Wesley Souza de Andrade
Aspectos do Divórcio Indireto
Wesley Souza de Andrade *
Sumário:
1. Observações preliminares;
2. Caráter personalíssimo da ação;
3. Pressupostos essenciais;
4. Prazo ânuo do divórcio indireto;
5. Foro competente;
6. Questões processuais relevantes;
7. Conclusão.
1. Observações preliminares
O ordenamento constitucional pátrio reconhece a família como base da sociedade, estabelecendo entre os consortes a igualdade de exercício de direitos e deveres referentes à sociedade conjugal. A nossa lei civil traz como deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca, a vida em comum no domicílio conjugal, a mútua assistência, e o sustento, guarda e educação da prole.
O instituto nuclear do direito de família é o casamento, de onde na maioria das vezes resulta a família. O casamento, segundo conceito de Silvio Rodrigues, “é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência” (“Direito Civil”- Direito de Família, vol. VI, 21a edição, Saraiva, p. 17).
Hodiernamente, porém, o casamento deixou de ser “apenas a formalização da união sexual, a satisfação biológica e social regulamentada, constitui antes uma fase adulta da vida humana, uma conjunção de matéria e espírito, solidificada em perene admiração de dois seres inteligentes que, para atingirem a plenitude do desenvolvimento de sua personalidade, se interpenetram e se confundem pelo companheirismo da tolerância e da compreensão na formação de um todo inseparável, enquanto reconhecem a necessidade e importância dessa comunhão” (Domingos Sávio Brandão Lima, “A Nova Lei do Divórcio Comentada”, O. Dip Editores Ltda, p. 13).
Desaparecendo os laços afetivos e de respeito mútuo que uniram o casal, em questão de tempo o vínculo comum perde o sentido. A discórdia, de exceção, passa a ser a linguagem do relacionamento. O lar não será mais o mesmo. A cada dia a união ganhará traços de desunião. A vida sob o mesmo teto e a comunhão de interesses tornam-se impossíveis. Só por hipocrisia se mantém algo que de fato já não existe.
Entre nós, a sociedade conjugal é extinta pela morte de um dos consortes, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial ou pelo divórcio. O casamento válido, porém, somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
A separação judicial, litigiosa ou consensual, põe fim aos deveres de coabitação, fedelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, mas não ao casamento; tanto que, seja qual for a causa da separação e o modo como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo tempo a sociedade conjugal, nos termos em que fora constituída, em nada prejudicando o direito de terceiros, adquiridos antes e durante a separação, seja qual for o regime de bens.
O divórcio é que extingue o casamento, bem como os efeitos civis do matrimônio religioso. De sorte que, se os consortes divorciados quiserem restabelecer a união só poderão fazê-lo mediante novo casamento (comete crime de bigamia — art. 235 do Código Penal — aquele que, sendo casado, contrai novo casamento). O divórcio pode ser pleiteado por via direta, após a separação de fato por mais de dois anos, ou indireta, pela conversão da separação judicial realizada há mais de um ano. Nesta oportunidade trataremos da conversão de separação judicial em divórcio, também chamada de divórcio indireto.
2. Caráter personalíssimo da ação
As ações de divórcio, assim como as de separação judicial, são personalíssimas. Só os cônjuges têm legitimidade ad causam para propô-las e contestá-las, uma vez que “ninguém mais e melhor do que eles estão em condições de avaliar os motivos do divórcio e sopesar os resultados que possam dele provir” (Edísio Gomes Matos, “Teoria e Prática do Divórcio”, Saraiva, p. 118).
Mercê desse caráter personalíssimo, que impede a substituição das partes, a morte de qualquer dos consortes é motivo de extinção do processo, na medida em que ela, em si e por si, fulmina o casamento e esvazia o objeto da lide.
Em caso de incapacidade, os cônjuges serão representados em juízo pelo curador, ascendente ou irmão. O legislador estabeleceu ordem de preferência para a representação: o curador prefere ao ascendente e este ao irmão. Essa representação pode ocorrer em qualquer fase do processo: no ajuizamento da ação, oferecimento da defesa, em grau de recurso, enfim, pode ser inicial ou posterior.
