Autor: Peter Panutto (*)
O novo Código de Processo Civil estabelece um sistema de precedentes judiciais, vinculando as instâncias inferiores às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como pelos demais tribunais do país, nas hipóteses previstas em seu artigo 927, situação que aproxima nosso país do common law, próprio dos países de origem britânica.
O sistema de precedentes judiciais vinculantes exigirá uma adaptação de todos os envolvidos na atuação forense, provocando uma necessária reciclagem profissional para poderem atuar nesta nova concepção da decisão judicial, a qual não ficará mais limitada ao caso concreto em que foi proferida, passando o Poder Judiciário a ter uma função prospectiva.
Juízes, advogados, membros do Ministério Público, defensores públicos e serventuários da justiça deverão reaprender a atuar no meio jurídico para compreenderem os conceitos básicos do sistema do common law, pois passará a ser comum o uso dos termos ratio decidendi, obter dicta,overruling, distinguishing, entre outros.
Aos juízes, esta nova forma de atuação se faz indispensável, pois passarão a dever obediência legal aos precedentes dos tribunais aos quais estiverem subordinados e, neste sentido, necessitarão conhecer o procedimento adequado a esta nova forma de atuação. Além disto, nos termos do artigo 489, parágrafo 1o, do novo Código de Processo Civil, o juiz deverá demonstrar a correlação ou distinção do caso em julgamento com a razão de decidir (ratio decidendi) do precedente invocado e não apenas invocar ou afastar precedente limitando-se a mencioná-lo na fundamentação.
Os advogados, membros do Ministério Público e defensores públicos que estiverem aculturados a esta nova realidade assumirão posição de vanguarda no meio forense, pois passarão a colher vitórias processuais pelo correto uso das ferramentas comumente adotadas em países de common law. A atividade forense não mais permitirá a simples citação desconexa de súmulas, julgados, ementas e jurisprudência, sem que se demonstre a correlação da razão de decidir do precedente com o caso paradigma, cabendo a estes profissionais, em suas petições, o mesmo dever de fundamentação específica exigido dos juízes quando da prolação da sentença.
E, em razão disto, os Cursos de Direito brasileiros deverão se adequar a esta nova realidade, de modo a formarem de bacharéis com a visão crítica necessária para a compreensão, invocação, criação e interpretação dos precedentes judiciais vinculantes.
Como nossa cultura jurídica é pautada no sistema do civil law, todo o ensino do Direito é fundado no ensino das leis, utilizando-se do estudo de casos, na maioria das vezes, apenas como demonstração da forma de aplicação de algum dispositivo legal. A análise dos fatos que geraram o conflito fica em segundo plano, pois se privilegia a aplicação da lei ao caso concreto.
Por isto, o estudo de casos nos Cursos de Direito deverá ser incentivado, superando-se a costumeira análise das decisões como forma de compreensão e julgamento dos conflitos, para se permitir aos alunos a identificação da razão de decidir para a correta identificação do precedente aplicável ao caso em estudo.
Esta adaptação dos profissionais das carreiras jurídicas deve ser imediata e demandará muito estudo individual de cada profissional, além de fomento de cursos pelos respectivos órgãos de classe, responsabilidade que também deve ser assumida pelas Universidades na criação desta nova cultura forense.
Além disto, o novo Código de Processo Civil, nos termos de seus artigos 3o e 6o, também exige um profissional mais consciente de sua função na realização da justiça, apto a colaborar com a solução de conflito por meio da conciliação ou da mediação, pois o novo sistema não deixa este encargo exclusivamente nas mãos do julgador.
Para tanto, diante deste desafio imposto pelo novo Código de Processo Civil, os Cursos de Direito deverão adaptar seus projetos pedagógicos ou, ao menos, reestruturar as disciplinas afins, para a adequada formação dos bacharéis em Direito, visando formar profissionais conscientes de seu papel na realização da justiça, aptos a atuarem no processo judicial democrático que ora se implementa.
Autor: Peter Panutto é advogado, mestre e doutor em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino.Diretor e professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da PUC-Campinas.