Desde o advento da lei 8.078/90, vários temas polêmicos vêm sendo abordados e discutidos pela doutrina e jurisprudência nacional. Um dos mais instigantes desses temas versa sobre a aplicação das normas contidas no CDC quando a parte demandada for o Estado.
O Estado deve sempre ter em vista o interesse geral dos cidadãos para tanto deve sempre proteger os interesses tanto dos indivíduos como dos grupos particulares, no campo das relações de consumo, o grupo a ser protegido e tutelado é o dos consumidores.
O art. 3o da lei 8.078/90 é bastante didático ao conceituar o termo “Fornecedor” como sendo toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, também entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O CDC, portanto, equipara as pessoas jurídicas de direito público como espécies de fornecedores, podendo, consequentemente, figurar no pólo ativo da relação de consumo na qualidade de fornecedor de serviços e, logicamente, podendo figurar no pólo passivo na eventual relação de responsabilidade.
O Código de Defesa do Consumidor adota duas modalidades de responsabilidade: a responsabilidade por vícios do produto ou do serviço e a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. Ambas as modalidades de responsabilidade são de natureza objetiva, sendo dispensável o elemento culpa para que exista a obrigação de indenizar por parte do fornecedor. O CDC distingue dois modelos claros de responsabilidade: por danos causados aos consumidores e por vícios de qualidade ou quantidade dos produtos ou dos serviços prestados aos consumidores.
Particularmente sobre a responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, parágrafo 6o da Constituição Federal, existe um consenso na doutrina que ela pode ser concebida tanto em razão o risco da atividade pública quanto em virtude da culpa constatada no desempenho dessas atividades por parte dos agentes públicos. Na esfera consumerista, porém, a responsabilidade civil do Estado ganha vertente própria pois, tratando-se de reparação dos danos (restauração do estado anterior à lesão) o Estado deverá ser responsabilizado na forma prevista no código, ou seja, independentemente da existência de culpa, conforme preceitua o art. 14 do CDC. Fica clara, portanto, a escolha da chamada Teoria do Risco Administrativo por parte do legislador nas relações de consumo.
Em seu artigo 22 o CDC aborda expressamente a responsabilidade do poder público nas relações de consumo. O referido artigo fala ser obrigação do Estado “(…)fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos essenciais, contínuos. (…)”. Ora, o Estado é nosso maior fornecedor de serviços e, consequentemente, o que mais vezes nos causa lesões em nossos direitos enquanto consumidores. Uma visão, por mais superficial que seja, no nosso cotidiano demonstra o quanto somos prejudicados por parte do Poder Público. Basta apenas observarmos a situação dos transportes, da saúde e da segurança pública em nosso país para que se verifique o real tamanho do descaso por parte do Estado no que tange à prestação dos serviços públicos.
O código trata com especial atenção os chamados “serviços essenciais”, tais serviços são aqueles em que estão alicerçados os pontos cruciais para o desenvolvimento de uma sociedade, aqueles cuja ausência ou interrupção resultaria em grandes prejuízos. O CDC não elenca quais seriam esses serviços, a doutrina, porém, vem aplicando analogicamente a lei 7.783/89 (lei de Greve) que em seu artigo 10 e respectivos incisos demonstra quais seriam esses serviços, in verbis:
“ Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I. Tratamento e abastecimento de água; Produção e dsitribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II. Assistência médica e hospitalar;
III. Distribuição e comercilaização de medicamentos e alimentos;
IV. Funerários;
V. Transporte coletivo;
VI. Captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII. Telecomunicações;
VIII. Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX. Processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X. Controle do tráfego aéreo;
XI. Compensação bancária.”
É, portanto, direito inegável de todo e qualquer consumidor demandar contra o Estado quando a prestação dos serviços esteja sendo inadequada, inoperante ou ainda que não esteja sendo observada e respeitada a devida proteção à integridade física e moral do consumidor. Cabe `a Administração Pública procurar alcançar sempre o fiel cumprimento aos ditames da lei, pois, como bem preceitua o saudoso doutrinador Hely Lopes Meireles “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.
É pacífico, portanto, o entendimento de que o Estado é responsável por suas condutas, comissivas ou omissivas, que vierem a causar quaisquer espécies de danos aos consumidores, porém, deve sempre haver o verdadeiro nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano. Algumas situações excluem a responsabilidade do Estado perante terceiros, são elas: caso fortúito, força maior, estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
Porém, como acertadamente pondera José Geraldo de Brito Filomeno nos seus comentários iniciais a respeito do Código de Defesa do Consumidor: “O Código vale muito mais pela perspectiva e diretrizes que fixa para a efetiva defesa ou proteção do consumidor, bem como pelo devido equacionamento da harmonia buscada, do que pela exaustão das normas que tendem a esses objetivos (…)”.
É a exata impressão que se tem ao analisar a atual situação em que se encontra a administração pública. Muito mais importante que a discussão sobre a aplicação direta das normas do CDC no tocante a Reparação por Danos causados pelo Estado nas relações de consumo contra os consumidores em geral, tendo em vista a impossibilidade financeira do próprio Estado, é a filosofia de trabalho, a idéia a ser difundida em todos os setores da administração de que a devida e salutar prestação de serviços públicos é muito mais do que obrigação é, antes de tudo, direito garantido a todos os consumidores.