Ano teve mais retrocessos que avanços no Direito Ambiental

Autores: Talden Farias e Pedro Ataíde (*)

 

O objetivo deste artigo é traçar uma análise panorâmica da trajetória do Direito Ambiental brasileiro no ano de 2017, destacando os julgados e acontecimentos mais importantes. É evidente que alguns fatos relevantes poderão não ser incluídos tanto por conta do juízo de preferência dos autores quanto para evitar que o texto fique extenso demais. Não se pode desconsiderar que a nossa legislação ambiental é, de maneira geral, bastante avançada, com forte embasamento constitucional e um arcabouço normativo infraconstitucional sólido. No entanto, é somente com a observação da jurisprudência e dos eventos políticos-jurídicos que esse avanço pode ser efetivamente medido. Em vista disso, o presente trabalho procurará examinar julgados, ocorrências jurídico-políticas e desdobramentos dos textos legais.

Em maio de 2017 o Senado aprovou a MPV 756/2016 reduzindo a área do Parque Nacional do Rio Novo e da Floresta Nacional de Jamanxim para compor a recém criada Área de Proteção Ambiental do Jamanxin, de maneira a reduzir o nível de proteção ambiental e a viabilizar a permanência dos posseiros ali presentes, verdadeiro intuito da norma. Essa discussão passa pela ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência e pelo desrespeito ao inciso III do § 1º do artigo 225 da Carta Magna, segundo o qual somente lei pode suprimir espaços territoriais ecologicamente protegidos[1]. Felizmente, em junho de 2017 o presidente Michel Temer vetou a MPV (editado por ele mesmo) após oitiva do Ministério do Meio Ambiente, que apontou a fragilização da Amazônia Brasileira e do Estado de Santa Catarina (vide Mensagem 198, de 19 de junho de 2017).

Ainda em relação às UCs, em dezembro de 2017 a Presidência da República editou a MPV 809 criando o fundo privado de recursos da compensação ambiental prevista no artigo 36 da Lei 9.985/2000. A iniciativa é interessante porque ajuda a combater o desvio de finalidade na aplicação dos recursos em despesas estranhas às UCs e porque põe fim ao entendimento do TCU que proibia o pagamento pecuniário da referida compensação, o que limitava o setor produtivo. De qualquer forma, a despeito da relevância, é nítida a falta de urgência na matéria apta a justificar o atropelamento do processo legislativo ordinário (leia aqui).

A legislação minerária também sofreu modificações por meio das MPVs 789, 790 e 791, todas de julho de 2017. Apenas a segunda perdeu a eficácia e não foi convertida em lei. Embora tratem especificamente da regulação minerária, as aludidas MPVs interferem na regulação ambiental, tendo em vista que a mineração é atividade pautada na pesquisa e extração de recursos naturais não renováveis. As MPVs não ajudaram a promover a interação entre a regulação ambiental e a minerária, o que certamente contribuiria para a efetividade dos dois instrumentos de controle da mineração (leia aqui).

Outro assunto que mereceu bastante polêmica foi a extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), nos estados do Pará e do Amapá, criada pelo Decreto 89.404/1984. Tal reserva constitui zoneamento minerário em que o chefe do Executivo federal prioriza, num espaço territorial específico, a pesquisa e a extração de cobre (e substâncias associadas) cujos trabalhos seriam desenvolvidos pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) – Empresa Pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Em 22 de agosto, o presidente Michel Temer editou o Decreto 9.142/2017 extinguindo a Renca. O presidente foi duramente criticado por ter supostamente autorizado a mineração em espaço territorial protegido para fins ambientais, havendo decisão liminar em ação popular suspendendo os efeitos do Decreto sob o fundamento de que área protegida só poderia ser extinta por meio de lei. Em que pese a louvável intenção de proteger o meio ambiente, a verdade é que a Renca constitui mero zoneamento minerário no qual a atividade minerária é destacada, com a única diferença de enfatizar determinada substância mineral (no caso, o cobre); a Renca jamais pode ser caracterizada como UC, pois não há o intuito de proteger recursos ambientais com características relevantes. A extinção não exige lei.

