'As CPIs precisam repensar os seus desmandos.'

A Câmara dos Deputados, no princípio de um novo governo e ao mesmo tempo em que dá início às votações das reformas previdenciária e tributária, instalou, de jeito açodado, a CPI do Banestado. Infelizmente, já se antevê abusos. Agentes dos poderes públicos já estão a revelar informações confidenciais (será que eles serão punidos?). Documentos sigilosos já começam a ser divulgados pela mídia (serão os autores do vazamento e divulgação punidos?). Enfim, a CPI começa mal. E, se começa mal, terminará pior, se a lei não for cumprida.

As CPIs, braços fortes do Legislativo, da sociedade civil e de forma justa fortalecidas pela Constituição de 1988, só podem ser instaladas quando, por requerimento de um terço dos membros da Câmara ou do Senado — as Cartas estaduais e as Leis Orgânicas municipais costumam repetir estas exigências — se pretende apurar um fato determinado, de relevante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica e social do país, tudo com o fim de aperfeiçoar o processo legiferante.

O tempo da investigação há de ser certo. O regimento interno da Câmara dos Deputados prevê um prazo máximo de 120 dias para a sua conclusão. O do Senado é omisso, mas, por previsão constitucional, sua duração é estabelecida no ato de sua instalação. O período de funcionamento da inquisa pode ser prorrogado, por prazo determinado e desde que o plenário da Casa que a instituiu autorize. Quer-se, com a limitação temporal, evitar qualquer tipo de exploração, política ou não, para os investigadores e investigados.

Contudo, o que temos assistido são CPIs sendo promovidas sem que seu objeto esteja definido (ou pior, definido conforme o oportunismo político da ocasião), possibilitando que “parlamentares-show”, sem compromisso público, usurpem dos poderes que lhes foram confiados pelo constituinte e, com a arrogância dos fascistas, cegos e seduzidos pelos efêmeros e mutantes holofotes da imprensa, pratiquem atrocidades em detrimento das mais comezinhas normas que governam o Estado Democrático de Direito.

Naqueles palcos circenses em que por vezes se convertem as Casas legislativas, não raro testemunhas são transformadas em réus, sem que lhes garantam o sagrado direito de defesa. Tudo ao vivo e em cores, como recomenda o espetáculo. Os direitos ao silêncio e o de não se auto-incriminar são interpretados como confissão tácita, isto quando não resolvem prender em flagrante o cidadão que “ousa” recorrer a essas inalienáveis prerrogativas.

Os advogados no exercício de sua função pública, quando não expulsos do “picadeiro” pelos jagunços travestidos de funcionários, são vistos como “artistas” de somenos importância. Buscas e apreensões são determinadas em desacordo com a lei e com insuportável alarde midiático. Sigilos fiscal, bancário e telefônico são quebrados, a três por quatro, sem motivação e fundamentação, como a demonstrar que os parlamentares estão acima da lei, do bem e do mal.

Os segredos de que se tornaram guardiões não são protegidos. Ao contrário, são divulgados, à sorrelfa e de modo criminoso, para os meios de comunicação, os quais, ávidos por notícia, os divulgam sem pudor. É a violência do Legislativo.

As CPIs precisam repensar os seus desmandos, porque, despidas desse ranço de autoritarismo, estarão aptas a prestar à nação os relevantes serviços que lhes foram cometidos pela Carta Cidadã. Lembremos, sempre, que o fogo que hoje queima a alma dos investigados da vez será o mesmo que arderá na do infeliz cidadão que vier a ser alvo de uma CPI, seja ele homem público ou não.

A função da CPI não é a de apurar crimes e punir culpados. CPI não é Polícia tampouco Judiciário. Sua principal função é o aperfeiçoamento das leis.

Confia-se que esta CPI do Banestado cumpra sua missão, sem desrespeitar a Constituição da República Federativa do Brasil. É isto que a sociedade espera do parlamento. Com a palavra, o Congresso Nacional.

Luís Guilherme Vieira é advogado criminal, secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros, professor da Universidade Candido Mendes (RJ e PR), conselheiro do IDDD e presidente do Movimento Antiterror.

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