Existe divergência entre os doutrinadores a respeito da possibilidade de representação nas ações de separação e divórcio consensuais. Uns optam pela impossibilidade, argumentando que os cônjuges devem manifestar pessoalmente sua vontade perante o juiz, de nada valendo, para supri-la, o consentimento dado pelo curador. Outros, com mais razão, entendem ser absolutamente possível, pois a Lei do Divórcio prevê a representação nos procedimentos judiciais de separação e divórcio, sem ressalvar os casos amigáveis.
3. Pressupostos essenciais
De acordo com a Lei 6.515/77, chamada Lei do Divórcio, são condições para realizar a conversão em divórcio da separação judicial: o decurso do tempo, a prévia partilha e o cumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação.
O tempo flui. Vem, então, a Constituição Federal de 1988, que, no seu art. 226, § 6.°, preceitua: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos”. Com isso, exigiu-se apenas o decurso do tempo de um ano de separação judicial para conversão em divórcio.
Destarte, tornou-se verdadeira celeuma saber o que realmente é necessário para se pleitear o divórcio indireto.
Em sede jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça tem orientado no sentido de que configura óbice à decretação do divórcio por conversão a inadimplência com as obrigações assumidas quando do acordo da separação judicial (4a Turma: REsp. 58.991-SP, v.u., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; REsp. 34.372-4-SP, v.u., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. 3a Turma: REsp. 149.558-RJ, v.u., rel. Min. Ari Pargendler; REsp. 12.353-0-SP, v.u., rel. Min. Waldemar Zveiter). Sufragou-se o entendimento de que não se mostra razoável submeter o cônjuge aos percalços de um posterior processo judicial para haver do inadimplente a parte que lhe cabe por força do referido acordo.
No que tange à prévia partilha de bens do casal, exigência contida no art. 31 (Não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva de separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens), no art. 40, inc. IV (a partilha de bens deverá ser homologada pela sentença do divórcio), e no art. 43 (Se, na sentença do desquite, não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens, ou quando esta não tenha sido feita posteriormente, a decisão de conversão disporá sobre ela), da Lei do Divórcio, o Superior Tribunal de Justiça reconhece como indispensável ao divórcio indireto. Entrementes, “o divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”, segundo entendimento consubstanciado na Súmula 197 dessa Corte Superior.
Contudo, alguns tribunais vêm sufragando a tese de que a Constituição Federal somente recepcionou a condição temporal para a conversão da separação judicial em divórcio. De feito, decorrido o tempo previsto, nenhum obstáculo haverá para tal. É como decidiu a 8a Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“A conversão de separação judicial em divórcio, à luz do art. 226, § 6.°, da CF, exige apenas a observância de que a separação judicial tenha-se dado nos casos expressos em lei e que o lapso temporal de um ano da separação tenha sido observado” (Ap. 237.071-1/0, rel. Des. Massami Uyeda).
Nesta ordem de raciocínio, nem o atraso, ou irregularidade, no pagamento da pensão alimentícia, nem a ausência de partilha ou sonegação de bens, constituem óbice ao divórcio indireto. Nesse sentido, cite-se como exemplo: TJAL: 2a Câm. Cív., Ap. 97.0008139, v.u., rel. Des. José Fernandes de Holanda Ferreira. TJBA: 2a Câm. Cív., Ap. 22.606-6, v.u., rel. Des. Amadiz Barreto; TJMS: 3a Câm. Cív., AC classe “b”, XXI, n.° 61.048-2, v.u., rel. Des. João Carlos Brandes Garcia. TJPA: 3a Câm. Cív., Ap. 30.453, v.u., rel. Des. José Alberto Soares Maia. TJRJ: 5a Gr. de Câms. Cívs., Embs. 199/97, v.u., rel. Des. Nilson de Castro Dião; 10a Câm. Cív., Ap. 2000.001.3646, v.u., rel. Des. Eduardo Sócrates Sarmento; 18a Câm. Cív., Ap. 2000.001.6169, v.u., rel. Des. Jorge Luiz Habib; TJRS: 7a Câm. Cív., Ap. 597139302, rel. Des. Eliseu Gomes Torres. TJSP: 3a Câm. Civ., Ap. 221.074-1/2, v.u., rel. Des. Flávio Pinheiro; 3a Câm. Cív., Ap. 217.986-1/0, maioria, rel. Des. Antônio Manssur; 1a Câm de Direito Privado, Ap. 143.453-4/5, v.u., rel. Des. Guimarães e Souza; 1a Câm. de Direito Privado, Ap. 50.532-4/3, maioria, rel. Des. Boris Kauffmann; 3a Câm. de Direito Privado, Ap. 118.474-4, v.u., rel. Des. Waldemar Nogueira Filho; 6a Câm. de Direito Privado, Ap. 124.661-4, v.u., rel. Des. Octavio Heleno.
