ARTIGO 739-A, §5º DO CPC, SEGUNDO A LEI 11.382/2006 E O CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA

A Lei 11.382/2006, publicada no Diário Oficial da União em 07 de dezembro de 2006, com vigência prevista para o mês de janeiro de 2007 veio trazer sensíveis modificações no código de processo civil, quanto ao processo de execução de título extrajudicial e regulamentação da penhora on-line, modificações estas, clamadas pelos operadores do Direito e pela sociedade.

Dentre elas, em breve comentário, vou apenas abordar a inserção do artigo 739-A, §5º, que diz o seguinte:

“art. 739.-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.

§5º – Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.”

Quanto ao caput do referido artigo, entendo perfeitamente plausível e correta a novidade. No entanto, quanto ao parágrafo quinto, tal modificação deve ser analisada com ressalvas pela comunidade jurídica, pois fere princípios constitucionais, tais como Princípio do Livre Acesso ao Poder Judiciário, Princípio da Ampla Defesa e o próprio Direito à Petição, direito este tão enfatizado pelo jurista uruguaio Eduardo J. Couture.

Vamos tomar como exemplo, para melhor esclarecimento, uma execução de título extrajudicial, fundada em contrato de mútuo bancário.

Quando a parte executada vem se defender em determinado processo de execução, alegando a matéria de excesso de execução, juros capitalizados e juros acima do limite pactuado, mesmo que neste tipo de processo, o exeqüente fundamente seu suposto direito em título líquido, certo e exigível, há que se atentar para o fato de que o processo incidental de embargos à execução nada mais é do que um processo de conhecimento, onde a parte autora/executada/embargante, buscará provar seu suposto direito através de provas técnicas, sendo devidamente impugnada pela parte ré/exeqüente/embargada, que, normalmente, detém todo o aparato técnico para tanto.

Pois bem, havendo um processo de conhecimento, onde todas as provas, de embargante e embargado, deverão ser analisadas criteriosamente pelo juiz da causa, de acordo com os ditames impostos pelos artigos 332 e 333 do Código de Processo Civil, me parece que o §5º citado acima, ao proclamar que a parte deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou não conhecimento da matéria, ceifa toda e qualquer possibilidade da parte executada e autora do processo incidental dos embargos de buscar na plenitude a efetiva defesa de seus direitos, pois esta, normalmente, não tem conhecimento acerca de cálculos e contratos bancários, e não poderá solicitar uma prova pericial, a ser realizada por um perito técnico contábil, indicado pelo juízo, no sentido de comprovar a cobrança de juros capitalizados e supostamente abusivos, vez que se trata de matéria de fato e não de direito.

Exatamente isso. Flagrante cerceamento do direito de defesa. Negativa, por via camuflada, do livre acesso do poder judiciário e do direito à petição.

A obrigatoriedade na apresentação pela embargante com a peça inicial dos embargos à execução de cálculo ou memória discriminada do débito implica em impedir o direito à defesa e a efetiva prova de que pode haver a existência da mora creditoris (mora do credor), o que tornaria a obrigação incerta.

Sob a mesma trilha de pensamento, há que se atentar para o disposto no artigo 334 do Código de Processo Civil, o qual retrata quais são os casos em que os fatos não dependem de provas, não se inserindo nesta orla de abrangência os cálculos realizados em contrato de mútuo bancário.

Na verdade, a parte autora/embargante apenas deve fundamentar jurídica e adequadamente seu pedido de excesso de execução, bastando uma simples discordância quanto a totalidade ou parcialidade dos valores cobrados, sendo absolutamente desnecessário apresentar memória discriminada dos cálculos, pois determinado cálculo ou prova pericial realizar-se-ia no momento da produção de provas propriamente dita, o que normalmente acontece nos processos judiciais que envolvem essa matéria, com a nomeação de perito técnico judicial com conhecimento adequado sobre cálculos bancários, indicação de assistente técnico e elaboração de quesitos, nos termos do artigo 420 e ss. do Código de Processo Civil.

Outro fator que serviria como base para demonstrar a inadequação de tal exigência é o seguinte: o embargante, ao ingressar com a peça vestibular dos embargos, apresenta um perícia particular. Pois bem, na defesa, a instituição financeira apresenta a sua perícia particular, demonstrando haver discrepâncias quanto a determinada forma de calcular os índices monetários. Ora, se o r. Magistrado não tiver conhecimento acerca de cálculos bancários, como muitos não têm, e tampouco tem obrigação de tê-lo, como irá decidir?

Simples, o juiz da causa irá nomear um perito judicial, técnico sobre o assunto, especialista em determinada área, que normalmente se trata de um sujeito formado em economia, que vai efetuar perícia judicial e demonstrará quem está com a melhor razão.

No entanto, esta nova perícia, deverá ser custeada por alguma das partes, sendo, como todos que militam nesta área sabem, normalmente paga pela parte executada/embargante, que sempre solicita esta feitura da prova, pois não tem o conhecimento adequado para tanto e, por incrível que pareça, nunca consegue chegar aos valores cobrados pela instituição financeira. Ora, então vejamos: qual a razão do embargante ter a obrigação de apresentar um cálculo discriminado com a peça inicial, se terá que, novamente, custear uma perícia, agora judicial?

Vejam caros leitores que não há lógica na exigência contida no parágrafo quinto do artigo 739-A do CPC.

Não bastassem esses argumentos, ainda há que se ter em mente a existência do Código de Defesa do Consumidor, que retrata em seu artigo 6º, inciso VIII a inversão do ônus da prova.

Portanto, em que pese à nova inserção de determinada regra legal, tal dispositivo em específico, vem na contramão da história, pois transparece um evidente cerceamento ao direito de defesa da parte embargante, a qual tem o direito de ingressar em juízo e discutir valores que supostamente entende ilegal e abusivo, podendo produzir toda e qualquer prova possível para a comprovação de seus argumentos, sendo vedado à lei impedir a parte de apenas buscar a defesa seus direitos.

Sobre o autor: Éderson Ribas Basso e Silva é advogado na cidade de Umuarama-PR

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