Apesar de eficiente, sistema está cercado de lacunas

por Felipe Siqueira de Queiroz Simões

A penhora online, em didática definição, é a constrição de numerário para garantia do juízo, em processos que já se encontram em fase de execução definitiva, mediante penhora de dinheiro feita por meio eletrônico, utilizando a internet e as informações do Banco Central.

A novidade desta penhora online, também conhecida como sistema Bacen Jurídico ou Bacen Jud, é resultado do Convênio celebrado em 5 de março de 2002, entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Banco Central, objetivando agilizar o imediato cumprimento das obrigações trabalhistas através do bloqueio em conta-corrente de valores referentes a débitos trabalhistas.

Contudo, este sistema, ainda discutível no que tange sua legalidade e constitucionalidade, deve respeitar os princípios que norteiam a execução, sobretudo os seguintes: (1) Toda execução é real, pois invade o patrimônio do devedor, com fulcro no art. 591, do Código do Processo Civil (CPC); (2) A execução deve ser econômica ou menos gravosa ao devedor, conforme o art. 620 do CPC; (3) A execução não deve arruinar o executado — daí a impenhorabilidade de certos bens essenciais, de acordo com o disposto no art. 649 do CPC.

Todavia, este meio de execução, apesar de eficiente, também está cercado de diversas lacunas que, de certa forma, aviltam a segurança jurídica dos meios empresariais. Isto porque, na prática, o empregador, pretendendo impugnar os cálculos, dentro do que prevê o art. 652 do CPC, indica bem de sua propriedade para garantir a execução, porém o empregado o recusa, simplesmente porque “prefere” dinheiro e sabe onde encontrá-lo na empresa.

Vale lembrar que, dinheiro é capital circulante, necessário à sobrevivência de qualquer atividade empresarial. Portanto, se o capital de giro da empresa for bloqueado, seu destino terá conseqüências terríveis e uma inadimplência quase que inevitável, seja perante seus fluxos financeiros internos — tais como: pagamento de funcionários; distribuição de lucros para os acionistas; etc. — ou externos — por exemplo: pagamento de dívidas com terceiros; impostos; etc.

Cientes dessa situação, os tribunais do trabalho firmaram entendimento no sentido de determinar que a penhora nas rendas diárias das empresas recaia no percentual limite de 30% (trinta por cento).

Não obstante, saliente-se que, inúmeras empresas e/ou sócios já permaneceram durante dias com o mesmo valor bloqueado em diversas contas correntes, ainda que em diferentes instituições financeiras, até que o juízo tivesse todos os comprovantes nos autos, para então dar início ao desbloqueio.

Vejamos outros dois exemplos muito comuns: (I) bloqueio de conta particular de um dos sócios da empresa executada que detêm a característica de ser conjunta com sua esposa; (II) bloqueio de todos os valores do correntista independentemente se estão no saldo da conta ou investidos. Vale destacar a diferenciação entre bloqueio dos fundos de investimento, poupança e saldo da conta-corrente. As contas, a princípio, merecem ser remuneradas enquanto estiverem bloqueadas, posto que os dois primeiros geram rentabilidade, que, inclusive, podem ser diárias e que, certamente, ocasionariam prejuízos aos seus titulares naquilo que razoavelmente deixaram de receber, ou seja, os lucros cessantes.

Nesta linha de raciocínio, pertinente ressaltar que, utilizando-se do Princípio da Razoabilidade e, contra-balanceando, de um lado a execução de crédito trabalhista – neste caso, interesse menor -, e a provável “quebra” da empresa gerando, via de conseqüência, incalculáveis prejuízos para o seu patrimônio e, pior ainda, com relação a terceiros — interesse maior —, há de subsumir o interesse menor, mesmo que temporariamente.

Evidentemente que as empresas possuem meios legais para tentar corrigir ou restringir abusos freqüentemente cometidos que, dependendo do caso, podem utilizar-se dos seguintes “recursos” cabíveis: (I) Embargos à Penhora; (II) Embargos de Terceiro; (III) Reclamação Correicional; (IV) Mandado de Segurança; e (V) Exceção de Pré-Executividade.