Aderimos sem relutância a essa última corrente, com a exegese mais flexível, pois que se coaduna com a concepção moderna do divórcio.
Sem embargo das discussões envolvendo os direitos e deveres da sociedade conjugal — máxime, no tocante aos filhos, estabelecendo alimentos, guarda, direito de visita etc. — sempre ventiladas nas ações de divórcio, não se pode olvidar que esta tem por escopo consolidar um estado de fato preexistente, regularizando o estado civil, no sentido social de possibilitar a reconstrução da vida afetiva dos divorciandos.
Hodiernamente, é desvio de perspectiva obstruir o caminho dos que desejam se apartar, com debates acerca de matérias alheias à situação fáctica conveniente, que, inclusive, poderão ser resolvidas em ação própria ulterior, longe das emoções que envolvem o casal antes de consolidar o divórcio. Ademais, o advento deste não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, tampouco tem o cunho de modificar a eficácia das disposições contidas quando da separação judicial.
Deveras, para o divórcio outra condição não impôs a Lex Mater além do decurso do tempo, sem qualquer distinção quanto à forma — direta, após dois anos de separação de fato, ou indireta, após um ano de separação judicial — cujo dispositivo (art. 226, § 6.°) tem eficácia plena e aplicação imediata, dispensando lei posterior reguladora.
Nas sábias palavras de Celso Ribeiro Bastos, “a Constituição é a fonte geradora de toda a ordem jurídica, que dela extrai seu fundamento de validade”, porquanto, “uma Constituição nova inaugura um novo ordenamento jurídico” (“Curso de Direito Constitucional”, 20a edição, Saraiva, p. 76-77). As normas constitucionais “definem horizontes, fixam balizas estabelecem contornos que governarão a ordem jurídica do país como normas fundamentais e, portanto, ocupantes do ápice da pirâmide legal” (Carlos Alberto Bittar, “O Direito Civil na Constituição de 1988”, 2a edição, RT, p. 19).
As normas constitucionais são hierarquicamente superiores, razão por que deve haver subordinação das leis ordinárias anteriores e posteriores. As leis ordinárias anteriores terão que passar pelo processo de recepção. Recebendo novo suporte da Constituição, substituindo-se o que houver de incompatibilidade .
Ocorre que, malgrado haver consenso de entendimento no que pertine ao divórcio direto exigir apenas o lapso temporal, alguns querem estabelecer, através de lei ordinária anterior, Lei do Divórcio, requisitos alheios ao texto constitucional. Data venia, sem razão. Pensamos que o divórcio indireto reclama identidade de tratamento. É improvável que a Constituição tenha discriminado coisas iguais.
Por outro lado, não colhe o argumento que alguns têm para si, de que a expressão “nos casos previstos em lei”, contida no § 6.° do art. 226, refere-se ao divórcio indireto, ocasionando a adição de requisitos contidos na Lei do Divórcio ao decurso do tempo. A bem da verdade, como leciona Sergio Gischkow Pereira, o conjunto vocabular “nos casos expressos em lei” não aparece vinculado à dissolução do casamento pelo divórcio, mas à separação judicial: sem qualquer vírgula, disse a Carta Magna: após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei (“Algumas Questões de Direito de Família na Nova Constituição”, in RT 639/247). O mestre Yussef Said Cahali, na sua “Divórcio e Separação”, tomo 2, 8a edição, RT, p. 1.198, também pensa assim.
