Anotações históricas sobre a educação e a responsabilidade das IES – 2ª Parte

Marco Antonio Marcondes Pereira

Este artigo é continuação daquele publicado em 01.08.2001 na seção artigos/civil.

4. OS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Os conflitos sociais que hoje se apresentam não têm os mesmos traços que há um século tinham e nem poderia ser diferente, pela evolução do homem nos aspectos científico, econômico, político e sócio-cultural, refletindo tais avanços nas relações intersubjetivas e no liame travado entre o homem e o Estado. Tais mudanças desembocam na aplicação do direito, reclamando deste ente – o Estado – que se aperfeiçoe e se atualize diante as novas contingências que se postam à frente das necessidades dos cidadãos, garantindo-lhes novos e adequados regramentos legais em face de novas relações jurídicas até então desconhecidas, ou não observadas, e, acima de tudo, rompendo barreiras conceituais que não permitam uma pertinente distribuição da justiça.
Os interesses coletivos cada vez mais afloram e se apresentam em contraste com os interesses individuais, crescendo no seio dos grupos sociais a vontade, cada vez maior, de abandonar o liberalismo exagerado que preserva o egoísmo e escraviza o futuro, mas não deixando de lado o cuidado de não sufocar a livre iniciativa em detrimento de um Estado totalmente poderoso e absolutista.
Pode-se dizer que a sociedade busca um meio termo, se é que assim podemos designar, um “Estado Moderado”, ou seja, aquele que preserve a livre iniciativa, valorize o desenvolvimento econômico e que, ao mesmo tempo, atue eficazmente em defesa dos “novos direitos da pessoa humana”, tidos estes como o direito ao meio ambiente sadio, o direito ao trabalho, os direitos do consumidor, o direito de participação e o direito ao desenvolvimento .
Importante anotar que a expressão “novos direitos da pessoa humana” mais reflete uma nova forma de observar o mundo do que a idéia de que seja algo novo e nunca antes existente. Na realidade, o que se quer realçar é a preocupação da sociedade com determinados fatos que antes não inspiravam muita atenção, pois sobretudo o direito ao ambiente sadio sempre foi algo intuitivo do próprio ser humano mas, só agora tarde, é alvo de meditação.
Esse o espírito da moderna sociedade, tanto que a Constituição Federal de 1988 estampa no art. 1º que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político; no art. 170 declara como princípios gerais da atividade econômica a defesa do consumidor e do meio ambiente; e no Título VIII regulamenta a ordem social, dedicando especial tratamento à saúde, educação e meio ambiente.
E para a contínua luta em benefício desses “novos direitos”, alçados à esfera constitucional, o Estado tem o dever de legislar de forma a ir de encontro a eles, mas acima de tudo é primordial que as mentes dos aplicadores do direito se abram à nova realidade e investiguem novas formas de aplicar conceitos jurídicos já existentes diante os novos contornos do mundo moderno. Se preciso, reformulando-os ou alargando-os e dando-lhes novos limites para não destoarem da defesa dos interesses coletivos e nova ordem jurídica, posto que a esta compete prevenir e dirimir conflitos de interesses dos integrantes da sociedade .
Com a identificação de necessidades até então despercebidas, a ordem jurídica atual não se volta mais apenas à composição dos atritamentos individuais, oriundos das relações entre pessoas singularmente consideradas e um objeto para satisfação das necessidades de cada um deles.
A pretensão de alguém, ou seja, a exigência da subordinação de um interesse de outrem ao próprio, e a conseqüente resistência por parte daquele, caracterizando a lide individual, não deixou de ter a atenção da sociedade e do Estado, todavia, ganhou terreno a proteção dos interesses da coletividade como um todo, o que segue de encontro à rápida distribuição da justiça, como já apontado por Vittorio Denti: “a solução dos conflitos na dimensão molecular, como demandas coletivas, além de permitir o acesso mais fácil à Justiça, pelo seu barateamento, e quebra de barreiras sócio-culturais, evitará a banalização pela técnica da fragmentação e conferirá peso político mais adequado às ações destinadas à solução desses conflitos coletivos” .
No escopo de preservar os “novos direitos da pessoa humana”, também designados metaindividuais, mais presente se faz a necessidade de uma pronta distribuição da justiça, evitando a lentidão do processo que, segundo Carlos Ferreira de Almeida, é fruto do princípio dispositivo e do formalismo processual e atua em defesa das empresas ou dos mais favorecidos economicamente.
A percepção dos direitos metaindividuais faz com que mais se realce a figura do processo como um instrumento de composição da lide, exigindo do sistema jurídico processual resultados mais práticos para a sociedade na tutela dos interesses coletivos. Assim, o sistema processual passa a ser visto como instrumento para atingir os escopos jurídicos, sociais e políticos a que se destina, adequando-se à realidade concreta . Por sua vez, essa visão instrumental do processo, também designada como um novo método de pensamento , agora mais que nunca, volta-se à efetiva realização do direito na moderna sociedade de massa.
Nessa linha de raciocínio e na lição de Couture, “la idea de proceso, deciamos, es necesariamente teleológica, pues sólo se explica por su fin. El proceso por el proceso no existe. El fin del proceso, agregábamos, es el de dirimir el conflicto de intereses sometido a los órgamos de la jurisdicción”.
Sem dúvida que o reconhecimento dos direitos metaindividuais proporciona uma nova visão do processo e facilita o acesso do cidadão à justiça, inclusive contribuindo para que não se permita a eternização de demandas individualmente consideradas, para que as decisões dos órgãos judicantes tenham um maior alcance no seio da sociedade, para a não desmoralização do judiciário, tão sobrecarregado pelas demandas singulares e, enfim, para “resgate e reforço da confiança na justiça humana”.
É a incessante busca pela Justiça que deve sempre nortear o legislador no fazimento das leis e o jurista na interpretação e aplicação delas, entretanto, não olvidemos a sabia ponderação de Levy-Ullmann de que “a idéia de justiça se encontra em todas as leis, mas não se esgota em nenhuma; é ela, entretanto, que dá sentido e significação a todo o direito positivo”.
Os “novos direitos da pessoa humana” ou “interesses metaindividuais” sempre fluíram no seio na sociedade, inexistindo, especialmente na primeira expressão, qualquer idéia de novidade quanto ao conteúdo dos referidos direitos. Como já salientado, mais reflete uma nova forma de observar o mundo e seu contexto, salientando uma recente percepção e preocupação da sociedade com determinados fatos que antes não inspiravam muita atenção, v.g., ninguém descura que o direito ao ambiente sadio, à proteção da saúde etc, sempre estiveram implícitos na existência humana, mas somente nos últimos anos têm merecido atenção devido à destrutível e avassaladora ingerência do homem sobre a natureza, profundamente alterada pelos mais variados processos científicos no campo do extrativismo.
