Por Robson Pereira
Poucos meses após a entrada em vigor da Lei 12.683, que introduziu importantes alterações na Lei 9.613/98, Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, ambos professores da Universidade de São Paulo, voltam ao mercado editorial jurídico com uma análise detalhada da regulamentação da lavagem de dinheiro no país. O tema é polêmico e tem provocado divergências mesmo entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, como tem demonstrado o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão.
Lavagem de Dinheiro – Aspectos Penais e Processuais Penais foi lançado em setembro pela editora Revista dos Tribunais e tem prefácio da ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, e que também integra o conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Um dos grandes méritos apontados na obra está na abordagem do tema tanto sob o ponto de vista penal, quanto dos aspectos processuais, áreas de especialização dos dois autores.
O livro não se restringe às novidades introduzidas na lei — e que não são poucas —, mas examina, em minúcias, todos os aspectos relacionados à regulamentação do crime de lavagem de dinheiro, definido por Pierpaolo Bottini como “o ato de ocultar bens, valores e direitos provenientes de infrações penais, para sua posterior reinserção na economia formal com aparência lícita”.
A expressão “lavagem de dinheiro”, explica o autor, foi usada pela primeira vez nos anos 30, nos Estados Unidos, para descrever o uso, pela máfia, do serviço de máquinas automáticas de lavar roupa para justificar recursos obtidos de forma ilícita. De lá para cá, com o avanço do crime organizado, o processo se sofisticou e o uso de pequenos negócios para encobrir o capital sujo foi substituído por “complexas movimentações financeiras em âmbito internacional”, exigindo, em contrapartida, o aprimoramento, também, das estratégias de fiscalização e controle, incluindo importantes tratados e convenções internacionais.
No Brasil, a primeira lei sobre o tema data de 1998 e previa a punição do ato de ocultar valores provenientes do tráfico de drogas e de armas e de sequestros. A Lei em vigor, já em seu artigo 1º, amplia, de forma significativa, o rol de condutas puníveis, criando situações que os autores consideram “desproporcionais”, pois pune com o mesmo rigor “tanto o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos”.
Assim como outros juristas, Bottini entende que a melhor forma de combate ao crime organizado consiste em bloquear o capital que financia e sustenta tais organizações. Significa, entre outras medidas, seguir os rastros do dinheiro originado em atividades ilícitas, capturá-lo, impedindo, assim, o refinanciamento das estruturas criminosas. “Mais do que a prisão de seus integrantes, que são facilmente substituídos por outros, o efetivo enfraquecimento dessas “empresas” do delito se dá com a desmontagem dos esquemas que as sustenta”, afirma o autor.
Para ele, um plano eficaz de enfrentamento do crime organizado passa, necessariamente, pela estruturação de órgãos de inteligência de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com capacidade de receber, armazenar e sistematizar informações sobre movimentações financeiras atípicas, detectar complexos esquemas de encobrimento de valores sujos e municiar autoridades com dados que permitam congelamento de bens e identificação dos autores dos delitos.
A nova lei de lavagem de dinheiro, de acordo com os autores, aponta nesse sentido, ao dar mais poderes ao Coaf e exigir que bancos, corretoras de valores, agências de eventos, de intermediação de contratos esportivos, entre outras, mantenham um cadastro atualizado de clientes, e notifiquem autoridades públicas sobre qualquer suspeita de atos de encobrimento de dinheiro sujo praticado por seus usuários. “Substituiu-se a pura ameaça punitiva pela sofisticação de um sistema de inteligência eficiente, o terror simbólico vazio pela tecnologia da informação”, afirma Bottini.