Aspectos de direitos material e processual decorrentes do parentesco na união estável

Alex Sandro Ribeiro

Advogado em São Paulo
Pós-Graduado em Direito Civil no UniFMU
Membro da 4ª Turma Disciplinar – TED IV/OAB/SP

ÍNDICE
Notas introdutórias; 1. A linhagem parental; 1.1. Linha reta; 1.2. Linha colateral; 2. Parentesco por consangüinidade; 3. Parentesco por afinidade; 4. Parentesco e afinidade ilegítimos; 5. O código civil de 2002 e a matéria face ao direito processual; 5.1. Separação cautelar de corpos; 5.2. Embargos à execução; 5.3. Abertura da sucessão pelo companheiro supérstite; 5.4. Companheiro em juízo como testemunha; 5.5. Renúncia a alimentos; 5.6. Pedido de interdição;

NOTAS INTRODUTÓRIAS
As pessoas vivem, essencialmente, em sociedade. Fazem-no de diversas formas, durante a vicissitude da vida. É o que nos permitem defluir as sociedade civis, comerciais e familiares. Todos entes abstratos que, sem constituir uma realidade do mundo sensível, pertencem ao universo das instituições e dos ideais destinados a perdurarem no tempo, não raro em caráter perpétuo.
Limitemo-nos à família. Nesta instituição jurídica, as pessoas se amoldam e se enquadram de três formas distintas, ora vinculando-se em razão da união conjugal ou convivencial, ora por força dos laços sangüíneos que os unem, ora simplesmente em razão da afinidade que se fizeram nascer. Parentesco, assim, “é o nexo existente entre pessoas unidas pelo mesmo sangue ou que se unem pelo sangue de seu cônjuge.” (Antônio José de Souza Levenhagem. Código civil – comentários didáticos, p. 206)
Na dinâmica atual do Direito, ao lado do vínculo matrimonial, que dá ensanchas aos laços de afinidade, deve-se arrolar a união estável, que também compõe o tripé constitucional da entidade familiar (ao lado do casamento e da família monoparental) e, certamente, inegável tratar-se de forte célula na formação do Estado.
Saber da ocorrência do instituto do parentesco é de extrema relevância aos operadores do Direito. É de sua presença que nascem direitos e obrigações, espelhados por todo o Código. Já no início da entidade familiar, vê-se a lembrança do instituto, ao trazê-lo como fator proibitivo do casamento, impedindo-o caso haja grau de parentesco entre os nubentes, bem ainda no Direito Processual, quanto às pessoas que podem ser testemunhas. Também o é quanto à união estável, pois a presença do impedimento matrimonial transforma esta união em concubinato. Segue-se, ao depois, a questão do direito sucessório, o fim da vida e da personalidade jurídica da pessoa natural. Também aqui, interessa o parentesco, para saber, verbis gratia, da ordem na vocação hereditária e da qualidade do herdeiro.
Enfim, “a compreensão do parentesco é a base para inúmeras relações de dierito de Família, com repercussões intensas em todos os ramos da ciência jurídica.” (Silvio Venosa. Direito civil, p. 215)
Vejamos, então, de que forma estes institutos interessam ao Direito, no que diz respeito às relações de parentesco.
1. A LINHAGEM PARENTAL
O liame parental se estabelece através de linhas. Linhas que tais referem-se a ordem de parentesco, à série de pessoas oriundas de um tronco ancestral comum, podendo ser reta ou transversal. Cada linha representa uma geração familiar, os mais próximos excluindo os mais remotos, seja subindo a contagem até o tronco comum, seja descendo dele; seja, enfim, contando-se transversalmente a partir da origem comum.
As linhas são a série de pessoas provindas do mesmo tronco ancestral. O grau é a distância entre uma geração e outra, de modo que a série de graus é que forma a linha.