A doutrina, antes mesmo da edição da Lei nº 7.347/85 que regulamentou a ação civil pública, já mostrava que “os interesses difusos ou coletivos existiram sempre, desde que o homem passou a viver em grupo, em sociedade, uma vez que são conaturais a esta. A sociedade moderna, entretanto, colocou-os em maior evidência” , exigindo em princípio uma conceituação mais adequada.
Importante traçar os limites do que venham a ser estes interesses metaindividuais e que propiciam as chamadas ações coletivas para que não sejam estas confundidas com ações que apresentam mero cúmulo subjetivo no pólo ativo ou passivo, característico do litisconsórcio.
O gênero “interesses metaindividuais” apresentam como espécies os “interesses difusos”, os “interesses coletivos” e os “interesses individuais homogêneos”.
Na doutrina é comum a seguinte classificação: os interesses difusos pertencem a sujeitos indeterminados e ligados por uma circunstância de fato; os interesses coletivos reportam-se a um grupo ou classe e são aglutinados por uma relação jurídica base; os individuais homogêneos apenas são exercitáveis coletivamente pelo fato de terem uma origem comum.
Do direito alienígena extraímos as considerações de Miguel Teixeira de Souza: “um interesse difuso corresponde a um interesse juridicamente reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não é suceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros. Pode assim afirmar-se que os interesses difusos não são interesses públicos, porque a sua titularidade não pertence a nenhuma entidade ou órgão público, também não se identificam com interesses coletivos, porque não pertencem a uma comunidade ou um grupo mas a cada um dos seus membros, e também não são reconduzíveis a interesses individuais, porque, como o bem jurídico a que se referem é inapropriável individualmente, esses interesses são insuceptíveis de serem atribuídos em exclusividade a um sujeito, antes pertencem, sem qualquer exclusividade, a qualquer um dos membros de uma comunidade ou de um grupo. Interesses difusos são simultaneamente interesses não públicos, não coletivos e não individuais”.
Não sendo o interesse difuso um interesse público no sentido tradicional da palavra, representam “para alguns doutrinadores um interesse privado do seu portador, do seu titular legítimo e, portanto, substancialmente ‘anônimo’”. Contudo, é bom assinalar que ninguém é verdadeiramente titular do todo mas apenas de uma parcela dele, realçando-se que tais interesses privados ganham roupagem de “dimensão coletiva”.
Na doutrina nacional, Hugo Nigro Mazzilli identifica os interesses difusos como aqueles pertencentes a “grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso” e Rodolfo de Camargo Mancuso realça a idéia de que estão fluidicamente dispersos na sociedade como um todo e “podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de um conteúdo numérico indefinido” e incorpados por uma “intensa litigiosidade” e propícios a transições e mutações no tempo e no espaço. Nesse sentido é também a posição de Paulo de Bessa Antunes, que indica como características dos interesses difusos a ausência de uma clara associação entre os interessados, o alcance de um número indeterminados de pessoas, presença de uma lesão massiva, associação meramente fática entre “titulares” do interesse e objeto juridicamente indivisível.
Pelas linhas traçadas acima, os interesses difusos não se confundem com os interesses coletivos, merecendo destaque o escólio de Victor Fairén Guillén no sentido de que “y se precisa distinguir bien los ‘intereses difusos’ de los ‘intereses colectivos’, considerando a éstos los de las pluralidades de personas, organizadas, identificables o identificadas; en tanto que la ‘masa de intereses difusos’ es eso, ‘masa inorgánica’ cuyos integrantes personales – de los que se conoce que existen – no son indentificados ni fácilmente identificables”.
Com efeito, os interesses coletivos apontam para uma categoria determinada, ou pelo menos determinável, de pessoas ligadas pela mesma relação jurídica básica, englobando em sentido lato, “os interesses transindividuais indivisíveis” e os “interesses transindividuais homogêneos”, caracterizando-se estes pela “extensão divisível, ou individualmente variável, do dano ou da responsabilidade”.
O Código de Defesa do Consumidor no parágrafo único do artigo 81, dispôs que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de interesses ou direitos difusos, assim entendidos, os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato; interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e os interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Kazuo Watanabe, comentando o dispositivo legal do Código de Defesa do Consumidor, alinhava que “na conceituação de interesses difusos optou-se pelo critério da ‘indeterminação’ dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo”. E na definição de interesses coletivos preocupou-se o legislador em não identificar um feixe de interesses individuais, mas sim a determinabilidade das pessoas, de forma que o Código de Defesa do Consumidor é mais amplo na medida em que alcança interesses ou direitos de grupos não organizados e mais restrito quando circunscreve esses interesses à indivisibilidade.
O fato de o legislador ter definido tais interesses ou direitos em muito facilita a tutela jurisdicional deles, evitando grandes discussões que em nada contribuiriam para o acesso rápido à justiça.
Ocorre todavia, como leciona Nelson Nery Júnior, que um mesmo fato pode ser visto sob ângulos diversos de forma a identificar um interesse difuso, um interesse coletivo e um interesse individual, impondo uma análise do “tipo de tutela jurisdicional que se pretende” quando se intenta a ação judicial para uma adequada classificação destes direitos ou interesses.
A poluição das águas de um rio por uma empresa que lança dejetos químicos na sua nascente pode espelhar vários tipos de interesse. Esse fato pode ser olhado pelo interesse de um particular diretamente atingido que tenha sofrido prejuízos materiais decorrentes do envenenamento das águas do rio, por exemplo, um pescador local privado da sua atividade. Representará um dano às eventuais empresas de turismo local se as águas do rio representarem um atrativo turístico. E por final, olhada a ocorrência sobre o prisma geral, importará num dano causado a toda a coletividade, na hipótese de o rio abastecer inúmeras cidades da região e ter suas águas contaminadas em prejuízo da saúde de todos.
Desenhados os conceitos de interesses difusos e coletivos, importa agora analisar a quem compete a defesa de tais interesses ou direitos, mas somente sob o enfoque da ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347/85, substancialmente alterada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que acabou por atualizá-la às novas regras insculpidas na Constituição Federal de 1988.

5. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O legislador ordinário mesmo antes da edição da Constituição Federal de 1988, atento ao seu dever de dinamizar e pragmatizar a defesa dos “novos direitos da pessoa humana” ou direitos metaindividuais, trouxe ao ordenamento jurídico a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24.7.85), substancialmente alterada e implementada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.9.1990).
A Constituição Federal de 1988, com especial atenção à questão dos direitos generalizados da sociedade, inscreveu no ordenamento jurídico nacional a possibilidade das associações de classe representarem seus filiados, judicial ou extrajudicialmente (art. 5º, XXI), o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), a ação popular para defesa do meio ambiente (art. 5º, LXIII) e incumbiu ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), conferindo-lhe legitimidade para promoção do inquérito civil e, ainda que não exclusiva, para a propositura da ação civil pública, instrumentos destinados à preservação e defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129).
Também podemos elencar as Leis de proteção às pessoas portadoras de deficiência (Lei nº 7.853, de 24.10.1989), de responsabilidade por danos no mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913/7.12.1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13.7.1990), como diplomas endereçados à regulamentação dos “novos direitos da pessoa humana”, melhor designados direitos difusos ou coletivos.
Ação civil pública sempre foi aquela cuja iniciativa cabia precisamente a um órgão público, sendo que no direito português a idéia da ação civil pública estava ligada à ação de nulidade de casamento, cuja legitimidade competia ao Promotor Eclesiástico, um ente público e no espanhol conferia-se legitimidade ao Ministério Público para ações de defesa do interesse público.
No direito brasileiro, a expressão foi cunhada no Projeto nº 3.034/84, conhecido como projeto “Flávio Bierrenback”, que acabou se convertendo na Lei nº 7.347/85, mas antes da edição desse diploma legal conceituava-se a ação civil pública como “o direito conferido ao Ministério Público de fazer atuar, na esfera civil a função jurisdicional” , diante das várias hipóteses legais que lhe conferiam legitimidade para provocar a jurisdição, v.g., a ação de suspensão de direitos políticos (art. 154, CF/69), ação de nulidade de casamento (art. 208, parágrafo único, CCB), ação rescisória (art. 487,III, CPC) etc, tratando-se as hipóteses de legitimação extraordinária (art. 6º e art. 81 do CPC).
Com o advento da Lei nº 7.347/85, a ação civil destinou-se à defesa do meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, legitimando para sua propositura o Ministério Público, União, Estados e Municípios, autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação desde que estivesse constituída há pelo menos um ano e incluísse entre suas finalidades institucionais os valores protegidos pela lei da ação civil pública.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 129, inciso III, acabou por entregar ao Ministério Público a promoção do inquérito civil e ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, o que acabou por estender o objeto da ação civil pública disciplinada na Lei nº 7.347/85. E o § 1º do art. 129 dispôs que a legitimação do Ministério Público para referida ação não impede a de terceiros.
A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que introduziu no nosso ordenamento jurídico o Código de Defesa do Consumidor em respeito às regras constitucionais do artigo 5º, XXXII, da CF e artigo 48 do ADCT, ampliou o objeto da ação civil pública como permitia a Constituição Federal e adaptou-a ao sistema do Código de Defesa do Consumidor.
Com essas modificações da Lei nº 7.347/85 já não há razão para atrelar o conceito de ação civil pública à titularidade exclusiva do Ministério Público ou órgãos públicos, pois o enfoque conceitual passou a ser “subjetivo-objetivo”, preponderando o aspecto objetivo, ou seja, a pretensão metaindividual.
A ação civil pública, portanto, é aquela intentada pelos legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85 para a tutela específica do patrimônio público, meio ambiente, consumidores e demais interesses difusos e coletivos, além de se prestar à defesa do deficiente (Lei nº 7.853/89), reparação de danos no mercado de valores mobiliário (Lei nº 7.913/89) e da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/90). Ao Ministério Público conferiu-se legitimidade para a Ação Civil Pública, também, nas Leis nºs 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), Lei Complementar Estadual de São Paulo nº 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), dentre outras, e Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), embora alguns prefiram designar a legitimidade prevista nesta última lei como sendo para ação de responsabilidade dos agentes sujeitos à probidade administrativa.
Distingue-se do mandado de segurança coletivo e da ação popular. Naquele defende-se interesses dos filiados de partidos políticos, sindicatos, entidades de classe e associações relativos ao objeto estatutário, enquanto nesta a legitimidade só pertence ao cidadão.
Arremate-se ser a designação “Ação Civil Pública” cunhada em razão da participação do Ministério Público e demais entes públicos como legitimado a figurar no pólo ativo, todavia, a possibilidade de outras pessoas civis participarem na defesa dos interesses protegidos pela Lei nº 7.347/85 acaba por tornar a expressão Ação Coletiva mais abrangente e adequada.

5.1. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Um dos legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85 para propositura da ação civil pública é o Ministério Público, interessando-nos nesse tópico identificar a natureza jurídica desta legitimidade, pois dela depende a conclusão de ser ou não possível a este órgão transacionar no curso da demanda que verse sobre interesses difusos ou coletivos.
O doutrina explica que legitimidade ou qualidade para a causa, também denominada “legitimatio ad causam”, “é a identidade existente entre a pessoa que pede a tutela jurisdicional e o direito ameaçado ou violado” , assim, rotulando essa titularidade de legitimação ordinária ou comum.
O art. 6º do Código de Processo Civil ainda determina que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”, ou seja, terceiro não detentor do direito material pode demandar em nome próprio direito de outrem apenas nas hipóteses previstas legalmente. É a hipótese de legitimação extraordinária ou anômala, designada também “substituição processual”, onde o substituto ostenta a condição de parte apenas no campo processual mas não é titular do direito material.
Dentro dessa concepção clássica, o Ministério Público sempre age na qualidade de substituto processual da parte ao promover as ações permitidas pela lei quando não esteja no processo como “custos legis” (art. 81 do CPC).
Com o advento da Lei da Ação Civil Pública, a maior parte da doutrina classificou a atuação do “Parquet” como extraordinária, divergindo desse entendimento Ephraim de Campos Júnior e Antonio Cláudio da Costa Machado que o Ministério Público não substitui ninguém mas, pelo contrário, atua nas funções para as quais foi concebido, exprimindo os interesses da sociedade. Logo, não atua como legitimado extraordinário mas como ordinário.
