Ao combater o crime, MP atropela direitos de advogados

por Rodrigo Haidar

A queda-de-braço entre advogados, com suas prerrogativas em punho, e o trio formado por Ministério Público, Polícia e Judiciário ganhou novos capítulos nas últimas semanas, graças a dois episódios: a Operação Tango e o julgamento do pedido de investigação do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pelo Supremo Tribunal Federal.

Dois grandes escritórios de advocacia se viram envolvidos nos casos. O Levy & Salomão Advogados, na Operação Tango, e o Demarest e Almeida — uma das maiores bancas jurídicas da América Latina — no inquérito contra Meirelles. Há notícias, ainda, de outras bancas com policiais às suas portas por representarem clientes que são alvo de grandes investigações.

Nas investigações contra o presidente do Banco Central, cinco advogados do Demarest e Almeida são citados nominalmente no inquérito encaminhado ao STF pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles. O Ministério Público Federal pede que o presidente do Banco Central seja investigado por crimes eleitorais, contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro (leia abaixo a íntegra do inquérito).

O relatório, feito pelo procurador Lauro Pinto Cardoso Neto, afirma que o presidente do BC usou artifícios para esconder que é proprietário de empresas offshore, “contando com os advogados do escritório de advocacia paulista Demarest & Almeida”.

De acordo com o relatório, Meirelles fez uma “engenharia organizacional”, com diversas alterações contratuais de empresas “para que permanecesse no controle, mas de forma oculta nas operações por elas realizadas”. Cardoso Neto afirma que “isso favorece a lavagem de dinheiro e dificulta o cruzamento de dados pela Receita Federal, na fiscalização de rotina, bem como facilita a utilização de recursos não declarados em campanha eleitoral”.

O pedido de investigação relata que diversas operações foram feitas com a Empresa Silvania Empreendimentos, controlada pelas offshores americanas Silvania One e Silvania Two. As offshores, por sua vez, teriam como única sócia a estrangeira The Henrique Campos Meirelles Revocable Trust. Nenhuma delas, segundo o procurador, declaradas ao Fisco ou à Justiça Eleitoral.

Segundo o MP, na 14ª alteração contratual da Silvania Empreendimentos, feita em 2001, — segundo o procurador, para esconder o verdadeiro dono da empresa — os advogados do Demarest passam a fazer parte da empresa. “Essa foi a fórmula com a qual os cinco conhecidos advogados de São Paulo passaram à qualidade de ‘quotistas’ da Silvania Empreendimentos”, registra Cardoso Neto.

Para o advogado Roberto Pasqualin, sócio do Demarest, a inclusão do nome dos advogados no relatório da Procuradoria é “claramente” uma tentativa de intimidação desses profissionais. “Eles são advogados dos clientes, procuradores. Não são sócios de seus clientes. Não há nada de ilegal na atuação do escritório em representar as empresas citadas”, diz Pasqualin.

Ele aponta a Lei de Sociedades Anônimas para mostrar a legalidade dos atos do escritório, artigo 126, parágrafo 1º, que determina que o acionista pode ser representado por outro acionista, por administrador de sociedade ou por advogado. “A profissão dos advogados é representar de defender os interesses de seus clientes”, afirma.

Os advogados também são citados como representantes das empresas offshores Silvania One e Silvania Two, “como se isso fosse algo suspeito”. Pasqualin afirma que não há nada de ilegal ou estranho nisso. “A própria Lei das S.A., em seu artigo 19, obriga os acionistas residentes no exterior a terem um procurador no Brasil. O escritório representa inúmeras empresas no exterior com investimentos no Brasil. Faz parte da prestação de serviços jurídicos”, diz.

Roberto Pasqualin atribui a atenção dada aos advogados de Meirelles, no relatório, a uma irresponsabilidade generalizada em denunciar, o “denuncismo irresponsável”, como define. “É inadimissível que advogados sejam acusados de criar ‘engenharia societária’ para seu cliente, como se isso fosse algo suspeito ou criminoso, quando os procuradores que acusam deveriam saber que estruturas societárias como a de Meirelles são prática comum e generalizada, nada havendo de irregular nisso e na atuação dos advogados”, insiste Pasqualin. “Os advogados são suspeitos porque advogam para o acusado, como se advogar no interesse dos clientes fosse criminoso”, completa.

Para o advogado, o “denuncismo irresponsável” faz com que os papéis se invertam: o acusado tem de provar inocência e não o acusador a culpa do acusado. “A presunção de inocência é letra morta. Depois de acusado irresponsavelmente, você é que tem que se virar para provar que não é doleiro ou bandido”, desabafa.