Há duas linhas no parentesco:
1.1. LINHA RETA
Encontram-se nesta linha todos os parentes que descendem diretamente uns dos outros. É nesta em que se pode encontrar o filho em relação ao pai, ou em relação ao avô, ou vice-versa, de forma infinita. A linha reta é ascendente ou descendente. Quando, partindo do tronco comum, iniciar-se a contagem para baixo, haverá descendência. Se, ao contrário, trilhar-se para cima, haverá ascendência.
1.2. LINHA COLATERAL
A colateralidade, como o próprio nome está a sugerir, se verifica quando se traça um paralelo, dois caminhos ladeados e originados de um tronco ancestral comum, conquanto descendam de pessoas diferentes. São parentes transversais, ou colaterais, as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem uma da outra.
A linha colateral pode ser igual ou desigual. Aquela, “quando entre o antepassado comum e os parentes considerados a distância em gerações é a mesma”; esta, “quando há diversidade de distâncias entre os parentes considerados e o tronco comum” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, p. 233).
2. PARENTESCO POR CONSANGÜINIDADE
Tratou o Código Civil do vínculo jurídico havido entre os membro de uma família, que descendem de um tronco comum. São todos unidos, umbilicalmente, pelos laços de seus antepassados. Nesta categoria de parentes, as ramificações da árvore familiar, em tempos idos e remotos, se encontram de modo a especificar a sua origem. As vertentes da árvore familiar têm uma mesma raiz, têm um tronco comum.
Estabelece-se tanto pelo lado masculino, como pelo lado feminino. Ao primeiro, observa-o bem, Washington de Barros Monteiro, denominou-se outrora de agnação, em contraposição ao segundo, denominado cognação. No período de Justiniano, contudo, a expressão cognado abrangia todos os parentes, tanto os da linha masculina como os da linha feminina (ob. cit., p. 231).
3. PARENTESCO POR AFINIDADE
Em verdade, a afinidade não deveria ser tratada como causa de parentesco, porque tecnicamente parentes são apenas os que descendem de tronco comum, os que tem a mesma origem sangüínea. Afinidade seria apenas um fingimento da lei, uma ficção jurídica, porque não decorre da natureza humana ou de laços sangüíneos. Contudo, assim não entende o legislador, porém atento à situação, cingiu o instituto aos parâmetros ditados pela lei, deixando com índole estritamente pessoal. Nesse particular afigura-se tenha sido mais técnico o Código Civil de 1916, que não tratou explicitamente os afins como parentes, mas disse apenas que cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo vínculo de afinidade (art. 334).
De sua vez, o Código Civil de 2002 repetiu o mesmo texto do revogado artigo 334, acrescendo-lhe o companheiro, mas, trouxe o § 1º do artigo 1.595, dizendo “parentesco por afinidade”. Afinidade, então, é causa legal expressa de parentesco, ou seja, quando então o artigo 1.694 do Código Civil de 2002 verberou que “podem os parentes … pedir uns aos outros os alimentos …”, possibilitou a faculdade de pleitear alimentos dos cunhados e dos sogros? Aparentemente, sim, porém essa conclusão vulnera todo um sistema legal, social, ético e moral.
De todo modo, o parentesco por afinidade resulta daquele estabelecido entre um cônjuge ou companheiro e os parentes consangüíneos do outro. Não haverá, contudo, nenhum parentesco por afinidade entre os afins de uma pessoa, com os parentes afins da outra (os concunhados).
Com a constituição da união estável, vêm à baila uma variada gama de efeitos jurídicos, como facilmente se vislumbra dos direitos e obrigações pessoais e patrimoniais, tanto em relação aos companheiros como em relação à prole. Entre os efeitos dessa entidade familiar, arrola-se o liame que se constitui entre os parentes de um dos companheiros com os do outro, por força da novel disciplina material privada, insculpida no já citado artigo 1.595 do Código Civil de 2002.
A este vínculo estabelecido dá-se o nome de parentesco por afinidade, que assemelha-se ao por consangüinidade no que concerne às gerações, espécies e contagem de graus. Diferencia-se, contudo, pela extinção, pois mantém-se incólume ad eternum a afinidade em linha reta, mesmo após a dissolução do vínculo que a originou (casamento ou união estável), o que aliás justifica o impedimento matrimonial neste tocante; porém, extingue-se a linha transversal quando do passamento de um dos companheiros.