Diante desse cenário, o presidente editou, no dia 28 de agosto, o Decreto 9.147/2017, revogando o Decreto 9.142/2017, mas manteve a extinção da Renca. Apenas deixou claro o óbvio: a extinção da Renca não implica no fim das Unidades de Conservação e das terras indígenas demarcadas na área anteriormente zoneada. As críticas continuaram e o presidente recuou mais uma vez expedindo em 25 de setembro o Decreto 9.159/2017, revogando o Decreto 9.147/2017 e revigorando o Decreto 89.404/1984, que criou a Renca. É de se destacar que a existência da Reserva protegeu o meio ambiente pela via reflexa, devido à inércia da CPRM em desenvolver as atividades de pesquisa e lavra. Sua extinção certamente iria fomentar a mineração no local, política que talvez não seja adequada à Floresta Amazônica brasileira. Registre-se que a desnecessidade de processo legislativo para extinguir a Renca não retira a importância da realização de debates prévios, pois a extinção do patrimônio nacional não pode ocorrer num singelo “toque de mágica” do chefe do Poder Executivo federal. Com efeito, faltou a realização de debates prévios, audiências públicas e outros instrumentos garantidores da participação e do controle social.

Em novembro o STF julgou inconstitucional o artigo 2º da Lei Federal 9.055/95, que permitia a extração, industrialização, comercialização e a distribuição do uso do amianto crisotila no país. O assunto já julgado incidentalmente inconstitucional na ADI 3.937, teve a sua inconstitucionalidade reafirmada no âmbito das ADIs 3.406 e 3.470 agora com efeito erga omnes e caráter vinculante (leia aqui). Já no final de dezembro a ministra Rosa Weber, relatora do caso, concedeu liminar naquela ADI suspendendo os efeitos erga omnes, de forma que a proibição ficou restrita às unidades federativas onde há lei nesse sentido (leia aqui).

Ainda sobre a atividade minerária, em novembro de 2017 a tragédia de Mariana (rompimento de barragens da Empresa Samarco e contaminação do Rio Doce e do oceano atlântico) completou dois anos. Ainda não houve o desfecho do caso e em dezembro de 2017 a Câmara de Atividades Minerárias, que compõe o Conselho Estadual de Política Ambiental (órgão subordinado à Secretaria de Meio ambiente de Minas Gerais), aprovou as licenças ambientais prévia e de instalação. Além disso, foi ajuizada a curiosa Ação Civil Pública em nome do Rio Doce (como se fosse ente com personalidade judiciária), com o patrocínio da Associação Pachama. Tal demanda mereceu diversas críticas de especialistas pela falta de legitimidade ativa do Rio Doce e pela fragilidade da petição (leia aqui).

Também merece destaque o Decreto 9.179, que alterou o Decreto 6.514/2008 (que dispõe sobre as sanções administrativas ambientais e o seu respectivo processo) regulamentando a possibilidade de conversão de multas em prestação de serviços ambientais nos termos do § 4º do artigo 72 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e das Infrações Administrativas Ambientais). Os descontos são de 35% e 60% e os valores deverão ser aplicados em projetos de recuperação de área degradada, educação ambiental ou regularização fundiária de UCs, por exemplo. Estima-se que o total de multas atingidas pelo Decreto totalizam quantia superior a quatro bilhões de reais (leia aqui). A medida não deixa de ser positiva pelas seguintes razões: i) tende a abreviar a duração do processos administrativos ambientais, ii) tende a aumentar a arrecadação e iii) gerará benefícios diretos ao meio ambiente. Por fim, cumpre esclarecer que esse benefício não isenta o infrator da obrigação de reparar o dano causado (artigo 143, § 1º).

Em 14 de setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento de cinco demandas de controle concentrado relativas ao Código Florestal (Lei 12.651/2012): Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADC) 42 e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937. Na sessão de 8 de novembro de 2017, o Relator – mininistro Luiz Fux – proferiu voto no sentido da inconstitucionalidade de alguns dispositivos, dentre eles o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que funcionaria como verdadeira anistia dos produtores rurais que cometeram infrações anteriores à data de 22 de julho de 2008[2]. O julgamento foi suspenso após o pedido de vista da presidente, ministra Cármen Lúcia.

Outra questão digna de comentário relacionada ao Código Florestal, é a falta de consolidação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não tem conseguido cumprir o seu papel de viabilizar a regularização ambiental de propriedades e posses rurais. Prova disso é que em 29 de dezembro de 2017 foi assinado o Decreto 9.257 que mais uma vez prorrogou até 31 de maio de 2018 o prazo para requerer a inscrição no CAR.