Com efeito: a prévia separação judicial, consensual ou litigiosa, realizada nos casos expressos em lei, e a sucessão temporal, são os pressupostos essenciais para qualquer dos cônjuges pedir a conversão em divórcio.
Dois outros aspectos ainda podem ser emitidos na defesa da tese mais flexível. Primeiro, quem milita na área de família é sabedor que, na maioria das vezes, os divociandos já se uniram a novos companheiros, cabendo, pois, descomplicar o processo de divórcio para facilitar a conversão da nova união estável em casamento. É o que preconiza a Constituição. Segundo, o acumulo de serviço e a falta de estrutura das varas de família ensejam atraso na prestação jurisdicional, porquanto dificilmente um processo de separação judicial litigiosa é julgado antes de um ano, é comum até ultrapassar a dois anos. Ora, para evitar o caminho mais difícil do divórcio indireto, poderia o cônjuge propô-lo diretamente, após dois anos de separação de fato, seara onde o entendimento unânime vê como único requisito o decurso do tempo.
À guisa de conclusão: o direito de família é dinâmico e comprometido com a realidade social, e é essa realidade que reclama a exegese mais flexível, apta a atender os anseios do casal, evitando desgastes para ambos e, principalmente, para os filhos. No limiar do século XXI, a meta do divórcio será conferir às pessoas a possibilidade de buscar a felicidade não encontrada num casamento. Como dito, questões outras serão melhores resolvidas, e mais racionalmente postuladas, em ação própria, quando o casal já estiver conformado com o estado atual.
4. Prazo ânuo do divórcio indireto
Segundo a regra insculpida no caput do art. 25 da Lei do Divórcio, com nova redação dada pela Lei 8.408/93, harmonizando-o ao texto constitucional: “A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges existente há mais de um ano, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautela correspondente (art. 8.°), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou”.
De forma bem mais abrangente, o art. 44 da mesma Lei estatui que: “Contar-se-á o prazo de separação judicial a partir da data em que, por decisão judicial proferida em qualquer processo, mesmo nos de jurisdição voluntária, for determinada ou presumida a separação dos cônjuges”.
O art. 226, § 6.°, da Constituição Federal, somente estabelece a condição (separação judicial) e o decurso de tempo necessário (um ano) ao divórcio indireto, sem, no entanto, estabelecer a forma de contagem. Porquanto, o legislador ordinário ficou incumbido dessa tarefa. Cumpre ressaltar que, o decurso do prazo ânuo não é mero capricho reminescente da cultura antidivorcista, mas, meio de evitar divórcios precipitados — eivados mais de egoísmo do que de razão — quando ainda existir a possibilidade de reconciliação. O tempo, no caso, serve para reflexão do passo a ser dado.
Do confronto dos citados dispositivos legais, percebe-se a necessidade de o intérprete descobrir e fixar-lhes os sentidos através dos diversos métodos interpretativos, para daí poder aplicá-los ao caso concreto, certo de que está atento aos seus fins. “Uma das mais altas e prestantes funções dos juristas”, esclarece Pontes de Miranda, “é a de definir o conteúdo dos termos empregados pela lei, para que flua sem contradições o sistema jurídico, que é sistema lógico” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, Forense, p. 271 e 272).
Pois bem. Em primeiro lugar, cumpre-se deixar claro que ao divórcio indireto é imprescindível a separação judicial, seja litigiosa ou consensual. De nada importa a existência de ação anterior que faça presumir a separação de fato do casal. Por isso, “é incabível converter medida cautelar de separação de corpos em divórcio” (STJ, 3a Turma, REsp. 29.692-8/MG, por maioria, rel. Min. Costa Leite).