O instituto não é novo. Nova é a sua instituição para a união estável. Antes, havia apenas para o casamento, gerando efeitos entre os cônjuges. Na nova Lei Civil, tal abrangerá também os companheiros.
4. PARENTESCO E AFINIDADE ILEGÍTIMOS
Tanto no parentesco por consangüinidade, como no por afinidade, há a distinção de ilegítimo com legítimo. Questão que se coloca sobre o parentesco por afinidade, quanto à espécie, é saber se na união estável é possível a ilegítima. Seria? Na vigência do Código de 1916, comentava-se essa espécie como sendo a “afinidade entre determinado varão e os parentes de sua companheira, se entre eles existe simples mancebia; ou melhor, a afinidade será ilegítima se decorre tão-somente de união livre ou extraconjugal”(Washington, ob. cit., p. 235). Após a Constituição Federal de 1988, irrompeu-se a fronteira da filiação ilegítima com a legítima, proibindo-se qualquer discriminação quanto aos filhos.
Ilegítimo é o parentesco que não procede do casamento, mas da união de duas pessoas de sexo diferente, sem estarem vinculadas ao casamento. Subdivide-se o parentesco ilegítimo em simplesmente ilegítimo e em espúrio, e este, por sua vez, subdividindo-se, ainda, em adulterino e incestuoso. Neste sentido Levenhagem (ob. cit., p. 207).
Para Silvio Venosa, “com a proteção e reconhecimento legal da união livre, o parentesco ilegítimo deve-se submeter aos mesmos princípios e restrições do parentesco legítimo, sob pena de converter-se a união estável em instituição proeminentemente ao casamento, desse modo, por exemplo, ainda que lege ferenda, os impedimentos matrimoniais devem atingir também o parentesco ilegítimo e, na esfera processual, os parentes ilegítimos devem sofrer restrições para servir como testemunha (art. 405, § 2º, I, do CPC)” (Direito Civil, p. 216).
Contudo, é exatamente a extramatrimonialidade que caracteriza a união estável, donde se pode defluir a inaplicabilidade desta classificação ao instituto sub studio. Porém, com passar d”olhos mais acurado, mostra-se possível aplicá-lo. É que, quando tratou da união estável, o Código Civil recepcionou o concubinato, tratando-o como sendo as uniões entre pessoas sob os efeitos dos impedimentos matrimoniais. Logo, o parentesco por afinidade eventualmente existente, aqui, será classificado como ilegítimo, embora não se pode olvidar que a Lei reservou afinidade apenas ao casamento e à união estável, não ao concubinato.
5. O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A MATÉRIA FACE AO DIREITO PROCESSUAL
Desde a Constituição de 1988, mais célere e eficaz tornou-se o acolhimento das pretensões inerentes às uniões extramatrimoniais, máxime o concubinato. Porém, como sói poderia ser, denegação de pleitos não faltaram jurisprudência afora. E, por força do artigo 1.595 do Código Civil de 2002, cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade, complementando no §§ 1º e 2º que o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro, sendo que, na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Vejamos, sucintamente, algumas questões que a priori interessam ao objeto do presente estudo.
5.1. SEPARAÇÃO CAUTELAR DE CORPOS
Há muito fundamentou-se repetidamente que esta medida não era de separação de corpos, pois as partes não eram casadas. Tratavam-nas, mais das vezes, como reles titulares de imóvel comum, portanto condôminos por força de sociedade de fato regida pelo direito das obrigações, onde ademais conviviam amasiados. Satisfativa a cautela, não podia ser deferida uma medida liminar, já que a ação, na qual se busca uma sentença definitiva, é principal e não cautelar. Ou seja, o nome cautelar é falsidade, dado apenas para que na ação ordinária se logre obter uma liminar. E na contenda não existia o caráter conjugal da coabitação, porquanto concubinos não coabitam: coabitação é nomen iuris do dever jurídico específico de darem-se em relações carnais os casados. Concubinos se entregam nas relações sexuais, mas isto não lhes é dever jurídico. Tudo se resolvia, então, num conflito de interesses patrimoniais.