Cândido Rangel Dinamarco bem lembrou que “o sistema processual deve estar apto a produzir resultados práticos desejados e reclamados na tutela dos interesses individuais ou coletivos” , restando considerar que o esquema ortodoxo do Código de Processo Civil de 1973 de enxergar a legitimidade para ação não contribui adequadamente para a tutela dos interesses coletivos e difusos.
Pura e simplesmente considerar o Ministério Público legitimado ordinário diante a ação civil pública porque cumpre a função para qual foi criado não parece satisfatório, pois inegável que não seja titular de todo o direito material em se tratando de interesses coletivos e difusos. Por outro lado, designá-lo como legitimado extraordinário importa em restringi-lo no exercício de suas funções constitucionais, dentre as quais está a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, que ficam seccionados pela circunstância de que o legitimado em substituição não pode praticar atos que impliquem em disposição do direito, por exemplo, a transação.
Tais considerações, pensamos, conferem razão a Nelson Nery Jr. que aduz que “parcela da doutrina ainda insiste em explicar o fenômeno da tutela jurisdicional dos interesses difusos pelos esquemas ortodoxos do processo civil. Tenta-se justificar a legitimação do Ministério Público, por exemplo, como extraordinária, identificando-a com o fenômeno da substituição processual. Na verdade o problema não deve ser entendido segundo as regras de legitimação para a causa com as inconvenientes vinculações com a titularidade do direito material invocado em juízo, mas sim à luz do que na Alemanha se denomina de legitimação autônoma para a condução do processo, instituto destinado a fazer valer em juízo os direitos difusos, sem que se tenha de recorrer aos mecanismos de direito material para explicar referida legitimação” .
Idêntico raciocínio se presta a todos os integrantes do “caput” do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, observando-se quanto às associações os requisitos dos incisos I e II: a) constituição há pelo menos um ano e b) tenha entre suas finalidades institucionais a defesa dos bens tutelados na lei da ação civil pública.
Contribui, em reforço à tese esposada acima, a chamada “representatividade adequada”, onde os titulares do direito se fariam presentes na pessoa do representante, que exerce seus direitos processuais com todas as garantias constitucionais e, na órbita do direito material, só poderia acarretar os efeitos da coisa julgada aos representados para lhes favorecer.

6. O ENSINO COMO RELAÇÃO DE CONSUMO. A QUALIDADE DO ENSINO COMO INTERESSE COLETIVO.

Traçar os limites do que vem a ser consumidor e fornecedor, antes de tudo, é ponto que nos parece relevante nesse momento.
A defesa do consumidor foi uma das preocupações do legislador constitucional, de maneira que determinou que o Estado regulasse, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII e art. 170, V e 48 das Disposições Contraditórias) e com o fim de dar cumprimento ao mandamento maior foi editada a Lei nº 8.078/90, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor.
A lei em questão representou um avanço enorme na proteção do hipossuficiente, o consumidor, diante dos grandes organismos empresariais e demais atividades integrantes da cadeia de produção e distribuição de bens e serviços.
A Lei nº 8.078/90 tratou de conceituar as figuras do consumidor e fornecedor de produtos e serviços, pois sem a descrição destes entes não seria possível cercar de segurança a coletividade e atender o mandamento constitucional. Criar-se-ia inesgotável discussão sobre a qualidade ostentada por cada participante dentro das relações jurídicas, dificultando sobremaneira atingir o fim traçado pela Constituição Federal.
O Código de Defesa do Consumidor, então, em seus artigos 2º e 3º, trouxe os conceitos de consumidor e fornecedor, dispondo o seguinte:
“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

Na legislação estrangeira que comporta legislação especial de proteção ao consumidor não há definição do que venha ser o consumidor, como observa a doutrina pátria , fato que torna a legislação brasileira mais avançada porque busca não deixar margem para discussões muito mais complexas, o que não significa dizer que a conceituação não propicie distensões entre nossos doutrinadores.
O conceito de consumidor adotado pelo Código de Defesa do Consumidor é de caráter econômico, ou seja, é a pessoa que atua no mercado como destinatário final para satisfação de um interesse pessoal sem que venha a atuar sobre o produto ou serviço para outro negócio, v.g., revenda. Esta a idéia sintetizada pelo legislador ordinário.
José Geraldo Brito Filomeno coloca o consumidor como “qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço” e, ao comentar a redação da lei, estabelece crítica ao fato de ser incluído no seu texto a figura da pessoa jurídica por ser a tutela do consumidor baseada na idéia de inferioridade, ou vulnerabilidade, deste. Razoável, em sua opinião, a pessoa jurídica como consumidora se vier a ser do tipo que não busca lucro ou adquirente de produtos e serviços sem que seja parte integrante do desenvolvimento e finalidade de seu ramo de atividade negocial. Em outras palavras, não haverá relação de consumo se o produto adquirido for daqueles que podem ser tipificados como integrantes do ativo circulante que propiciam o exercício do objeto social da pessoa jurídica.
Thierry Bourgoignie , ao analisar o conceito de consumidor, acaba formulando duas proposições que vão de encontro às considerações de Filomeno: a) “O consumidor é uma pessoa física ou moral que adquire, possui ou utiliza um bem ou serviço colocado no centro do sistema econômico por um profissional sem perseguir ela própria a fabricação, a transformação, a distribuição ou a prestação no âmbito de um comércio ou de uma profissão.” b) Uma pessoa exercendo uma atividade em caráter profissional, comercial, financeiro ou industrial não pode ser considerada como um consumidor, salvo se ficar estabelecido por ela que ela está agindo fora de sua especialidade e que ela realiza uma cifra global de negócios inferior a… milhões de francos por ano”.
A coletividade de pessoas também é considerada para efeitos de consumo, equiparando-se ao consumidor, mesmo que indeterminável (parágrafo único do art. 2º).
Fornecedor é, por sua vez, a denominação escolhida pelo Código de Defesa do Consumidor para retratar todos os entes que buscam atingir o consumidor, colocando-lhes à disposição produtos e serviços. O conceito é dotado de enorme elasticidade, no que acertou o legislador. Assim, “todos quantos propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título” , que seja como atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
A atividade de ensino coloca-se como típica relação de consumo em que os alunos são consumidores dos serviços colocados, ou pelo menos prometidos, pelas instituições de ensino. Tenha-se que, na linguagem do Código de Defesa do Consumidor, serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (§2º do art. 3º).
Não há a menor dúvida, portanto, de que a relação entre os alunos e a instituição de ensino seja típica relação de consumo, sendo inclusive citada por Filomeno a hipótese de proteção dos primeiros em caso de prestação de serviços insuficientes ou em desacordo com o que ficara estipulado.