Fere frontalmente a Carta Magna, e também a Lei do Divórcio, querer atribuir eficácia de separação judicial a situações de presunção de separação de fato, como é o caso de ajuizamento de medida cautelar de arrolamento de bens (arts. 855 e ss. do CPC), de busca e apreensão de filho requerida por um dos cônjuges (art. 839 e ss. do CPC) etc. Entretanto, pode-se contar o prazo de um ano da data em que for julgada medida cautelar preparatória, desde que a ação principal, separação judicial, seja proposta no prazo de 30 dias, contado da data da efetivação da medida (art. 806 do CPC).
Consoante o mencionado art. 25, o prazo ânuo será contado a partir da decisão que conceder a separação judicial ou a medida cautelar de separação de corpos, fazendo referência ao art. 8.° da mesma Lei, que reza: “A sentença que julgar a separação judicial, produz seus efeitos à data de seu trânsito em julgado, ou à decisão que tiver concedido separação cautelar”. Daí, tem sido motivo de controvérsias saber se há, ou não, necessidade de trânsito em julgado da sentença que julgar a separação, para o início do prazo.
Alguns sustentam que o termo a quo do prazo ânuo deve ser fixado na data do trânsito em julgado da decisão que decretou a separação ou, se tiver sido a mesma antecedida de separação cautelar, da data do trânsito em julgado da decisão proferida na cautelar. É o que pensam os mestres Pedro Sampaio e José Abreu: “o legislador não poderia valer-se de um acontecimento passível de modificação para fazê-lo marco na contagem de um prazo. Jamais. O dies a quo haverá de ser imutável e indiscutível, como a coisa julgada, que encerra tais características. Enquanto uma decisão ou sentença estivesse passível de modificação, através de recurso cabível, não serviria, evidentemente, como dies a quo para a contagem do prazo do art. 25” (“O Divórcio no Direito Brasileiro”, Forense, p. 129). Entendimento, inclusive, sufragado pela 2a Câm. Cív. do Tribunal de Justiça da Bahia, na Apelação 972/81, onde foi relator o Desembargador João Azevedo Cavalcante: “A conversão da separação judicial em divórcio só é possível após o decurso do prazo da data em que transitou em julgado a sentença que decretou a separação judicial dos cônjuges”.
Noutro rumo, ao nosso sentir com inteira razão, tem-se entendido que o ato decisório é suficiente para caracterizar o início do prazo. O preeminente Yussef Said Cahali, citando o ilustre Limongi França, leciona: “não obstante a remissão do art. 8.°, feita no art. 25, o termo inicial da contagem é diverso do aludido naquele preceito: enquanto o art. 8.° fala em data do trânsito em julgado da sentença e data da decisão sobre a medida cautelar, o art. 25 se refere com clareza à data, não de qualquer trânsito em julgado ou preclusão, mas dos atos jurisdicionais decisórios, tanto da separação como da medida cautelar. Em conclusão: é a partir daí, do dia desta decisão, que se conta, de lege, o prazo agora de um ano exigido pela Constituição” (“Divórcio e Separação”, tomo 2, 8a edição, RT, p. 1.118 a 1.119). Esse norte também é seguindo pelo Prof. Silvio Rodrigues, para quem “condicionar o divórcio ao trânsito em julgado da sentença final seria adiar a justa pretensão de um dos cônjuges, em obter a dissolução do casamento, por um longuíssimo período” (“O Divórcio e a Lei que o Regulamenta”, Saraiva, p. 101). Em sede jurisprudencial, a 3a Câm. Cív. do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deixou assente que: “Desde que comprovado que os cônjuges estão separados em decorrência de separação consensual por mais de 1 ano, defere-se a conversão em divórcio por eles requerida, independentemente do trânsito em julgado da sentença que deferiu a referida separação” (Ap. 86.523/3, rel. Des. Ayrton Maia).