Negava-se, portanto, medidas cautelares de afastamento do companheiro ou, simplesmente, para a separação de corpos autorizando a saída do lar. Com mais abrandamento, porém ainda contrário à tutela cautelar, é o venerando Aresto inserto em JTJ 201/139, que entendia inadmissível “sem motivo justificado o pedido de afastamento do lar em caso de união estável”.
Com o tempo, evoluiu o pensamento. Se é verdade que, segundo o entendimento jurisprudencial então predominante, inadmissível era a medida cautelar de separação de corpos para os casos de concubinato ou de sociedade de fato – privativa do cônjuge, por ter a obrigação de coabitar com o outro (RJTJESP 111/189, 126/105 e 134/168), decisões em contrário existiam, sustentando, com base nos §§ 3º e 8º do artigo 226 da Constituição da República, que a entidade familiar formada pela união estável entre o homem e a mulher gozava da proteção do Estado, devendo ser criados mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, baseados no poder geral de cautela do Juiz (RJTJESP136/216 e JTJ 155/95. No mesmo sentido: RJTAMG 58/46, RSTJ 25/472 e STJ-RJ 171/49; RT 721/87, JTJ 160/53, 164/119, 187/63 e 212/122), com aplicação, se houver necessidade, do princípio da fungibilidade, para eventual adequação da inicial à idéia de cautelar inominada (RJTJESP132/202).
A tese contrária ao pleito escudava-se no paralelo entre concubinato e casamento, paralelo esse que facilmente pôde-se afastar. Bastou que não se formulasse o pleito da medida provisional do artigo 888, inciso VI, do Código de Processo Civil (afastamento temporário do cônjuge da morada do casal). Essa medida, específica, é claro que se circunscreve aos que são casados, o que não se confunde com a pretensão de retirada do concubino, ou companheiro, do lar, em vista dos riscos que seu comportamento acarreta. Embora perfeitamente justificável o enfoque diferenciado, tendo-se em vista o texto do inciso do artigo 888 do Código de Processo Civil, qualificado por Galeno Lacerda como eufemismo para designação de separação de corpos (Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, t. II/206), em se tratando de mero concubinato, a matéria somente poderia ter sido decidida à luz do artigo 798 do mesmo Código, que cuida do poder geral de cautela do Juiz.
Não se pode negar que a figura do concubinato existe e que dessa convivência nasceu uma família. Ora, se essa união existe e inclusive tem o reconhecimento constitucional, é forçoso convir que ela se concretiza pela vida em comum de duas pessoas, os concubinos. Resultando, pela conduta de um deles, insuportável essa comunhão diuturna, acrescida da recusa, ao mesmo tempo, de afastar-se da moradia, não há razão jurídica para, em tese, obstar que o outro pleiteie sua remoção coercitiva. Inexiste proibição, nesse sentido, no ordenamento, a revelar a possibilidade da pretensão deduzida. E, ademais, o interesse de agir está presente, não só na perspectiva da necessidade, mas também da adequação, pois valer-se-á o companheiro de cautelar inominada.
Logo, o recurso ao Judiciário é a única opção que resta ao companheiro, demonstrando, quantum satis a necessidade da prestação jurisdicional e, pois, a presença do interesse de agir.
5.2. EMBARGOS À EXECUÇÃO
Tendo um bem constrito em processo de execução, poderia o companheiro do devedor opor-se à execução através de embargos, nestes aduzindo impenhorabilidade de bem de família? Entendeu que sim o E. Tribunal de Justiça paulista (JTJ 164/136).
Tratava-se de recurso manejado pela Fazenda do Estado de São Paulo aduzindo, em apertada síntese: I) que há ilegitimidade ativa porque a embargante não se enquadra nas expressões previstas no artigo 1º da Lei n. 8.009, de 1990 (cônjuges, pais, filhos); II) que o bem pertence ao concubino e não à embargante; III) que a embargante não merece a proteção da lei porque não provou a estabilidade da união; e, IV) que a geladeira penhorada é do tipo “duplex”, bem de luxo, que não pode em absoluto ser considerado indispensável.