Ele ainda afirma que a advocacia está acima do denuncismo e do vazamento irresponsável para a imprensa de suspeitas nem de perto comprovadas. “A insinuação de cumplicidade com o cliente não intimida o advogado. Apenas mostra prepotência e a falta de melhores argumentos de quem acusa. O advogado defende o cliente, sim, e assim cumpre seu dever profissional maior”, insiste Pasqualin.

O procurador Lauro Pinto Cardoso Neto foi procurado pela revista Consultor Jurídico, mas não quis comentar o assunto. Na Procuradoria-Geral da República, a assessoria de imprensa informou que ninguém fala sobre o inquérito contra o presidente do Banco Central.

Busca e apreensão

Na Operação Tango, que investiga uma quadrilha suspeita de vender falsos créditos tributários para empresas devedoras do Fisco, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão no escritório Levy & Salomão, em São Paulo. Levou consigo documentos de um dos clientes da banca.

Por mais de uma vez, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil classificou essas buscas de absurdas. Para o presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-SP, Mário de Oliveira Filho, a situação está incontrolável. “É uma anomalia, um absurdo, não se poderia nem cogitar a idéia de apreender documentos de clientes”, afirma.

Segundo ele, a apreensão de documentos de clientes fere uma das mais importantes prerrogativas da profissão: a do sigilo profissional. Oliveira Filho afirma que “se o advogado não está envolvido no crime, não há que se falar em busca e apreensão em escritórios”. A OAB-SP prepara uma reação contra o que chama de banalização das prerrogativas e promete fazer barulho em breve.

“Quando o cliente entrega seus documentos ao advogado tem de haver sigilo profissional, em nome da liberdade de defesa. A partir do momento em que isso não é mais respeitado, acabamos com o Estado de Direito”, opina o advogado. Ele relata, ainda, que muitas ordens da Justiça carecem de fundamentação: “não é incomum mandados que determinam a apreensão de ‘documentos referentes ao inquérito tal… Ora, o mandado de segurança tem de ter objeto certo e determinado”, afirma.

Oliveira Filho diz que a única hipótese de busca e apreensão em escritórios é quando a ordem é contra um advogado, jamais contra seus clientes. E, ainda assim, segundo o Estatuto da Ordem, a diligência deveria ser acompanhada por um representante da OAB. “O problema é que há 10 anos o Supremo adia o julgamento de uma liminar que derrubou a exigência de a busca ser acompanha por um advogado. Em qualquer país civilizado isso seria inadimissível”, contesta.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, classifica a busca e apreensão de documentos de clientes como uma “violência inaceitável”. Segundo ele, está sendo banalizada uma ordem judicial que deveria ser medida excepcional “para buscar um objeto definido dentro de um espaço onde o poder público não tem acesso”.

D´Urso explica que a lei protege arquivos de escritórios de advocacia e que as buscas precisam de justa causa: “só existe justa causa quando a ordem judicial é contra um advogado, nunca contra seu cliente”, diz. Para tentar cessar as “reiteradas violações”, a seccional paulista elaborou o projeto de lei que torna crime violar direitos dos advogados. “A idéia é aprovar uma lei que dê um basta em tais desrespeitos, que vão desde impedir o advogado de ter acesso aos autos de um processo, até a violação de seus arquivos de maneira ilegal”.

Leia a íntegra do Inquérito contra Meirelles

PGR. Nº 1.00.000. 008102/2004-50

INTERESSADO: PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL

ASSUNTO: OF/N° 364/04-PR/DF- REPRESENTAÇÃO

INQ 2.206-3

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

1. Tenho por relevantes as considerações estabelecidas a fls. 137/166 da lavra do Procurador da República, Dr. Lauro Pinto Cardoso Neto, pelo que encaminho a Vossa Excelência os autos do P.A. n° 8102/2004-50 a que sejam autuados como Inquérito originário a receber Relatoria.