Frise-se que a natureza da instituição de ensino, se pública ou privada, não retira do serviço de ensino a qualidade de relação de consumo. E no caso da prestação do serviço pelas instituições de ensino privado, também não deixa de ser relação de consumo pelo fato da escola ou universidade ser comunitária, confessionais ou filantrópica .
Do ponto da análise histórica da educação, evidente que as concepções de consumidor e fornecedor apresentam novos horizontes para o avanço do ensino e aprimoramento da massa de pessoas que necessitam de instrumentos de competição e qualificação para enfrentar a economia globalizada presente.
Fixada a condição do ensino como relação de consumo, fato que redunda na aplicabilidade das regras de proteção ao consumidor previstas na Lei nº 8.078/90, é ainda preciso saber se o ensino representa uma relação de interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos. Claro que a relação de ensino pode ser visualizada sobre a ótica individual quando a questão é tratada sobre uma discussão isolada entre certo aluno e instituição de ensino privada ou pública, por exemplo, a admissibilidade ou não da matrícula, a aplicação de determinada penalidade administrativa, restrição às informações escolares etc. Nessas situações as partes poderão se valer da tutela jurisdicional pelo mandado de segurança, “habeas data”, ações cautelares e de conhecimento, podendo inclusive socorrerem-se das regras delineadas no Código de Defesa do Consumidor.
Os limites deste arrazoado, porém, colocam o exame do problema da oferta do ensino universitário privado sob a ótica da qualidade e nesse aspecto o enquadramento do problema escapa à noção do interesse individual. Estranho que um ou outro aluno possa ter interesse exclusivo acerca da qualidade do ensino ministrado no “campus” universitário, sendo titular isolado dos efeitos de uma demanda, porventura intentada e julgada procedente, contra a instituição prestadora de serviço. Caso o interessado busque discutir a qualidade do ensino fornecido pela faculdade ou universidade a nível exclusivo, ou seja, pessoal, só poderá fazê-lo, em tese, com o fito de demandar a rescisão e ou perdas e danos. Não poderá pretender discutir o ensino em termos de adequação dos programas ou contratação de professores melhores qualificados com o fim de buscar a qualidade, primeiramente, porque a atividade pertence ao Estado e, por último, porque os efeitos da decisão a ser obtida implicaria na participação de todos os interessados no pólo ativo da demanda, o que tornaria impraticável a demanda se levarmos em conta que a população consumidora é do tipo flutuante na instituição.
Os interesses em jogo acerca da busca da qualidade do ensino não podem ser visualizados como individuais mas, ao contrário, são de natureza coletiva em sentido amplo, restando saber se dentre os difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Observado o que já mencionamos acerca dos interesses difusos e coletivos em parte anterior, temos que o ensino como relação de consumo sob o prisma da qualidade não pode ser colocado como interesse difuso, pois neste um dos traços é a existência de grupo de pessoas, é indeterminável. Some-se, ainda, que no interesse difuso há uma conseqüência natural da existência da pessoa, como se fosse tutelado como interesse difuso tudo aquilo que dispensa a manifestação da vontade do ser porque ele é potencialmente atingido por toda a ação que lhe afete a negação de um determinado direito. Em outras palavras, o direito difuso é concomitante à existência de cada ser, indivíduo ou pessoa, razão pela qual sua indeterminação é o traço marcante. Os interesses difusos são moléculas que fazem parte da própria existência do homem, sendo defeso a quem quer que seja renunciá-los. Por essas ponderações, não nos parece que ser o ensino de relevância pública, regulado pela Constituição Federal e sujeito à fiscalização do Estado ainda quando exercido pela iniciativa privada, sejam, por si só, argumento suficiente para classificá-lo como do molde de interesse difuso.
Na distribuição de ensino com qualidade, muito embora seja do mandamento constitucional esta regra, a relação jurídica educacional oferta a possibilidade de determinação em tese das pessoas que estão sujeitas à obtenção do ensino com qualidade, vale dizer, todos os alunos ou acadêmicos que se matriculam para obtenção do ensino em determinada instituição. Estes podem, assim, ser identificados e, logo, são determináveis.
A relação de ensino é de natureza coletiva quando a questão envolve o exame da qualidade que deve ser emprestada ao serviço educacional, diversa inclusive do tipo de interesse individual homogêneo.
Os interesses individuais homogêneos, que para o Código de Defesa do Consumidor são “entendidos os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, inciso III), têm como características a existência de um grupo determinável, a divisibilidade do seu objeto e a origem numa situação de fato. Daí, emerge que a divisibilidade é o ponto marcante no que diz respeito à qualidade na questão do ensino, porquanto, não há condições de um único aluno demandar sua fornecedora para que lhe preste isoladamente um ensino com melhor qualidade.
Ao discutirmos a questão de ensino como relação de consumo sempre vem à mente o problema das mensalidades escolares e seus mecanismos abusivos de aumento pelos fornecedores privados, fato que já ganhou manchetes em jornais de todo o país e teve como um dos seus combatentes mais atuante o Ministério Público, pelo uso ponderado e persistente do instituto da Ação Civil Pública.
Parênteses abrimos para anotar, na verdade lembrar, que a Lei da Ação Civil Pública é de 1985 e apenas depois de muitas batalhas judiciais é que veio o Supremo Tribunal Federal, em 1997, posicionar-se no sentido de caber ao Ministério Público a defesa de interesses individuais homogêneos em se tratando de mensalidades escolares. E leve-se em conta, ainda, a superveniência da Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor que data de 1990. Isso, sem sombra de dúvida, retrata um conservadorismo demasiado que imperou em nossas Cortes , contribuindo em muito para o atraso de muitas outras questões e fazendo com que a tutela individual tradicional viesse a ser um dos componentes do acúmulo de feitos na justiça e, portanto, de sua lentidão. Felizmente o panorama da tutela dos interesses dos alunos é outro na atualidade, valendo citar a existência de decisões do Supremo Tribunal Federal que acatam a legitimidade ministerial para defesa de interesses individuais homogêneos e colocam dentro dessa categoria o tema das mensalidades escolares .
Em se tratando de mensalidades escolares aceitável a colocação de que sejam interesses individuais homogêneos, reconhecida a legitimidade do Ministério Público para sua defesa (art. 82 do CDC), pois cada um dos alunos podem demandar individualmente a questão e os efeitos da decisão serão absorvidos isoladamente pelo demandante, o que demonstra que o interesse é de natureza individual sendo conferido pela legislação o tratamento dado às questões coletivas em face da manifestação de um interesse social e de repercussão.