Não obstante o respeitável arrazoado do fisco, vê-se que a razão acompanha a Corte. É a própria Constituição da República que estabelece que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (artigo 226, § 3º), entendendo-se, “também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (artigo 226, § 4º). Não resta dúvida, assim, que se aplica ao caso concreto o artigo 1º da Lei n. 8.009, de 1990, donde se dessume a possibilidade da oposição, por embargos, externada pela companheira.
5.3. ABERTURA DA SUCESSÃO PELO COMPANHEIRO SUPÉRSTITE
Que o companheiro ostenta direito sucessório, havido em razão de passamento, não se discute mais. Abrigava-lhe a Lei n. 8.971/94 e, mais modernamente, o Código Civil de 2002. Realmente, a atual Constituição da República reconheceu “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (§ 3º do artigo226).
Situação que se põe é a possibilidade do companheiro requerer a abertura do inventário e a partilha (CPC, art. 987) ou ainda, se tem legitimidade concorrente, a teor do artigo 988 da Lei Instrumental Civil.
Estando o companheiro na posse e administração de bens deixados pelo de cujus, está aquele legitimado para requerer a abertura do arrolamento (artigo 987 do Código de Processo Civil), conforme, aliás, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RJTJESP 104/172).
Quer-nos parecer, entretanto, que a situação não é bem assim. Uma hermenêutica mais sistemática do ordenamento jurídico, quanto à sucessão, induz a possibilidade de haver legitimidade do companheiro apenas e tão-somente quando não houver descendentes ou ascendentes do de cujus. Em casos que tais, outrossim, poderá pleitear o reconhecimento de sua qualidade no próprio inventário (Neste sentido: JTJ 101/667. Apud: Theotônio Negrão, Código de processo civil …, nota. 1b ao artigo 988, p. 907).
5.4. COMPANHEIRO EM JUÍZO COMO TESTEMUNHA
Testemunha é a pessoa física chamada a depor em processo com o fim de fornecer prova de fatos relativos ao objeto litigioso. Podem sê-lo, como sabido, todas as pessoas capazes, exceto as impedidas ou suspeitas – e, obviamente, as proibidas. Entre os impedidos, diz o Código, está o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüínidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito. Entre os suspeitos, encontra-se, genericamente, quem tiver interesse no litígio. Pessoas que tais, entretanto, podem depor sem prestar compromisso, atribuindo-lhes o julgador o valor que possam merecer.
De igual, o artigo 228 do Código Civil de 2002 diz que não podem ser testemunhas, os menores de dezesseis anos; aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; os cegos e surdos, quando a ciência do fato, que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; bem como os ascendentes e os descendentes, ou os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade; e os cônjuges. Assim, em nosso entender, não só a afinidade em linha reta, que é a que se estabelece entre sogro, sogra, padrasto, madrasta, genro, nora e enteado (RT 467/330), desobriga a testemunha do compromisso legal como também são desobrigadas as pessoas relacionadas nos cinco incisos do artigo 228 do Código Civil de 2002.
Entretanto, nenhum dos dispositivos supra mencionados faz referência expressa sobre o companheiro. Lembrou-se do vínculo matrimonial, mas não da união estável. Sofreu do mesmo defeito havido no Código Civil de 1916, na redação do artigo 142. Não obstante, tem-se decidido que a união estável também estabelece um vínculo gerador de impedimento da testemunha (STJ-3ª Turma, REsp 81.551-TO, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 23.9.97, dju 27.10.97, p. 54.786). Aliás, o Colendo Superior Tribunal de Justiça tem acolhido contradita soerguida contra companheiro, até mesmo aventando que “não afasta o vinculo gerador do impedimento ante a equiparação constitucional do concubinato, com a entidade familiar”. Ainda que não seja impedida, inegável se mostra a suspeita em razão da amizade íntima (para se dizer pouco).
