Antecipação de prova contribui para eficiência do contencioso administrativo

Autor: Elias Marques de Medeiros Neto (*)

 

Como observa Fredie Didier Jr.[1], o legislador do CPC/15 estipulou que a prova pode ser antecipada, independentemente de urgência, quando houver possibilidade de se viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito, bem como quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação: “Eis aqui uma novidade do CPC atual. O direito à produção da prova nasce do fato de, com a prova produzida, surgir chance para a solução do caso por autocomposição. Não se pressupõe urgência, muito menos risco de que a prova não possa ser produzida futuramente. Estimula-se a propositura da ação probatória autônoma na esperança de que a prova produzida estimule as partes a resolver o problema consensualmente… Também aqui há o reforço à ideia de que as provas também possuem as partes como destinatárias. Busca-se a produção antecipada da prova para que se possa obter um lastro probatório mínimo para o ajuizamento de uma demanda futura ou a certeza de que essa demanda seria inviável”.

Cassio Scarpinella Bueno[2], na mesma linha, ensina que “chama a atenção a expressa previsão do inciso II do artigo 381, novidade para o direito processual civil brasileiro, que admite a medida com o ânimo de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito, iniciativa que vai ao encontro do art. 3º, parágrafo 3º. Também é digno de destaque o inciso III do mesmo dispositivo, que autoriza a produção da prova antecipada mesmo quando não há perigo na sua colheita e conservação, mas, bem diferentemente, porque o prévio conhecimento dos fatos pode justificar ou evitar o ingresso no Poder Judiciário”.

O legislador previu hipóteses de antecipação de prova, sem o requisito de urgência, na busca de facilitar a autocomposição das partes, ou mesmo com a intenção de possibilitar ao autor, com o devido e próprio conhecimento dos fatos, julgar se seria útil promover uma ação quanto ao mérito do seu direito a ser ali alegado.

O instituto certamente se inspira na doutrina de Flávio Luiz Yarshell[3], a qual, mesmo antes do CPC/2015, já previa a possibilidade de antecipação de prova independentemente da urgência, sustentando-se que: “a perspectiva mais abrangente do direito de ação, tal como vista anteriormente, afeiçoa-se ao reconhecimento de um direito de produzir prova autonomamente, sem natureza propriamente cautelar, porque providência de tal ordem, na medida em que exerce a função preventiva descrita, pode e deve ser entendida como abrangida pela amplitude dos meios predispostos pelo Estado para uma efetiva resolução de controvérsias. A produção da prova na forma alvitrada é, inegavelmente, um instrumento, ainda que indireto, apto a contribuir para a tutela dos interesses reconhecidos no plano material, se vista a garantia da ação em uma perspectiva ampla suficiente a abarcar todos os meios colocados pelo Estado para superação dos conflitos”.

A importância da medida antecipada de prova do artigo 381 do CPC/2015, nas hipóteses dos incisos II e III, é reconhecida pelo professor Humberto Theodoro Júnior[4] como importantíssima na tarefa de se evitar ações judiciais infundadas: “Como já advertido, acolhendo à moderna visão doutrinária que alarga o conceito de interesse legítimo na produção antecipada de prova para além do simples risco de impossibilidade física da futura instrução no juízo contencioso, o novo código admitiu a medida em duas outras situações: (a) quando a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; e (b) quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. O novo código reconhece, pois, riscos ou motivos jurídicos distintos da impossibilidade de produção futura da prova, mas que se mostram relevantes para ulterior tomada de decisões pela parte promovente. A falta de prova atual, por si só, pode obstar, dificultar, ou simplesmente comprometer a futura defesa de interesses em juízo. Por isso, antes de decidir sobre o ingresso em juízo, ou mesmo sobre a conveniência ou não de demandar, é justo que o interessado se certifique da realidade da situação fática em que se acha envolvido. Obtendo provas elucidadoras previamente, evitar-se-ia demanda temerária ou inadequada à real situação da controvérsia. Esclarecida a quadra fática, facilitar-se-ia a autocomposição, ou até mesmo se evitaria o ingresso em juízo com demanda desnecessária e inviável”.

O raciocínio do professor vai ao encontro da dinâmica das normas fundamentais do CPC/2015, sendo certo que o real propósito do artigo 381, II e III, do CPC/2015 é o de viabilizar a autocomposição e/ou de evitar demandas desprovidas de suporte probatório suficiente[5].

Luiz Guilherme Marinoni[6], na mesma linha, doutrina que: “as outras duas hipóteses em que se autoriza a obtenção antecipada de provas se relacionam a instrumentos para evitar o conflito judicial ou para permitir um melhor dimensionamento de sua condução. Assim, o primeiro desses casos objetiva fornecer subsídios que permitam às partes buscar uma solução extrajudicial de seu conflito, seja por conciliação, por mediação ou mesmo por arbitragem. A outra das situações trata da situação em que a prova pode determinar seja a propositura de demanda judicial, seja o seu não ajuizamento”.

O artigo 381, II e III, pode ser utilizado como um grande aliado na busca de eficiência e efetividade do contencioso administrativo.

Não raro, a produção de provas no decorrer do contencioso administrativo se mostra tarefa complicada, sendo certo que muitas vezes tal instrução probatória apenas se mostra verdadeiramente viável no decorrer de ação de procedimento comum que objetiva a anulação do processo administrativo.

Uma vez sendo inobservado o direito constitucional de produção da prova no decorrer do contencioso administrativo, pode a parte, nos termos do artigo 381, II e III, do CPC/15, ajuizar pleito de antecipação da prova, sem o requisito da urgência, perante o Poder Judiciário; antecipando-se fase processual que naturalmente ocorreria no decorrer do procedimento comum que seria distribuído para anular as decisões proferidas no processo administrativo.

A antecipação da prova nos moldes acima auxiliará a parte a melhor instruir os seus recursos administrativos, de modo a reforçar seus argumentos, bem como de tal sorte a contribuir para a efetividade e eficiência do próprio contencioso administrativo.

Após a produção da prova perante o Poder Judiciário, a parte terá uma melhor visão da força de seus argumentos, sendo certo que: (i) poderá reforçar sua posição no contencioso administrativo em curso e melhor demonstrar suas razões perante o órgão administrativo julgador; e (ii) a depender do resultado da produção da prova, poderá vislumbrar quais são as reais chances de êxito em eventual medida futura de anulação das decisões proferidas no processo administrativo, podendo optar pela distribuição – ou não –  da futura ação judicial, ou mesmo optar pela composição com o órgão público.

Em decisão recente, proferida no processo 0302911-45.2016.8.19.0001, o juízo da 10ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro autorizou a antecipação de prova pericial, sem o requisito da urgência, cujo requerimento havia sido ignorado pela autoridade administrativa; tudo de modo a que a parte possa, desde logo, melhor comprovar seus argumentos que estão sendo apresentados em sede de processo administrativo, bem como de tal sorte a melhor contribuir para a análise do recurso administrativo interposto perante a autoridade pública. A antecipação de prova, nos moldes acima, está em linha com os princípios do artigo 8 do CPC/2015 e do artigo 37 da Constituição de 1988, sendo que contribui para uma melhor efetividade e eficiência do trâmite do processo administrativo.

 

 

 

Autor: Elias Marques de Medeiros Neto  é pós-doutor em Direito Processual Civil, professor e diretor jurídico.


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