As cooperativas de crédito brasileiras no governo Lula

Desde a campanha presidencial o então candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, prometia que iria apoiar o cooperativismo, em especial, as cooperativas de crédito, como forma de possibilitar crédito mais barato para a população. Com sua eleição, o discurso não mudou. As cooperativas de crédito, que são entidades sem finalidades lucrativas e com grande natureza social, poderiam funcionar como contra ponto aos bancos, os quais ofereciam financiamento aos seus clientes com taxas de juro extremamente elevadas, e com esta conduta, inviabilizavam o consumo e o investimento.

Para tanto, possibilitaram que cooperativas de crédito pudessem ter no seu quadro de associados quaisquer pessoas, independentemente de possuírem com elas, um vinculo de atividade econômica. Pela antiga legislação, apenas pessoas que desenvolvessem ou atuassem em uma mesma atividade, ou trabalhassem em uma mesma empresa, poderiam formar uma cooperativa de crédito. Surgiram então, as cooperativas de créditos de categorias profissionais, tais como as dos médicos, dos policiais militares, dos funcionários de uma empresa; e, por outro lado, a de produtores rurais de determinada região, de artesãos de uma cidade etc.

É claro que a modificação promovida pelo atual governo foi um passo importante para viabilizar a uma massa de pessoas que não atuem em uma atividade econômica, ou não pertençam a uma categoria profissional organizada, possa fazer parte de uma cooperativa de crédito, e, com isto, ter acesso a crédito com taxas de juro muito mais atraentes. Entretanto, esta ação, que está em consonância com o discurso, foi seguida por três outras que se chocam com a vontade conhecida do presidente Lula, e precisam ser revistas, sob pena de tornar a atuação destas cooperativas mais difíceis e custosas, o que, com certeza, irá minimizar ou até anular a possibilidade das mesmas oferecem crédito mais acessível ao grande público.

A primeira das contradições foi o aumento da alíquota da Cofins para estas cooperativas de 3% para 4%, aplicando-se o mesmo percentual de aumento que foi dado aos bancos e demais instituições financeiras, acusadas pelo Governo de serem responsáveis pelo absurdo das taxas de juro praticadas pelo mercado financeiro.

Ora, se os bancos auferem lucros muito altos em decorrência das estratosféricas taxas de juro que cobram de seus clientes, e merecem por isto contribuir à seguridade social de uma forma mais onerosa que outras empresas — este foi o discurso do Governo para justificar o aumento da alíquota da Cofins para as instituições financeiras, justificativa este que discordo, mas por razões que devem ser analisadas em uma outra oportunidade – como entender o aumento da alíquota da Cofins para as cooperativas de crédito que seriam o veículo de repasse de juro mais barato para a população?

O mesmo dispositivo legal que trouxe o aumento de alíquota da Cofins surpreendeu as cooperativas de crédito, pois, ao regulamentar quais seriam as espécies de cooperativas que teriam os seus atos cooperativos tributados de forma menos onerosa que os atos não cooperativos, restringiu o alcance da norma para as cooperativas agrícolas e de eletrificação rural, deixando as cooperativas de crédito com a tributação normal.

Lembrando que as sociedades cooperativas devem, por determinação constitucional, ter um adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, e serem incentivadas e estimuladas, consonante artigos 146, III, “c” e 174, §2º de nossa Carta Maior, por que aplicar os mandamentos constitucionais para algumas espécies de cooperativas, deixando de fora as cooperativas de crédito?

A pergunta volta a ser repetida, não seriam as cooperativas de crédito um dos instrumentos que o Governo Lula utilizaria para viabilizar o acesso a taxas de juro não exploratórias?

Por fim, não satisfeito com as medidas acima descritas, o Governo Lula aplicou um golpe de misericórdia nas cooperativas de créditos, com a edição da Instrução Normativa SRF 333/2003. Segundo esta Instrução, ficou resolvido pelo atual Secretário da Receita Federal que, quando uma cooperativa de crédito aplicar o dinheiro de seus cooperados em instituições financeiras não cooperativas com a finalidade de remunerar este capital de seus associados, este ato será considerado como não cooperativo e, portanto, sujeito seus rendimentos à incidência de Imposto de Renda.

Não é preciso ser muito perspicaz para imediatamente perceber que esta decisão inviabilizará que as cooperativas de crédito possam aplicar o dinheiro de seus cooperados a taxas atraentes, e com isto, restarem-se impossibilitadas não só de poder remunerar-lhes com a mesma atratividade que o restante do sistema financeiro oferece, como também, de terem a condição de emprestar-lhes a juros mais baixos, pois, num círculo vicioso, como iriam remunerar, adequadamente, o capital daqueles que lá depositam o seu dinheiro?

As cooperativas de crédito são pequenas instituições com patrimônio restrito ao que lá é depositado pelos seus associados. Não têm condições de sozinhas concorrer com os grandes conglomerados financeiros — aqueles mesmos que segundo o Governo cobram juro muito altos — visando conseguir remunerar seu capital com boas taxas, atuando de forma a conseguir influenciar, a taxa de câmbio, a bolsa de valores ou o mercado de títulos, e desta forma efetuar os “melhores negócios”.

É interessante notar que as medidas contrárias à atuação das cooperativas de crédito, diferentemente do discurso político de apoio e incentivo, têm ligação direta com a esfera tributária. Precisamos saber se esta contradição é decorrente da necessidade de caixa e da necessidade de alcance das metas de superávit fiscal já comprometidas, ou se existe realmente outras razões, também facilmente imagináveis, para tal comportamento.

Se a resposta for a primeira alternativa, estamos diante do reconhecimento da existência de um superpoder dentro do Governo, pois como aconteceu com o antecessor, os fins justificariam os meios; e nesta linha, para conseguir aumentar a arrecadação e buscar atender aos organismos financeiros internacionais, pouco interessa a política econômica ou social que pretende adotar o Presidente Lula.

Caso a alternativa escolhida for a segunda, a situação é ainda mais grave, já que teríamos que aceitar a presença de um superpoder fora do Governo, traçando as diretrizes econômicas e desdizendo o nosso presidente.

O saco de maldades contra as cooperativas de crédito está posto, cabe agora ao Governo Lula decidir o que fazer. Ou assume o estelionato eleitoral do qual é diariamente acusado de ter praticado, ou corrige os rumos, passando para a sociedade o sentimento de quem determina as regras do jogo, é ele.

Fábio Augusto Junqueira de Carvalho é especialista em Direito de empresas pela PUC/MG, mestrado em direito tributário pela UFMG, professor de cursos de pós-graduação e sócio da Martinelli Advocacia Empresarial

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