Não se deslembre que, em matéria penal, tem-se descaracterizado o crime de falso testemunho quando o depoimento é de companheiro, porque, por muito natural se tem que o parente, o amigo íntimo, o criado, o dependente não sejam capazes de se libertar da influência efetiva ou econômica decorrente dessas relações” (RT 448/359, in “Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial”, de ALBERTO SILVA FRANCO e outros, pág. 1.775, 4ª ed., Editora Revista dos Tribunais).
Diante disto, tem-se que, pode-se ouvir o companheiro como testemunha, dês que não compromissada, eis que se trata de pessoa impedida, em face da união de fato e amizade íntima com a parte, não se podendo apontar pelo que relatou, ainda que não corresponda à verdade, nem mesmo que fique tipificado o crime de falso testemunho.
5.5. RENÚNCIA A ALIMENTOS
A Constituição de 1988 provocou sensíveis alterações no âmbito do Direito de Família. Desde então, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (artigo 5º, inciso I) e os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (no mesmo sentido a união estável) são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (artigo 226, § 5º). Ante o reconhecimento da igualdade entre os sexos, que importa, inclusive, no desaparecimento da obrigação alimentar exclusiva a cargo de um dos companheiros – observado, contudo, obrigatoriamente o dever de mútua assistência, fundamento legal da referida obrigação entre os companheiros -, natural que na hipótese de dissolução amigável do vínculo convivencial qualquer deles possa renunciar aos alimentos.
O artigo 404 do Código Civil de 1916, que prescrevia a irrenunciabilidade, montava regra que, pela sua própria colocação na lei, se aplica aos alimentos devidos por efeito do parentesco. E, conforme entendimento pacífico, companheiros (tal como os cônjuges) não são parentes, donde se infere a plena possibilidade e validade da renúncia externada pelo companheiro. Assim sempre nos manifestamos.
Questão que merece especial atenção diz respeito ao artigo 1.707 do Código Civil de 2002. Segue-se ainda a dicção sumular do verbete 379 do Excelso Pretório, in verbis: “No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais.”
Na nova disciplina, a lei verberou que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos”. Veja que o Código Civil de 1916 dizia apenas que “pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos”. A novidade influente é a expressão “credor”, pois, como já se disse, o artigo 1.694 conferiu direito a pedir alimentos aos parentes, aos cônjuges e aos companheiros. Qualquer destes, portanto, pode ser credor do direito a alimentos. Sendo credor, pode apenas dispensá-lo mas não renunciá-lo. É uma interpretação forte, razoável e de extrema congruência com o texto legal. Contudo, data maxima venia, ainda que apenas por agora, entendemos que o companheiro pode renunciar o direito a alimentos.
É que, em última análise, apenas os alimentos devidos em razão do parentesco são irrenunciáveis. Uma vez dissolvido o vínculo convivencial, rompidos todos os liames, os companheiros – que não são parentes – passam a ser pessoas estranhas para as quais não subsiste o dever de mútua assistência. Por este ângulo, até mesmo independentemente da possibilidade ou não de dispensa ou renúncia aos alimentos, não tem o ex-companheiro legitimidade para reclamar o pagamento de pensão alimentícia.
Como sustentamos em matéria intitulada de União Estável: Extinção e Alimentos entre os Companheiros:
“… a própria Suprema Corte aprimorou seu entendimento, admitindo a renúncia se houve, para o renunciante, reserva de bens e meios suficientes para manter a própria subsistência (Cf. v.g., RT 85/208).
E o Superior Tribunal de Justiça, Corte não-eminentemente política, tem entendido eficaz a renúncia, como também o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Igual posição sustenta Luiz Augusto Gomes Varjão, acrescendo o incontestável argumento (no nosso sentir) de que a renúncia vedada pela Lei refere-se apenas a alimentos devidos entre parentes, o que não ocorre entre os cônjuges ou os companheiros.”