Outro ponto que merece destaque é a questão do sigilo bancário. Esta matéria detém fulcro no art. 5º, incisos X, XII e XIV, da Constituição Federal de 1988, Lei nº 4.595/64, e Lei Complementar nº 105/01, regulando os direitos individuais e protegendo o sigilo como um todo. Saliente-se desde já que, as instituições financeiras são obrigadas a conservar o sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, salvo quando se tratar de informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário e exibição de livros e documentos em juízo. Além disso, somos da opinião de que após o deferimento de bloqueio da conta corrente pela modalidade de penhora online necessariamente o processo, que em regra era público, deveria ser restrito e correr em segredo de justiça.

Por outro lado, as orientações do TST através dos Provimentos de nºs 01, 03 e 05 de 2003 devem ser observadas tanto em suas considerações quanto e, principalmente, em suas determinações.

Em linhas gerais, o Provimento nº 01/2003 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, determina instruções para utilização do sistema Bacen Jud, com inúmeras razões dentre elas: (I) resistências ao uso desse instrumento de execução, quer por parte de entidades financeiras, quer por parte de Juízes de primeiro grau, quer por parte de Tribunais Regionais do Trabalho; (II) os gerentes de agências bancárias adotam prática de avisar o correntista, hipótese que configura delito contra a administração da justiça e fraude à execução (art. 179 do Código Penal); (III) toda e qualquer resposta das entidades financeiras, incluindo a resposta às consultas online, é dada por ofício ao juiz da causa, ante a não confiabilidade dos e-mails.

Determinações: Tratando-se de execução definitiva, o sistema Bacen Jud deve ser utilizado com prioridade sobre outras modalidades de constrição judicial. Constatado que as agências bancárias praticam o delito de fraude à execução, os juízes devem comunicar a ocorrência ao Ministério Público Federal, bem como à Corregedoria Regional e à Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, e relatar as providências tomadas.

Os juízes devem fixar o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para cumprimento pelo banco destinatário. Os juízes devem informar à Corregedoria Regional e à Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho o número de consultas e/ou bloqueios feitos mensalmente, bem como o período médio das respostas das entidades financeiras, nomeando-as e identificando as agências retardadoras.

O Provimento nº 03/2003 foi motivado pelas seguintes razões: (I) pedido formulado pelo Grupo Pão de Açúcar; (II) as empresas brasileiras que possuem contas bancárias em diversas agências do país podem sofrer bloqueios múltiplos, não desejados pelo juiz da causa; (III) até o momento não existe sistema informatizado de resposta online das entidades financeiras, o que retarda consideravelmente o desbloqueio das ordens constritivas cumpridas em excesso; (IV) apesar disso, é necessário manter o sistema dos bloqueios indiscriminados, ante comportamento delituoso de alguns gerentes de banco, que solicitam a retirada dos depósitos da conta bancária cliente; (V) é possível evitar bloqueios múltiplos e indesejados, podendo as empresas indicar conta principal apta a sofrer bloqueios do sistema, contanto que se obriguem a manter fundos suficientes em tal conta.

Por fim, o Provimento nº 05/2003 que recomenda a identificação precisa das partes a fim de facilitar a obtenção de dados necessários à execução mais célere.

Em resumo, podemos concluir que a função jurisdicional do Estado alcança não só a declaração do direito aplicável ao litígio, mas também a sua atuação efetiva e, neste aspecto, o procedimento da penhora online — possível somente pelo incrível estágio de desenvolvimento tecnológico atual — representa para alguns um avanço no processo de execução e, para muitos outros, verdadeira temeridade com as empresas.

Logicamente, não se pode negar a eficácia de tal sistema, posto que a modernidade tornou concreta uma aspiração de rapidez diante da angústia no recebimento de um crédito definitivo. Contudo, observe-se que as ilegalidades não podem servir de parâmetro, merecendo ser rechaçadas de imediato e repudiadas com argumentos contundentes quando se tratar, principalmente, em excesso de execução em face de empresa escorreita ou de terceiros prejudicados.

Sendo assim, as empresas devem rever seus procedimentos internos diante da penhora online na execução trabalhista e adotar novos posicionamentos. É certo que empresas bem administradas, com seus departamentos pessoais e financeiros idôneos e eficientes, juntamente com uma assessoria jurídica preventiva e contenciosa competentes, terão meios de evitar os inúmeros e sérios inconvenientes apontados.

Revista Consultor Jurídico

Sobre o autor
Felipe Siqueira de Queiroz Simões: Advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da UCAM

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento