As regras para as corretoras de mercadorias na CVM

Por Walter Douglas Stuber
As corretoras de mercadorias estão sujeitas ao controle e à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), bem como das bolsas de mercadorias e futuros das quais tiverem sido admitidas como membros, e também integram o sistema brasileiro de distribuição de valores mobiliários(1). As normas e os procedimentos para a organização e o funcionamento das corretoras de mercadorias foram recentemente estabelecidos pela Instrução CVM nº 402, de 27 de janeiro de 2004(2).

Para os efeitos da Instrução CVM nº 402/2004, considera-se “corretora de mercadorias” a sociedade habilitada a negociar ou registrar operações com valores mobiliários em bolsa de mercadorias e futuros.(3) Para funcionar, a corretora de mercadorias depende de registro prévio da CVM(4) e deve atender aos seguintes requisitos: (i) ser constituída na forma de sociedade anônima ou sociedade limitada; (ii) ser admitida como membro de bolsa de mercadorias e futuros(5); (iii) indicar à CVM um diretor estatutário ou sócio-administrador tecnicamente qualificado, com experiência no mercado de valores mobiliários, mercadorias e futuros(6); e (iv) adotar, em sua denominação social, a expressão “corretora de mercadorias”. A corretora de mercadorias deverá apresentar ainda requisitos patrimoniais e financeiros, conforme critérios estabelecidos pela bolsa de mercadorias e futuros.

As corretoras de mercadorias também podem ser constituídas sob a forma de sociedade corretora ou distribuidora de valores mobiliários, banco de investimento ou banco múltiplo com carteira de investimento e, quando ocorrer qualquer dessas situações, serão regidas pelas regras a que estão sujeitas tais instituições financeiras.

Por ocasião de sua admissão como membro de uma determinada bolsa de mercadorias e futuros, a corretora de mercadorias deverá efetivar a caução real(7) do título patrimonial ou das ações de emissão da bolsa detidas pela própria corretora, para garantir privilegiadamente os débitos para com a bolsa a que pertença, nos termos dos regulamentos e procedimentos definidos pela referida bolsa.

Nas operações realizadas em bolsa de mercadorias e futuros, a corretora de mercadorias é responsável para com seus clientes, também denominados comitentes(8), para com outros intermediários para os quais tenha operado ou esteja operando e para com a própria bolsa: (a) por sua boa e efetiva liquidação; (b) pela legitimidade dos valores mobiliários entregues a qualquer título, assim como por seu regular recebimento e entrega, endosso ou transferência; (c) pela efetivação dos registros, em nome dos comitentes a ela vinculados e atendendo às ordens emanadas desses comitentes; (d) pela legitimidade da procuração e dos demais documentos necessários para a transferência de valores mobiliários; e (e) pelo cumprimento e adoção de elevados padrões de idoneidade e ética.

Caberá à corretora de mercadorias manter sigilo das operações e serviços prestados, inclusive dos nomes dos seus comitentes, somente podendo revelá-los mediante autorização dada pelos comitentes ou nos termos da legislação e regulamentação em vigor(9). Todavia, no caso do comitente descumprir ou violar as normas legais ou regulamentares aplicáveis, independentemente de quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais, a corretora de mercadorias deverá efetuar a comunicação dos fatos à bolsa de mercadorias e futuros, solicitando, se for o caso, a adoção dos correspondentes procedimentos de execução de garantias do comitente inadimplente, bem como a divulgação desses fatos ao mercado pela bolsa(10). Na hipótese de inadimplência de um comitente, a corretora de mercadorias deverá identificar para a bolsa de mercadorias e futuros as operações que ensejaram a inadimplência, comprovando a sua regularidade, e as diligências efetuadas para a cobrança do comitente.