De um jeito ou de outro, entendemos válida e eficaz a cláusula de renúncia, seja pela em razão da nova ordem isonômica constitucional, seja pela ausência de parentesco entre os companheiros, seja, enfim, pela possibilidade de o renunciante ter reservas e meios suficientes para sua manutenção e sobrevivência.
5.6. PEDIDO DE INTERDIÇÃO
Tratando da curatela dos interditos, menciona o artigo 1.177 da Lei Processual Civil, que a interdição pode ser promovida pelo pai, mãe ou tutor (inciso I); pelo cônjuge ou algum parente próximo (inciso II) ou ainda pelo órgão do Ministério Público (este, nos casos do artigo 1.178 da mesma Norma de Rito). Para os efeitos do presente trabalho, interessa-nos apenas a pertinência subjetiva ativa dos parentes e do cônjuge.
Quanto aos ascendentes, não parece haver a menor dúvida. O mesmo se diga em relação ao tutor. Igual, porém, não é a hermenêutica do inciso II. A questão que se põe, agora, diz com o indagar-se do alcance da regra do artigo 1.768, inciso II do Código Civil de 2002, que manteve a mesma disciplina do seu equivalente no Código revogado (art. 447, inc. II), de resto repetida no artigo 1.177, inciso II, do Código de Processo Civil.
Quanto aos parentes legitimados, tem-se que, embora não tenha o legislador especificado explicitamente até que grau de parentesco se consideraria o interessado como legitimado à postulação, não se deve deixar de considerar que como a lei não contém expressões inúteis, há obrigatoriamente que se inferir tenha pretendido limitar as pessoas que pudessem manejar a postulação de interdição. A melhor doutrina e a jurisprudência se encarregaram de aclarar a intenção da lei. Pontes de Miranda ensina que “A expressão parente próximo não é técnica. Deviam evitá-la os legisladores. Não se pode perceber, legalmente, o que sejam parentes próximos. Na falta de critério seguro, não se deve entender que todos os parentes, conforme a lei civil, possam promover a interdição; a proximidade, aí, deve ser compreendida restritamente, e portanto só compete a promoção ao ascendente, ao descendente, ao irmão. Os afins, mesmo os mais próximos, não podem, em caso algum, provocar a interdição” (Tratado de Direito Privado, t. IX/329, § 1.037.).
Já Washington de Barros Monteiro adota posição menos rigorosa: “Essa enumeração é taxativa. Não se permite assim a estranho ou mesmo a parente afastado requerer a interdição. Sendo parente próximo, porém, surge a qualidade para requerê-la, ainda que menor ou incapaz, hipótese em que agirá por intermédio do representante legal” (Curso, p. 325).
Embora não seja tão restritivo quanto Pontes de Miranda, Washington de Barros Monteiro, como se viu, também não admite qualquer parente a manejar o pedido de interdição. Ao contrapor a expressão “parente próximo” a “parente afastado”, parece induvidoso que quis distinguir entre os que sucedem e os que não sucedem.
A jurisprudência, de seu turno, alinha-se também no sentido de considerar como “parente próximo” – na linha colateral – , aqueles aos quais a lei legitima a suceder. Confira-se, a respeito, “RJTJESP”, ed. LEX, vols. 50/119 e 56/226. Assim definido, assente que “parente próximo” não é qualquer parente, mas, sim, somente aqueles abrangidos até o quarto grau.
Entre o conceito de parente próximo, certamente, não se enquadra a pessoa do companheiro, posto que não é parente. Deste modo, estaria ele ao lado do cônjuge, por elastério e equiparação? Cremos que sim. Para tanto, basta que não haja parentes próximos plenamente capazes, nem outros da lista legal. Mesmo e a té porque, a não menção do companheiro ao lado do cônjuge no inciso II do artigo 1.768 do Código Civil de 2002 afigura-se-nos possa ser tributado à desatenção do legislador, pois mais adiante, no artigo 1.775, verberou que “o cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito”. Ora, se pode ser curador, evidente que também tem legitimidade para pleitear a interdição. Em suma, nada obsta outorgar-se ao companheiro a legitimidade para requerer a interdição (Neste sentido: JTJ 235/108).

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