A Lei Complementar 140/2011, que regulamentou o parágrafo único do artigo 23 da Lei Fundamental na tentativa de pôr fim aos conflitos de competência administrativa entre os três níveis federativos, continua não logrando o êxito desejado. A prevalência da autuação do órgão licenciador no âmbito administrativo (artigo 17), por exemplo, não tem sido observada pelo Poder Judiciário, que de maneira geral tem julgado com o mesmo entendimento de antes. A participação dos órgãos intervenientes no licenciamento ambiental precisa ser devidamente disciplinada, notadamente no que diz respeito à forma e ao momento (artigo 13). Por outro lado, também a ADI 4757 proposta pela ASIBAMA em 2012, que tem por objetivo declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar 140/2011, também não avançou sob a relatoria da ministra Rosa Weber.

Em relação aos resíduos sólidos, foi editado o Decreto 9.177 que regulamentou a logística reversa obrigatória, a que estão obrigados fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos geradores de resíduos. Mais efetivo mecanismo de gestão de resíduos perigosos no Brasil, o objetivo é fazer com que os resíduos de agrotóxicos, baterias, lâmpadas, pilhas etc retornem à cadeia produtiva (leia aqui).

No tocante aos dispositivos constitucionais, chamou atenção a Emenda Constitucional (EC) 96/2017, que incluiu no artigo 225 o § 7º dispondo que práticas desportivas utilizadoras animais, como manifestação cultural, não se consideram cruéis. Tal norma é oriunda da famigerada PEC da vaquejada, cuja apresentação ocorreu após a declaração de inconstitucionalidade, pelo STF na ADI 4.983, de Lei do Ceará que regulamentava a vaquejada, sob o argumento da existência de crueldade animal. O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal ajuizou a ADI 5.728 em face da referida EC 96/2017 sob o fundamento de que o artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal proíbe a tramitação de emenda tendente a abolir direitos fundamentais, dentre os quais está a proteção animal[3].

Ainda sobre normas constitucionais, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 97/2015 (conhecida como PEC dos ventos), que acrescenta ao rol de bens da União o potencial de energia eólica, permitindo a cobrança de royalties sobre o resultado da exploração dessa energia, cujos recursos seriam compartilhados entre os entes federados. É evidente que a geração de “energia limpa” deveria ser incentivada pelo Poder Público ao invés de sofrer encargos financeiros, consoante determina o inciso VI do artigo 170 da Lei Fundamental[4].

Mas o retrocesso bancado pelo lobby do petróleo não se limitou a isso, pois em agosto o Poder Executivo editou a MPV 795/2017, que em dezembro foi transformada na Lei 13.586, concedendo tratamento tributário diferenciado às atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Cuida-se de uma bilionária e escandalosa isenção fiscal que não apenas prejudicará a indústria nacional, mas afronta toda a política climática e de energias renováveis, pois vai na contramão do Acordo de Paris.

Também se procurou aprovar o Projeto de Lei 3.729/04, iniciado na Câmara dos Deputados, dispondo sobre a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que, entre outras coisas, traria as seguintes novidades: aumento do prazo de validade das licenças, dispensa do EIA/RIMA, maior autonomia dos estados e municípios para simplificar procedimentos, redução dos prazos de análise e supressão de algumas etapas de licenciamento. No entanto, a guerra travada entre a versão do Ministro Sarney Filho e a da bancada ruralista, que almejava um grau maior de flexibilização, resultou na paralisação do projeto.

Em dezembro foi publicada a Lei 13.576, que instituiu a Política Nacional de Biocombustíveis. Dentre os objetivos (artigo 1º, I a IV), estão o atendimento aos compromissos firmados pelo Brasil no Acordo de Paris, a contribuição com a eficiência energética e redução da emissão de gases de efeito estufa, a expansão na produção/uso de biocombustíveis e a participação competitiva dos biocombustíveis no mercado nacional. A medida é interessante porque procura contribuir para a segurança energética e para a redução da emissão de gases estufa, além de criar uma política de Estado integrada para o tema. É que antes o álcool e o biodiesel seguiam regimes jurídicos distintos, ficando os demais tipos de biocombustível relegados a um segundo plano. Faz-se necessário agora que os instrumentos da nova política, como os Créditos de Descarbonização e a Certificação de Biocombustíveis, sejam aplicados da forma mais efetiva possível.

Verificou-se, portanto, que o ano de 2017 foi de avanços e de retrocessos para o Direito Ambiental, ainda que mais de retrocessos do que de avanços. Também foi destaque o protagonismo do Poder Executivo federal na edição de MPVs sem os requisitos da urgência e da relevância, e na edição de normas sem debate prévio com a sociedade civil e os setores interessados.

 

 

 

Autores: Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

Pedro Ataíde  é advogado, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB) e autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.


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