2. Ao Relator do feito, desde já o Procurador-Geral da República requer sejam cumpridas as seguintes diligências, decorrentes do quadro apresentado a fls. 137/166, verbis:

a) requisição à Receita Federal dos dossiês integrados (pesquisa completa) da CPF 274.272,838-91 e CNPJs 51.943.926/0001-51, 05.596.454/0001-90 e 05.596.461/0001-92 e cópia de todas as declarações de impostos de renda desde o ano exercício de 1996;

b) requisição à Receita Federal do relatério circunstanciado da auditoria fiscal até então promovida contra o representado e empresas por ele controladas, e cópia de todos os documentos solicitados pelos auditores fiscais ou apresentados pelo Sr. Henrique Meirelles;

c) requisição ao Banco Central do Brasil de cópia do Processo 9900943883, que cuida do exame de remessas efetuadas pela empresa Saston Comercial Participações Ltda. por meio do Bank Boston, no valor aproximado de R$ 1,37 bilhão de origem não identificada;

d) requisição ao Banco Central da Brasil de cópia do processo nº 0101074058 tendo como envolvidas as empresas off shore Silvânia One e Silvâna Two, bem como a empresa Silvânia Empreendimentos e participações;

e) requisição ao Banco Central do Brasil de informações detalhadas sobre todos os contrratos de câmbio, desde 1996, envolvendo o Sr. HENRIQUE DE CAMPOS MEIRELLES, as empresas SILVÂNIA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., SILVÂNIA HOLDINGS LTDA., GOIÂNIA LTD., SILK CQTTON INVESTIMENTES LTD, YAMETTO CORPORATION LTD., SILVANIA ONE LLC e SILVÂNIA TWO LLC BOSTON ADMINISTRAÇÃO COMERCIAL E FMPREEDÍMENTQS LTDA. E BOSTON COMERCIAL E PARTICIPAÇÕES LTDA.;

f) requisição à OAB/SP do registro e relação dos advogados do escritório Demarest e Almeida (Almeida, Rotenberg e Boscoli – Advocacia).

g) ao Primeiro Conselho de Contribuinte, cópia integral do Processo n° 16327.002231/2002-85, referente à empresa Boston Comercial e Participações Ltda., autuada pela Delegacia da Receita Federal no Paraná pelo não recolhimento de imposto de renda;

h) à Delegacia da Receita Federal em São Paulo, cópia integral de todos os processos administrativos referentes às declarações de Compensação – DECOMP – da empresa Boston Comercial e Participações Ltda., nos últimos cinco (5) anos.

3. Indica-se prazo de 60 (sessenta) dias à realização destas diligências.

Brasília, 04 de abril 2005.

CLAUDIO FONTELES

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Ref.: PA nº 1.00.000008102/2004-50

Vieram os autos em 29/11/2004, para manifestação acerca dos documentos de fls. 65/125, apresentados pelo Sr. Henrique de Campos Meirelles em face da representação criminal anteriormente formulada às fls. 01/56.

A representação criminal visa à abertura de inquérito para apuração da cometimento, em tese, dos crimes tipificados nos arts. 350 da código Eleitoral e no art. 22 da Lei n° 7.492/86, além de outros crimes que surgirem no curso da apuração dos fatos, como o crime de lavagem de dinheiro previsto no art. 1°, VI e VII, e §§, da Lei n° 9.613/98.

Quanto ao crime previsto no art. 350 da Código Eleitoral, argumenta o representado o seguinte:

a) o tipo penal do art. 350 exige o dolo específico previsto no art. 299 na esfera eleitoral;

b) a declaração de bens ao TRE não produziu efeitos jurídicos e eventual dano ocorreria em detrimento do declarante;

c) a falsidade não atinge documento sujeito à verificação;

d) não houve dolo genérico ou específico;

e) atipicidade da conduta por não constituir a declaração de bens um documento de prova;

Relativamente ao crime tipificado no art. 22 da Lei n° 7.492/86, afirma que:

a) nenhum fato mencionado enquadra-se na tipificação de remessa ou manutenção ilegal de moeda no exterior;

b) que o depósito realizado em conta de doleiro nos Estados Unidos fugiu ao seu controle, pois depositou em conta indicada por seu credor;

c) não houve declaração da existência da conta de onde foi feito o depósito ao doleiro porque ela foi encerrada ao final do exercício fiscal de 2002;

d) não incide imposto de renda sobre a conversão da moeda estrangeira em nacional quando se trata de mera transferência patrimonial dos Estados Unidos para o Brasil,

e) a Medida Provisória nº 2.158 desobriga o recolhimento de imposto de renda pelo residente no Brasil que os tenha adquirido quando residente fora do país, antes de seu retorno ao Brasil.

I. DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL

I.1. O especial fim de agir do art. 350 do Código Eleitoral é diferente do dolo específico do art. 299 do Código Penal. Considerações sobre o elemento subjetivo do tipo penal (o dolo).

O art. 350 do Código Eleitoral encontra-se assim redigido:

“Art. 350. Omitir, em documento públíco ou particular, declaração que dele devia constar ou nele inserir ou fazer inserir- declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.”

