo direito, além de todas as suas outras virtudes, é econômica.
Quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas mostrava um confronto permanente entre dois extremos ideológicos que eram ao mesmo tempo dois grandes núcleos de poder real, suas forças se neutralizavam mutuamente e o resultado era certo equilíbrio não só na ação do Conselho, mas na própria concepção do direito à luz do qual os rivais coexistiam em paz.
Hoje não há mais que um núcleo de poder real, e ele não consiste exatamente num estado único, mas num grupo homogêneo de países pós-industriais que compartilham os mesmos interesses vitais e as mesmas prioridades, que identificam sem grande constrangimento a respectiva liderança, que têm consciência da força que sua união representa e ao mesmo tempo da dimensão dos problemas externos que, mesmo unidos, eles não têm qualidade para resolver, se é que têm vontade de fazê-lo.
Este é ainda um momento depressivo para a comunidade internacional e para a Organização das Nações Unidas. Mas quem hoje lançasse um olhar esperançoso à linha do horizonte veria talvez os primeiros sinais, já no decurso do ano novo, da abertura de um novo tempo, o da construção do Estado de Direito nesta sofrida aldeia global.
*Francisco Rezek: é advogado, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e ex-juiz da Corte Internacional de Haia.