Acontece que, se a pretensão em cotejo na relação de consumo ensino é a qualidade deste, esta não poderá ser demandada isoladamente por um único aluno e não ser o resultado positivo distribuído a todos os seus companheiros de turma ou faculdade, pois o ensino não lhe é prestado de forma singular e o contrário implicaria, também, em ofensa ao princípio da isonomia.
O interesse pela qualidade do ensino, ademais, goza de repercussão social preponderante se levarmos em conta o processo educacional como meio de integração social dos alunos e acadêmicos no mercado de trabalho, para competir com fontes produtoras de tecnologia de outros países no contexto de integração entre as nações. E tanto assim o é que é princípio constitucional a garantia do padrão de qualidade (art. 206, VII, CF), fato que atinge, no mínimo, um grupo determinado de pessoas, isto é, aquele grupo de pessoas que se encontra com a relação jurídica de consumo do ensino estabelecida, podendo discuti-la para reclamar o seu padrão de qualidade.
É nossa opinião, nessa linha de pensamento, que o ensino representa uma prestação de serviço que ostenta interesses coletivos em “stricto sensu” quando o objeto da tutela, nesta relação jurídica de consumo, é o padrão de qualidade assegurado pela Constituição Federal no artigo 206, inciso VII.
O ensino sob o enfoque da qualidade pode, então, ser objeto de Ação Civil Pública ou Coletiva pelos legitimados no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), com vistas ao atendimento da enorme massa de acadêmicos matriculados nas instituições de ensino privado.

7. A QUALIDADE DO ENSINO. QUALIDADE DOS SERVIÇOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

A Constituição Federal de 1988 preocupou-se em dispor como princípio do ensino a garantia de padrão de qualidade no artigo 206, inciso VII, e a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 acabou por repetir esse ideal no artigo 3º, inciso IX, de maneira que a observância rigorosa destes mandamentos implica na concretização de muitos outros princípios constitucionais da sociedade democrática (construção de uma sociedade justa e solidária, redução das desigualdades sociais, garantia do desenvolvimento nacional etc).
A questão da qualidade do ensino se dirige a todos os entes participantes do sistema nacional de ensino, ou seja, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 8º, da LDB), principalmente em virtude da regra constitucional e os mecanismos de proteção não devem ser visualizados apenas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Devem, ao contrário, ser encontrados no todo do arcabouço jurídico nacional. Assim, encontraremos mecanismos de proteção em muitos diplomas legais, mas seguramente no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).
São instituições privadas de ensino as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, enquadrando-se nas categorias de particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, conforme dispõem os artigo 19, inciso II, e 20 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Esclareça-se que as comunitárias são as que têm nos seus quadros da mantenedora representantes da comunidade e as confessionais são as que atendem à orientação confessional e ideológica específicas, além de ter em seus quadros representantes da comunidade.
Às instituições privadas é aberta a possibilidade de atuar na área do ensino, por força do artigo 206, inciso III, da Constituição Federal que prevê a coexistência de instituições públicas e privadas. E a Lei de Diretrizes e Bases estabelece como condições necessárias para que nessa participação concretize-se o “cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público; capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal” (art. 7º, LDB) . Decorre dessa coexistência o controle do Estado por processo de “avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino” (art. 9º, VI, LDB). E, ainda, autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos superiores e mediante processo nacional de avaliação (art. 9º, VIII e IX). Segue, então, a sujeição dos agentes públicos voltados ao cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases, que podem ter acesso a todos os dados de todos os estabelecimentos e órgãos educacionais, à Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) é indiscutível.
A atividade de ensino exige a atenção para o padrão de qualidade em todos os níveis, mas nos interessa aqui tão somente a análise desse dever no que tange ao ensino universitário privado porque o número dessas instituições atinge a grande maioria da população de terceiro grau brasileira. O número de consumidores lançados no mercado de trabalho por essas instituições é muito grande e esse fator tem reflexo direto no tipo de mão-de-obra nacional apta ao desenvolvimento nacional, além do fato de que a atividade econômica dessas instituições não pode estar acima das perspectivas criadas aos consumidores que entregam grande parte de seus rendimentos para a realização de um ideal de formação intelectual, cultural e profissional.
É de ser observada a ponderação feita por Antônio Hermen de que “as variações do fornecimento de serviço são em número muito maior que aquelas do fornecimento de produtos” , acarretando um mar de situações impossíveis de relacionar, mas, levando-se em consideração que a exploração da atividade de ensino envolve relação de consumo por prestação de serviços, o tratamento à defesa do padrão de qualidade nesta área reclama um processo muito mais complexo do que uma usual prestação de serviços. A análise do que venha a ser o padrão de qualidade ideal do ensino é um ponto fundamental a ser fixado de início. E a discussão da qualidade do ensino implica na constatação de uma estrutura voltada para sua aferição, no cumprimento do processo de avaliação proposto pela estrutura e na cobrança do padrão de qualidade junto aos órgãos de fiscalização e estabelecimentos de educação.
Ao Estado cumpre estabelecer as normas apropriadas à definição do que venha ser o padrão de qualidade a ser alcançado e, por conseqüência traçar os caminhos de sua aferição.
Como já mencionado, o artigo 9º da Lei de Diretrizes e Bases impõe à União o dever de fiscalizar o padrão de qualidade do ensino (incisos V a IX), mas a autorização, reconhecimento, credenciamento supervisão e avaliação dos cursos e estabelecimentos de ensino superior podem ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior (§ 2º do art. 9º e inciso IV do art. 10, LDB).
O artigo 46 da Lei de Diretrizes e Bases, especificamente, submete as instituições superiores de ensino ao credenciamento e à autorização e reconhecimento de seus cursos.
O Congresso Nacional, em 24 de novembro de 1995, editou a Lei nº 9.131 e alterou os dispositivos 6º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, implementando o princípio constitucional de buscar o adequado padrão de qualidade do ensino. A maior inovação deste diploma legal foi a instituição do que se costumou chamar “provão”, instrumento que merece aplausos porque conseguiu mobilizar a sociedade para participar efetivamente do processo de melhoria do ensino nacional. Em outras palavras, os consumidores do ensino foram elevados à condição de julgadores do ensino ofertado pelas instituições mediante a demonstração do que receberam como prestação de serviços. Ficou assentada a preocupação do Ministério da Educação em patrocinar política nacional de educação mediante a avaliação periódica das instituições e cursos de nível superior, fazendo uso de procedimentos e critérios abrangentes dos diversos fatores que determinam a qualidade e eficiência das atividades de ensino, pesquisa e extensão (arts. 1º e 3º).
