Aplicação do novo CPC ao processo trabalhista deve ser guiada pela efetividade

Autor: Othoniel Gueiros (*)

 

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, torna-se fundamental observar as mudanças que a legislação trará para a esfera trabalhista. Além da reforma, de modo mais amplo, dos meios de acesso à Justiça com base em princípios de transparência e economia processual, o processo no âmbito trabalhista, de maneira mais específica, também sofrerá os efeitos da nova lei.

Esses efeitos devem se fazer sentir sobretudo no que é disciplinado pelos artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho. O primeiro artigo dispõe justamente sobre a fase de conhecimento do processo, e o segundo é relativo à fase de execução. De tal forma, discuto nestas breves linhas alguns pontos referentes à compatibilidade e repercussão, na Justiça do Trabalho, das mudanças trazidas pelo novo CPC, sem, é claro, ter a pretensão de esgotar o tema.

Como sabemos, o processo do trabalho e a sua estrutura têm embasamento nas normas da CLT, dispondo de preceitos processuais diversos dos aplicáveis ao processo comum. Parte dessas normas distintas foi formulada também com o fim de se ter um processo mais simples e eficiente no que toca o Direito trabalhista. São muitos os defensores do Direito processual do trabalho que o consideram, portanto, autônomo, uma vez que este tem legislação própria com princípios e regras peculiares.

Apesar disso, o legislador, nos artigos 769 e 889 da CLT, criou uma norma aberta que permite a aplicação do princípio da subsidiariedade, onde, nos casos omissos, pode ser aplicado o Direito processual comum, exceto no que for incompatível com as normas trabalhistas.

É preciso, porém, sedimentar o entendimento de que as alterações trazidas pelo novo Código de Processo Civil devem produzir efeitos no processo do trabalho apenas se tal aplicação trouxer benefícios concretos à efetividade e à razoável duração do processo e para fins de melhor fazer valer os direitos trabalhistas. Como asseverou Norberto Bobbio, “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”. E por isso, deve ser protegido o direito do trabalhador.

A regra da subsidiariedade prevista no texto da CLT, em seu artigo 769, observou uma postura defensiva dos princípios e regras do direito processual trabalhista, igualmente efetivas e, portanto, favoráveis ao trabalhador, parte mais fraca na relação jurídica. Isto posto, a subsidiariedade deve ser alicerçada na simplificação dos atos e regras processuais, como por exemplo, na concentração dos atos processuais em audiência, o jus postulandi; na execução de ofício, na irrecorribilidade imediata das interlocutórias, entre outros.

E para suprir todas essas lacunas encontradas pelo intérprete, na integração do ordenamento jurídico com as normas específicas do processo tabalho, se faz necessário a análise da norma, fatos e valores. O mestre Luciano Athayde Chaves sustenta a tese da reinterpretação do artigo 769 da CLT, entendendo que: “Precisamos avançar na teoria das lacunas do Direito (quer sejam estas de natureza normativa, axiológica ou ontológica), a fim de reconhecer como incompleto o microssistema processual trabalhista (ou qualquer outro) quando — ainda que disponha de regramento sobre determinado instituto — este não apresenta fôlego para o enfrentamento das demandas contemporâneas, carecendo da supletividade de outros sistemas que apresentem institutos mais modernos e eficientes” (CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Comum: Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 28-29).

A repercussão
Feitas essas considerações prévias, enumeramos abaixo os dispositivos do novo Código de Processo Civil que podem ser aplicados no processo do trabalho, com amparo nos artigos 769 e 889 da CLT.

1 – Aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. A aplicação será feita conforme o artigo 15 do novo Código. Contudo, a integração das regras do processo comum se dará após o exame da compatibilidade das normas, restando ainda a opção do modelo processual trabalhista.

2 – Cooperação nacional-judicial recíproca. Em benefício de uma Justiça mais célere, justa e com duração razoável dos processos, o artigo 67 do novo CPC prevê o dever da cooperação judicial recíproca, estendendo esta regra a todos os órgãos do poder Judiciário, inclusive os tribunais superiores.

3 – Gratuidade de Justiça e depósito recursal. A concessão dos benefícios da gratuidade de Justiça prevista no artigo 98, inciso VIII do novo CPC, exonera o beneficiário da obrigação de recolher o depósito recursal na interposição de recursos, propositura da reclamação e outros atos inerentes da ampla defesa e do contraditório, exceto na execução tratada no artigo 884 da CLT.

4 – Gratuidade da Justiça e multas processuais. A concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça não exonera o necessitado da responsabilidade pelas multas processuais aplicadas em razão de sua conduta nos autos, aplicável o texto do novo CPC, no artigo 98, parágrafo 4º. Trata-se da chamada reserva de responsabilidade.

5 – Recesso. Na suspensão dos prazos processuais, audiências e sessões de julgamento, entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, deve-se aplicar o artigo 220, parágrafos 1º e 2º, em total compatibilidade com o artigo 62, inciso I, da Lei 5.010/66.

6 – Decisões e prazos. Pode-se aplicar no processo do trabalho, subsidiariamente, apenas os prazos previstos no artigo 226 do novo CPC.

7 – Correção de ofício. O juiz pode corrigir de ofício o valor atribuído à causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, devendo se recolher as custas correspondentes ou a sua complementação. A teor da regra prevista no artigo 292, parágrafo 3º do novo CPC.

8 – Desnecessidade de Carta Precatória Inquiritória no processo do trabalho e videoconferência. Caso haja recurso tecnológico adequado e de fácil comunicação entre os magistrados, pode se aplicar o disposto no novo CPC ao processo do trabalho, diante da omissão da CLT e da compatibilidade com os princípios da Justiça do Trabalho, como simplicidade, oralidade e celeridade. A teor do artigo 453 em seus parágrafos 1º e 2º do novo CPC.

9 – Execução em casos de inexistência de bens para penhora e a prescrição intercorrente. No caso da inexistência de bens à penhora na execução trabalhista, a execução será suspensa por um ano sem correr a prescrição. Depois deste prazo sem localizar novos bens, os autos são enviados para o arquivo onde se inicia a prescrição quinquenal intercorrente (por cinco anos), sendo declarada de oficio, após ouvidas as partes no prazo de 15 dias.

A ideia que se deve deixar clara, portanto, é a de que as lacunas no ordenamento jurídico processual trabalhista devem ser subsidiadas pelas normas do novo CPC sempre de modo que representem ganho na efetividade e celeridade da prestação jurisdicional e na proteção às garantias do trabalhador, sem prejuízo do equilíbrio na relação entre este e empregadores.

Para sanar as dúvidas que poderão surgir na prática cotidiana da aplicação das novas regras, o Tribunal Superior do Trabalho editou, no último dia 15 de março, a Instrução Normativa 39, onde dispõe sobre as normas do novo CPC que considera aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho. Imprescindível a leitura da orientação dos ministros.

De qualquer forma, a matéria está longe de ter sido debatida de forma definitiva ou exaustiva, por isso ainda não vimos o efeito prático da mesma e ainda há muito espaço para novos argumentos e adequações.

 

 

 

Autor: Othoniel Gueiros  é advogado especialista em Direito do Trabalho, sócio do Gueiros Advogados Associados.


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