No exercício específico de suas funções, é expressamente vedado à corretora de mercadorias praticar as seguintes operações: (i) conceder financiamentos, empréstimos ou adiantamentos a seus comitentes(11); (ii) adquirir bens não destinados a uso próprio. Excepcionalmente, todavia, a corretora de mercadorias poderá receber bens em liquidação de dívidas de difícil ou duvidosa solução e, nessa hipótese, a corretora deverá vender esses bens dentro do prazo de um ano, a contar do recebimento, prazo esse prorrogável por até duas vezes, a critério da CVM; (iii) obter empréstimos ou financiamentos junto a instituições financeiras. Entretanto, a lei vigente permite à corretora contrair empréstimos ou financiamentos vinculados à aquisição de bens para uso próprio e à execução de atividades previstas no respectivo objeto social; e (iv) realizar operações envolvendo comitente final que não tenha identificação cadastral na bolsa de mercadorias e futuros, nos termos da legislação aplicável.

Da mesma forma que ocorre com as demais instituições financeiras, a corretora de mercadorias deverá elaborar balancetes mensais e, no último dia dos meses de julho e dezembro de cada ano, demonstrações financeiras que serão acompanhadas do respectivo parecer e relatório de auditoria emitido por auditor independente registrado na CVM(12).

Além do registro para funcionamento, existem vários outros atos relativos à corretora de mercadorias que dependem de aprovação prévia da CVM: (a) transformação, fusão, incorporação e cisão; (b) investidura de administradores; (c) investidura de conselheiros fiscais e membros de outros órgãos estatutários; (d) alienação do controle societário; e (e) liquidação da sociedade por deliberação dos sócios(13). Embora não estejam sujeitos à autorização da CVM, os seguintes atos também deverão ser comunicados, em cinco dias úteis, contados a partir da data da sua deliberação, tanto à CVM quanto à bolsa de mercadorias e futuros: (i) transferência da sede; (ii) criação e encerramento das atividades de escritórios ou filiais; (iii) alteração do valor do capital social; (iv) alienação do título patrimonial da bolsa de mercadorias e futuros; e (v) qualquer alteração do estatuto ou contrato social.

O registro para funcionamento poderá ser cancelado pela CVM se: (a) a corretora de mercadorias não iniciar suas atividades no prazo de 180 dias contados da data do registro; (b) a corretora de mercadorias solicitar o cancelamento; (c) for constatada a falsidade de qualquer uma das informações ou dos documentos apresentados para obter o registro(14); (d) em razão de fato superveniente devidamente comprovado, ficar evidenciado que a corretora de mercadorias registrada não mais atende a qualquer um dos requisitos ou condições estabelecidos para a concessão do registro nos termos da Instrução CVM nº 402/2004; (e) a corretora de mercadorias, no exercício de suas atividades, deixar de cumprir quaisquer das obrigações previstas na Instrução CVM nº 402/2004; ou (f) em caso de alienação do título patrimonial ou das ações de emissão de bolsa de mercadorias e futuros(15).

Das decisões do Superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários da CVM cabe recurso ao Colegiado, nos termos da regulamentação em vigor.(16)

Notas de rodapé

1- A Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, em seu artigo 4º, criou o inciso VI no artigo 15 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que acrescenta as corretoras de mercadorias, os operadores especiais e as bolsas de mercadorias e futuros ao sistema de distribuição de valores mobiliários. A Lei nº 6.385/1976 dispõe sobre o mercado de valores mobiliário e criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

2- A Instrução CVM nº 402/2004 entrará em vigor 30 dias a contar de 29 de janeiro de 2004, que foi a data de sua publicação no Diário Oficial da União. As corretoras de mercadorias em operação terão um prazo adicional de 90 dias a partir da data da vigência dessa Instrução para adaptar-se ao nela disposto.

3- Essa mesma definição já constava do artigo 2º, inciso III, da Instrução CVM nº 387, de 28 de abril de 2003, que estabelece normas e procedimentos a serem observados nas operações realizadas com valores mobiliários, em pregão e em sistemas eletrônicos de negociação e de registro em bolsas de valores e de bolsas de mercadorias e futuros.

4- O registro para funcionamento da corretora de mercadorias será expedido pela Superintendência de Relações como Mercado e Intermediários da CVM no prazo de 30 dias, contado da data do recebimento na CVM do pedido de registro. Esgotado esse prazo, caso não haja manifestação da CVM em contrário, e desde que tenham sido cumpridas todas as formalidades previstas na Instrução CVM nº 402/2004, presume-se aprovado o pedido de registro. Esse prazo de 30 dias poderá ser interrompido uma única vez, se a CVM solicitar ao interessado informações adicionais, passando a decorrer novo prazo de 30 dias a partir da data de cumprimento das exigências. Para o atendimento das exigências, será concedido prazo não superior a 60 dias, contados do recebimento da respectiva correspondência que tiver formulado essas exigências, sob pena de indeferimento do pedido. O indeferimento do pedido deverá ser comunicado pela CVM por escrito ao interessado e à bolsa de mercadorias e futuros, ficando todos os documentos que instruíram o pedido à disposição da requerente, pelo prazo de 90 dias.

5- Caso o registro para funcionamento não seja pleiteado no prazo de 180 dias da admissão da corretora de mercadorias como membro da bolsa de mercadorias e futuros, a bolsa procederá à venda em leilão do seu título patrimonial ou de suas ações, conforme o caso.

6- Somente pode ser administrador de corretora de mercadorias pessoa natural, residente no Brasil, que seja idônea e tenha formação acadêmica e profissional que evidencie sua experiência no mercado de valores mobiliários, mercadorias e futuros. O candidato a ser investido como administrador deverá apresentar à CVM declarações, informando sob as penas da lei: (a) que não está inabilitado para o exercício de cargo em instituições financeiras e demais entidades cujo funcionamento dependa da autorização da CVM ou do Banco Central do Brasil (Bacen), da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC); (b) que não foi condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, ressalvada a hipótese de reabilitação; (c) que não está incluído no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos do Bacen; (d) que não foi, nos últimos cinco anos, administrador de entidade sujeita ao controle e fiscalização da CVM, do Bacen, da Susep ou da SPC, que tenha tido, nesse período, sua autorização cassada ou a que tenha sido aplicado regime de falência, concordata, intervenção, liquidação extrajudicial ou submetida a regime de administração especial temporária; e (e) se foi condenado, nos últimos cinco anos, por infração à legislação da CVM, Bacen, Susep e SPC, explicitando a respectiva natureza. A CVM poderá, a seu critério, exigir documentos e informações adicionais julgados necessários para a autorização do exercício do cargo de administrador de corretora de mercadorias e a comprovação de sua idoneidade e capacidade técnica.

7- O artigo 3º da Instrução CVM nº402/2004, enfatiza que essa caução é oponível a terceiros, nos termos do Código Civil Brasileiro.

8- De acordo com a definição contida no artigo 2º, inciso VII, da Instrução CVM nº 387/2003, comitente ou cliente é a pessoa, natural ou jurídica, e a entidade, por conta da qual as operações com valores mobiliários são efetuadas. Comitente, portanto, é o nome dado ao cliente da corretora nos contratos e nas operações realizadas em bolsa. O cliente não pode operar diretamente na bolsa de mercadorias e futuros e deve ser sempre representado por uma corretora de mercadorias admitida como membro da referida bolsa. A corretora atua por conta e ordem dos seus comitentes. Ordem é o ato mediante o qual o cliente determina a uma corretora que compre ou venda valores mobiliários, ou registre operação, em seu nome e nas condições que especificar (conforme o artigo 2º, inciso X da Instrução CVM nº 387/2003).

9- Em razão da natureza de suas operações, as corretoras de mercadorias foram equiparadas às instituições financeiras pelo Conselho Monetário Nacional e estão sujeitas às regras previstas na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Nos termos do artigo 1º, § 3º, inciso V, não constitui violação do dever de sigilo a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso do interessado.

10- Caso as garantias que venham a ser executadas sejam de titularidade de terceiros ou tenham sido prestadas por terceiros, a qualquer título, a bolsa de mercadorias e futuros deverá divulgar essas informações ao mercado.

11- Essa proibição abrange realizar operações que caracterizem, sob qualquer forma, a concessão de financiamentos, empréstimos ou adiantamentos a clientes.

12- A corretora de mercadorias está sujeita às normas sobre a elaboração e divulgação das demonstrações financeiras aplicáveis às sociedades corretoras de valores mobiliários. Os seguintes documentos relativos à atividade da corretora de mercadorias deverão estar à disposição da CVM e ser enviados à bolsa de mercadorias e futuros: (a) balancetes mensais, no prazo de 15 dias após o encerramento de cada mês; e (b) demonstrações financeiras, bem como pareceres e relatórios dos auditores independentes, no prazo de 90 dias do encerramento de cada período. Nos mesmos prazos, a corretora de mercadorias deverá divulgar os balancetes, as demonstrações financeiras e os respectivos pareceres de auditorias na sua página na rede mundial de computadores, se houver, e na página da bolsa de mercadorias e futuros à qual a corretora esteja associada como membro.

13- A CVM deverá manifestar-se a respeito desses atos no prazo de até 30 dias a contar da data do requerimento, e consultará a bolsa de mercadorias e futuros, que terá o prazo máximo de 15 dias para pronunciar-se. Esgotado esse prazo, caso não haja manifestação da CVM em contrário, presume-se aprovado o pedido de realização do ato em questão. Ao efetuar a solicitação à CVM, a corretora de mercadorias deverá dar, simultaneamente, ciência à bolsa de mercadorias e futuros.

14- Nessa hipótese, a CVM oficiará ao Ministério Público para a propositura da competente ação penal, sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas cabíveis.

15- Em qualquer desses casos, o cancelamento da autorização para funcionamento de corretora de mercadorias será efetivado sem prejuízo de exigibilidade de todas as obrigações da corretora e de cumprimento das penalidades que eventualmente lhe tenham sido impostas.

16- Atualmente, a matéria está regulamentada pela Deliberação CVM nº 463, de 25 de julho de 2003, que estabelece procedimentos a serem seguidos nos recursos ao Colegiado de decisões dos Superintendentes da CVM. Dessas decisões caberá recurso para o Colegiado no prazo de 15 dias, contados da ciência pelo interessado. O recurso será oferecido em petição escrita e fundamentada, desde logo acompanhada dos documentos em que eventualmente se basear a argumentação do recorrente, sendo dirigido ao Superintendente que houver proferido a decisão impugnada. Dentro do prazo de 10 dias úteis, contados do recebimento do recurso, o Superintende deverá reformar ou manter sua decisão, em despacho fundamentado. Caso mantenha sua decisão, o Superintendente encaminhará o processo ao Colegiado, através do Superintendente-Geral, ainda que tenha entendido ser o recurso intempestivo ou incabível. O recurso será recebido no efeito devolutivo, devendo o Superintendente, imediatamente após recebe-lo e, independentemente de requerimento da parte, decidir sobre a concessão do efeito suspensivo ao recurso, total ou parcialmente. Se houver requerimento de efeito suspensivo, e o Superintendente decidir por seu indeferimento parcial ou total, deverá intimar o recorrente de imediato, remetendo cópia do recurso e da decisão ao Presidente da CVM, a quem caberá reexaminar a decisão denegatória do efeito suspensivo. O Colegiado decidirá o recurso, em sessão interna, independentemente de prévia designação de data, sendo o recorrente notificado da decisão no prazo de 5 dias úteis, pelo Superintendente que houver proferido a decisão recorrida. Quando for alegada a existência de erro, omissão, obscuridade ou inexatidão material na decisão, contradição entre a decisão e os seus fundamento, ou dúvida na sua conclusão, caberá ao Colegiado apreciar tal alegação, a requerimento de membro do Colegiado, do Superintendente que houver proferido a decisão recorrida ou do próprio recorrente. Se for o caso, o Colegiado corrigirá a decisão, sendo o requerimento encaminhado ao Diretor que tiver redigido o voto vencedor no exame do recurso, no prazo de 15 dias a partir da data em que o interessado tomar ciência da deliberação, e submetido pelo referido Diretor ao Colegiado para deliberação.

Walter Douglas Stuber é sócio do escritório Stuber – Advogados Associados e especialista em Direito Bancário, Mercado de Capitais e Negociações Empresariais.

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