No seguimento de ações concretas, foram editados decretos e normas administrativas para implementação do padrão de qualidade do ensino superior que representam instrumentos em defesa da sociedade e dos consumidores dos serviços educacionais ministrados pela universidade, faculdades e escolas superiores. Temos que, em 26 de outubro de 1996, foi editado o Decreto 2.026 que estabelece procedimentos para o processo de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior e o Decreto nº 2.306, de 19/08/97 estabeleceu normas para as instituições de ensino superior, trazendo regras importantes sobre essa atuação estatal junto às instituições no tocante à avaliação que implicará na autorização e reconhecimento de cursos, credenciamento e descredenciamento das instituições de ensino superior (arts. 14 e 15) . Dentre as normas administrativas citem-se as seguintes, emanadas do Ministério da Educação: Portarias nºs 249/96 e 145/97, estabelecendo regras e sistemática dos Exames Nacionais de Cursos; Portaria nº 877/97, dispondo acerca dos procedimentos para reconhecimento de cursos/habilitações de nível superior; Portaria nº 641/97, que dispõe sobre a autorização de novos cursos em faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores em funcionamento; Portaria nº 640/97, que dispõe sobre o credenciamento de faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores; Portaria nº 639/97, que dispõe sobre o credenciamento de centros universitários; Portaria nº 637/97, que dispõe sobre o credenciamento de universidades. Mencione-se, ainda, que a antiga Resolução nº 19/77, do Conselho Federal de Educação, que fixou normas para o reconhecimento dos cursos superiores de graduação sofre uma leitura acrescida de todos os regramentos legais e administrativos com ênfase na defesa da qualidade da educação.
As normas mencionadas, portanto, contribuem para fixação das atribuições dos entes estatais na aferição do padrão de qualidade do ensino superior e estabelecem os critérios do que este seja, mas, em linhas gerais, devemos estabelecer um conceito do que seja qualidade de ensino para os consumidores.
Qualidade, do grego poiótes e do latim qualita, é o modo de ser que pode ser afirmado ou negado e consiste em conceito muito extenso, com plúrimos significados. Aristóteles a define como “aquilo em virtude do qual se diz algo que é tal e qual” . De Plácido e Silva informa que a qualidade “exprime a natureza que é própria ou se atribui à coisa”. Assim, “imprime ou impõe à coisa um caráter próprio, para que a distinga e a individualize” .
A qualidade admite gradação, o que faz com que determinados bens ou serviços acabem sendo mais valorizadas do que outros. Toda prestação de serviços educacionais terá uma certa qualidade, ou seja, o conjunto de elementos que a caracterizam, mas será considerada de maior ou menor preferência de acordo com suas próprias condições de oferta. Essa a razão porque dizemos que aquele ensino é ruim, regular, bom ou excelente.
Ao tratarmos da necessidade de qualidade do ensino estamos nos referindo ao fato de que o ensino seja dotado de determinados atributos que o colocam numa posição de distinção de outras formas de transmissão da educação. E não só. A qualidade do ensino traz em si a idéia da observância de um conjunto de regras voltadas à adequada transmissão do conhecimento, vale dizer, o respeito a um padrão de ensino que a sociedade exige para satisfação de suas necessidades e desenvolvimento nacional. Extrai-se, logo, a razão do legislador constituinte ter fixado como princípio do ensino a “garantia de padrão de qualidade”. Ao Estado, primordialmente, e à sociedade caberão delinear quais os atributos do ensino que constituirão o padrão esperado, buscando fiscalizar a sua implementação por mecanismos de avaliação.
Gomes Tubino, acerca da avaliação do ensino, aduz que esta deverá ajustar-se periodicamente às próprias necessidades da sociedade, que modificam-se em razão das inovações tecnológicas e afirma que “a avaliação de todas as partes dos processos acadêmicos com as dimensões de qualidade, através de indicadores previamente estabelecidos, permitirá um acompanhamento e as correções episódicas necessárias”, pressionando no sentido da qualidade esperada .
O padrão de qualidade a ser atendido no ensino, em todos os níveis, é traçado pela legislação voltada à educação e os mecanismos de proteção estão inseridos em vários diplomas legais (v.g. Código de Defesa do Consumidor, Lei da Ação Civil Pública e Lei de Improbidade Administrativa).
No Código de Defesa do Consumidor encontramos a vedação ao fornecedor de produtos ou serviços de “colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO” (art. 39, VIII, CDC). Na área educacional, as normas editadas pelos órgãos oficiais competentes constituem-se no padrão de qualidade esperado pela sociedade e consumidores dos serviços das instituições de ensino.
A existência de maior regulamentação do que deva ser ofertado pelos fornecedores de ensino para suprir os reclamos da sociedade e satisfazer os consumidores funciona como garantia da qualidade dos serviços e garantia de parâmetros seguros para julgar-se o comportamento daqueles (os fornecedores) na ocorrência de vícios na prestação do serviço. Nessa linha, o raciocínio desenvolvido por Filomeno .
Ao mencionarmos a proteção da qualidade do ensino estamos diante da observância de um padrão mínimo de qualidade fixado pela Estado e que merece proteção para atender o desejo de uma sociedade desenvolvida.
Com o fito de estabelecer um sistema de proteção mais amplo e desprendido das regras usuais da teoria da evicção tratadas no direito comum, o legislador do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) implementou um sistema de regras próprias para estabelecer a responsabilidade das pessoas identificadas como fornecedores (art. 3º).
Adotando a teoria da qualidade que, segundo Antonio Hermen , “decorre de uma tentativa de adaptar o sistema tradicional das garantias contra a evicção e contra os vícios redibitórios à realidade de consumo, ambiente de produção e comercialização em massa”, o Código de Defesa do Consumidor proporciona ao consumidor garantias contra os vícios de qualidade e quantidade. Trata, portanto, dos vícios de qualidade por insegurança, dos vícios de qualidade por inadequação e dos vícios de quantidade no capítulo IV (Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação de danos).
Tenha por vício a desconformidade que afeta a qualidade da coisa ou lhe diminui a quantidade, diversamente do defeito que importa no desvio das características de uma produção determinada .
Na primeira modalidade de vícios de qualidade, isto é, vícios de qualidade por insegurança, encontramos situações que acarretam risco à saúde e segurança do consumidor ou qualquer outra pessoa que esteja sujeita aos efeitos do produto ou serviço colocado no mercado. São tratadas nos artigos 8º a 17 do código, sob os enunciados “Da proteção à saúde e segurança” e “Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço” (Seções I e II).
Os vícios de qualidade por inadequação, por sua vez, referem-se ao cumprimento do fim a que se propõe um determinado produto ou serviço. É a realização concreta da satisfação do consumidor de acordo com o que foi contratado ou colocado à sua disposição. Importante observar que não está a responsabilidade do fornecedor ligada às idéias de responsabilidade do Código Civil, pois este (o fornecedor) deve colocar à disposição do consumidor seus produtos e serviços em condições adequadas ao uso. Com os vícios de quantidade (decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária), os vícios de qualidade por inadequação são tratados nos artigos 18 a 25 do código, sob o enunciado “Da responsabilidade por vício do produto e do serviço” (Seção III).
Na doutrina, interessante é a classificação apresentada por Fábio Ulhoa Coelho acerca dos vícios de qualidade. Propõe este autor que “o fornecimento se classifique, quanto à questão da responsabilidade do fornecedor pela qualidade de produtos e serviços, em perigoso e impróprio, sendo esta segunda categoria subdividida em danoso e inócuo. O fornecimento perigoso corresponde ao de produtos ou serviços prejudiciais à saúde e à segurança do consumidor, pelo qual responde o empresário que não der atendimento aos deveres de pesquisar e de informar o potencial de risco. O fornecimento impróprio danoso relaciona-se ao de produtos ou serviços com defeitos e gera a responsabilização do empresário pelos danos ocasionados em razão destes. Por fim, o fornecimento impróprio inócuo compreende os produtos com vícios de qualidade ou de quantidade e serviços com vícios de qualidade, importando no dever de dar acolhida à opção do consumidor quanto ao desfazimento do negócio, redução proporcional do preço ou substituição do objeto” . Bem é verdade que a impropriedade inócua é designada a que não causa risco à saúde e segurança do consumidor, mas merece reparo a terminologia, pois significa aquilo que não é nocivo, que não causa dano. Ora, se essa fosse a situação, não haveria porque submeter o empresário à redução proporcional do preço ou substituição, condutas essas que decorrem da idéia de prejuízo para o consumidor mesmo que de pequena monta.
O mecanismo utilizado pelo Código de Defesa do Consumidor, no interesse de ofertar garantias aos consumidores, mais consentâneas à realidade da sociedade moderna, tem o traço marcante de permitir a reclamação contra vícios aparentes inclusive (art. 26, “caput”). Distancia-se, assim, da teoria dos vícios redibitórios do Código Civil que protege o adquirente contra vícios ou defeitos ocultos (art. 1.101, CCB). Esta regra do Código Civil de 1916, aliás, é repetida no projeto de Código Civil, aprovado pelo Senado Federal.
Imanados ao tema da qualidade da prestação do ensino das instituição superiores privadas, interessa-nos os vícios de qualidade por inadequação, ou seja, a regra tipificada no artigo 20 do Código de defesa do Consumidor:
“Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
§ 1º. A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
§ 2º. São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.”

A responsabilidade por vícios do serviço, no caso os serviços educacionais, é da instituição de ensino porque esta é a fornecedora principal, mas não está afastada a responsabilidade de qualquer pessoa solidária ou co-obrigada, pouco importando a natureza jurídica dessa última participante na relação de consumo, ou até mesmo sua relação particular com a instituição. É comum que as instituições de ensino sejam mantidas por outras pessoas, físicas ou jurídicas, que sob o manto de uma distinção aparente acabam interferindo diretamente na prestação dos serviços. Não raro as faculdades, universidades, ou centros universitários são verdadeiramente controlados pelas mantenedoras que interferem diretamente nos caminhos da instituição, desrespeitando o princípio da autonomia universitária insculpido no artigo 207 da Constituição Federal. Evidente que, comprovada a interferência destas pessoas no processo de oferta do serviço aos alunos, estará presente o dever de ressarcir os prejudicados nos termos do Código de Defesa do Consumidor. E no caso da personalidade jurídica, seja da instituição ou da mantenedora, estar servindo de óbice ao ressarcimento dos consumidores, poderá ser desconsiderada para alcançar o patrimônio dos sócios ou responsáveis. Suponha-se que uma instituição de ensino universitário venha proporcionar serviços educacionais de baixa qualidade, reconhecida esta pelo fato de seu descredenciamento pelo Ministério da Educação. Não havendo possibilidade de recomposição do dano para o grande número de alunos, razoável que a pessoa jurídica seja desconsiderada para atingir o patrimônio dos seus sócios.
No vício de qualidade por inadequação a culpa do fornecedor é presumida de pleno direito, colocando o consumidor numa posição mais segura quanto ao resultado de sua pretensão já que deve provar apenas o vício, o nexo de causalidade entre o vício e o dano sofrido. Em sentido contrário, por analogia do artigo 12, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, ao fornecedor caberá demonstrar que não colocou o produto ou serviço no mercado; que, embora haja colocado o produto ou serviço no mercado, o defeito não existe; ou a culpa exclusiva do terceiro (consumidor). Se a instituição de ensino fornece serviços de baixa qualidade para o fim que foi projetada, com grande chance de lançar no mercado de trabalho profissionais que não possam competir com outros em condições mínimas de igualdade técnica, estará incidindo na responsabilidade pelo vício em questão. Virão dizer os defensores dessas instituições que não é motivo para sujeitar-lhes ao dever de compor prejuízos a deficiência patente dos alunos, ou seja, a culpa exclusiva deles na falta de capacitação para concorrência no mercado de trabalho. Mas, em nossa opinião, essa argumentação não poderá ser aceita. A instituição de ensino deve zelar para que de seus bancos escolares não saiam profissionais com extrema distância de capacitação em relação ao conjunto do mercado. Sob esse prisma, é verdade, fica muito difícil para o fornecedor eximir da responsabilidade, pois só lhe restará a articulação de que o defeito inexiste. Em uma ou outra situação poderá obter êxito, mas será inevitável sua responsabilidade se vier a ficar provado o vício em razão do descredenciamento pelo Ministério da Educação.

Marco Antonio Marcondes Pereira é Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Mestre em Direito Comercial e Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica, Professor da graduação e da pós-graduação das Faculdades Integradas de Guarulhos e Do Instituto Brasileiro de Pesquisa – INBRAPE – Londrina/PR.

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