Já o art. 299 do Código Penal possui a seguinte redação:

“Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

O termo “para fins eleitorais” não se confunde com “com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Para a ocorrência do crime, conforme disposição do art, 14, inciso I, do Código Penal, basta a ocorrência de todos os elementos de sua definição legal. Assim, não se pode acrescer ao tipo penal elemento inexistente.

Se a vontade legislativa fosse considerar a parte final do art. 299 do Código Penal, para a proteção da fé pública eleitoral, a redação do art. 350 deveria repetir todo o enunciado do art. 299 da Código penal, acrescentando a termo “para fins eleitorais”.

Definitivamente, a expressão “com a fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante” não integra o tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral.

Os tipos penais são apenas semelhantes, pois cuidam da falsidade ideológica, mas não se confundem para a produção do resultado.

Muito embora seja desnecessário tecer considerações sobre a dogmática do Direito Penal ao ilustre Procurador-Geral da República, professor universitário da cadeira e examinador de diversos concursos para o cargo de Procurador da República, permita-me discorrer sobre o objeto da representação.

O tipo penal possui a face objetiva e a face subjetiva, denominados de tipo objetivo e tipo subjetivo.

O tipo objetivo é composto do núcleo (verbo – ação ou omissão) e de elementos secundários e complementares (sujeitos ativo e passivo, objeto da ação, bem jurídico, nexo causal, resultado, circunstâncias de tempo, lugar, meio, modo de execução etc.) É a própria exteriorização da vontade. Alguns autores subdividem os tipo objetivo em elementos descritivos e elementos normativos, estes necessitando de juízo de valor.

O tipo subjetivo, consistente em “circunstâncias que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo de representação do autor”(1) é formado pelo dolo, consistente na consciência atual da realização dos elementos objetivos do tipo e na vontade da realização desses elementos objetivos.

O dolo dever ser entendido como dolo de tipo ou dolo natural, despojado da consciência da ilucitude (pois é elemento da culpabilidade). Basta a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito (2). Adotou o Código Penal predominantemente a teoria fìnalistíca, constituindo crime o fato tipica e ilícito.

O tipo objetivo consiste justamente no fato do Sr. Henrique Meirelles omitir a declaração de bens que possuia perante a Justiça Eleitoral, quando do seu registro eleitoral. Os elementos exteriores do crime estão mais do que comprovados e confessados pelo representado. A existência do dolo, despojado da consciência da ilicitude (elemento da culpabilidade) também já restou cabalmente provado, já que o próprio representada reconhece não ter declarado todos os seus bens, fato relevante em uma “declaração de bens junto à Justiça Eleitoral”.

A expressão “para fins eleitorais” assemelha-se, sob o ponto de vista da dogmática penal e tão-somente para estudo, à expressão “para fins libidinosos” prevista no art. 219 do Código Penal, que corresponde ao especial fim de agir ou “dolo específico” (escola tradicional), sem qualquer pretensão expressa de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

O especial fim de agir ou dolo específico do art. 3.50 do Código Eleitoral não é o mesmo do art. 299 do Código Penal.

I.2. Desnecessidade de comprovação de dano material

O fato da declaração falsa de bens apresentada ao Tribunal Regional Eleitoral não ter produzído efeitos jurídicos, como argumenta o representado, não exclui a tipicidade ou ilicitude do crime do art. 350 do Código Eleitoral, que é formal e independe de resultado material. Configura-se crime, ainda que não resulte efetivo prejuízo ou lucro (TJSP, RT 543/321).

Neste sentido, o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“Falsidade ideológica. Para que se configure esse crime não e mister a ocorrência de dano efetivo; basta que se verifique a potencialidade de um evento danoso.

Recurso extraordinário conhecido e provido.

(STF, RE nº 93.292/RJ, Rel. Ministro Moreira Alves, Segunda Tur.ma, DJ de 05/06/81, página 15,397)”.

Por outro lado, o argumento de que eventual prejuízo pela falsidade ideológica seria suportado pelo representado não diz respeito a configuração do crime, pois o bem jurídico protegido pela norma é a fé pública eleitoral e não o direito do representado.

I.3. Verificação da declaração de bens e sua natureza, probatória.

O representado defende que não teria ocorrido o crime de falsidade ideológica eleitoral porque sua declaração de bens estaria sujeita à verificação.

Esse argumento somente seria válido se a apresentação da declaração falsa tiver o objetivo de produzir efeito jurídico de força probante, o que não é o caso na hipótese presente.

Não quer a art. 94, § 1º, inciso VI, da Lei nº 4.737/65 e art. 11, §1º, inciso IV, da Lei nº 9.504/97 que o candidato faça prova da propriedade de seus bens, mas apenas que forme a instrução de seu registro com sua própria declaração, que traduz uma presunção juris tantum de ser verdadeira. Daí porque a existência do art. 350 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), no sentido de garantir, como norma de prevenção geral, a fé pública eleitoral.

O representado alega que estando a declaração sujeita à verificação, não haverá o crime tipificado no art. 350 do Código Eleitoral. Todavia, essa verificação deverá estar prevista em lei, como ocorre com a verificação do domicílio eleitoral prevista no art. 42, parágrafo único, do Código Eleitoral c/c art. 65, §§ 3° e 40 da Resolução n°21.538/2003 do Tribunal Superior Eleitoral. Diferentemente, quanto à declaração de bens, não há dispositivo legal eleitoral que determine a verificação destes bens declarados pelo candidato por ocasião de seu registra eleitoral. Daí porque insubsistente a defesa do representado.

I.4. BENS NÃO DECLARADOS AO TRE

Apesar de haver alguns erros materiais apontados pelo representado, eles são insignificante perante a totalidade de bens não declarados ao Tribunal Regional Eleitoral e constante em tabela às fls. 10/13.

I.5. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL

No mesmo sentido da representação ora formulada já decidiu o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, verbis:

“CRIME ELEITORAL – ARTIGO 350 – HIPÓTESE EM QUE A DECLARAÇÃO DE RENDA APRESENTADA A JUSTIÇA ELEITORAL CONTEM BENS CUJA TITULARIDADE NÃO RESTOU DEMONSTRADA DE MODO ADEQUADO. PRESENÇA DE IDICIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE QUE JUSTIFICAM O RECEBIMENTO DA DENUNCIA”

(TRE/SP, Acórdão 143.697 Itapeva/SP, DOE 29/08/2002)

II CRIME TIPIFICADO NO ART. 22 DA LEI N° 7.492/86 E NO ART. 10, VI E VII, E. §§, DA LEI N° 9.613/98.

II.1. TIPICIDADE

Os argumentos do representado não se sustentam com a simples leitura da representação.

A tipicidade do art. 22 da Lei n° 7.492/86, na que toca a manutenção de recursos depositados no exterior e não declarados à repartição federal competente, neste momento processual de instauração de inquérito, deve ser analisada com o objetivo tão-somente de examinar a existência de indícios suficientes para o inicio da investigação criminal. Não se quer neste exame sumário a antetipação da condenação do representado. Existem fatos que ainda não foram suficientemente esclarecidos, como veremos adiante.

II.2. OPERAÇÕES SUSPEITAS COM OFFSHORE BISCAY TRAINDIG LIMITED.

É incontroverso o fato de que o Sr. Meirelles realizou operações bancárías com a offshore Biscay Trainding, constituída de um grupo de doleiros de São Paulo investigados por lavagem de dinheiro.

Sobre este aspecto, o Sr. Henrique Meirelles afirmou, à fl. 76, a seguinte:

“Igualmente, neste caso não há nada inconfessável, obscuro e ilegal. No ano de 2002, a representado realizou vários gastos nos EUA, em decorrência da sua atividade na época, inclusive a reforma do apartamento que possuía em Nova York, Fez portanto grande quantidade da pagamentos nos EUA. A quantia apontada pelos Procuradores como depositada em conta de daleiros nos EUA terá sido um dentre os muitos pagamentos que o representado realízou em 2002, nos EUA.

Quanto ao deposito ter sido feito em conta suspeita, alegadamente de doleiro, nada pode esclarecer o representado. Feito a pagamento ao seu credor na conta por este indicada, o trânsito posterior do depósito foge por completo ao seu controle. Aliás, como pessoa fisica operando conta bancária nos EUA, o representado sequer teria como estabelecera qualidade do titular da conta bancário das EUA, se doleiro ou não. O depósito foi realizado em conta que aparentava inteira regularidade, na época, e em banco em atividade normal nos EUA. Não cabia ao representado, nem poderia fazê-lo, auditar o banco ou a conta bacaria a ele indicada, nem cabia ou poderia perquirir de sua eventual vinculação com doleiros brasileiros ou com quem quer que fosse.”

O pagamento foi feito por depósito em conta indicada pelo credor ao representado, em operação bancaria normal e corriqueira na vida de todo mundo, nos EUA ou mesmo aqui.”

Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2005

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