Deveras, os arts. 25 e 44 da Lei do Divórcio não exigem a decisão transitada em julgado para o início da contagem do prazo, suficiente é, pois, a sentença definitiva. A remissão ao art. 8.° foi no sentido de excetuar a sua regra (somente a título comparativo, note-se que quando o legislador quis excetuar a regra do art. 48 no parágrafo único do art. 35, também procedeu da mesma maneira). A propósito:
“O art. 25 da Lei 6.515, de 1977, pela sua clareza, fala que o prazo se conta da data da decisão que concedeu a separação ou medida cautelar, exceção à regra do art. 8°, que marca a data do trânsito em julgado para que a decisão produza seus demais efeitos. Não fosse a intenção do legislador excepcionar a regra do art. 8°, desnecessário seria fazer alusão à contagem do prazo no art. 25. Se a lei não deve conter inutilidades, inútil seria a referência do art. 25 se todos os efeitos da sentença que julgasse a separação se encerrassem no contexto do art. 8° (RJTJESP 92/80, 112/273, RT 601/79, Amagis 10/345” (THEOTÔNIO NEGRÃO, “Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor”, 30a edição, Saraiva, p. 1.160).
O trânsito em julgado é realmente indispensável à propositura da ação de divórcio indireto, pois, do contrário correr-se-ia o risco de vê-se decretado o divórcio quando ainda pendente a lide relativa à separação judicial. Mas, não se pode exigir o trânsito em julgado da sentença para iniciar o cômputo do prazo ânuo. Assim, por exemplo, se a sentença de separação é prolatada em 20 de janeiro de 2000, e as partes recorrem ao tribunal, que somente julga o recurso em 20 de dezembro de 2000, e a decisão transita em julgado em 5 de janeiro do ano subseqüente, tem-se que em 21 de janeiro de 2001 é dado ao cônjuge interessado ingressar com o pedido de divórcio.
Em conclusão à problemática, através de interpretação lógico-sistemática dos arts. 8.°, 25 e 44 da Lei do Divórcio, bem como do art. 226, § 6.° da Constituição, pode-se fixar três premissas: (a) seja como for, o divórcio indireto reclama prévia separação judicial; (b) o trânsito em julgado da sentença que concede a separação é necessário ao ajuizamento da ação; (c) o termo a quo do prazo ânuo, porém, prescinde o trânsito em julgado.
Finalmente, observa Yussef Said Cahali, que o prazo legal de um ano não se interrompe nem se suspende, nem mesmo em face de uma eventual reconciliação do casal. E mais: “a exemplo do que acontece com o biênio que possibilitada a ação de divórcio direto, o prazo ânuo da conversão da separação judicial em divórcio pode ser completado no curso do processo, por aplicação do jus superveniens, expressamente adotado no art. 462 do CPC” (“Divórcio e Separação”, tomo 2, 8a edição, RT, p. 1.126).
5. Foro competente
Estatui o art. 100, inc. I, do CPC, que é competente o foro do domicílio da residência da mulher para a ação de conversão de separação em divórcio. Porém, ao nosso sentir, o foro privilegiado da mulher casada não se coaduna com o princípio da igualdade, ou isonomia, estampado na Constituição Federal.
Sabe-se que tal princípio é auto-aplicável “e deve ser considerado sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei é exigência dirigida ao legislador, que no processo de formação da norma, não poderá incluir fatores de discriminação que rompam com a ordem isonômica. A igualdade perante a lei pressupõe a lei já elaborada e dirige-se aos demais Poderes, que, ao aplicá-la, não poderá subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório” (STF, RDA 183/143).
Para a Carta Magna, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (art. 5.º, inc. I). Ora pois! não há falar-se em foro privilegiado da mulher em detrimento do homem. Demais, o mesmo ordenamento reza que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5.º). Portanto, a Constituição pôs homem e mulher em pé de igualdade, sem preconceitos e, principalmente, sem discriminações. E essa igualdade deve ser observada tanto no plano do direito material como no do direito processual.
Yussef Said Cahali compartilha do mesmo entendimento: “Temos para nós que já não mais prevalece o foro privilegiado, assim estabelecido a benefício da mulher casada, porquanto conflita com princípio da igualdade entre os cônjuges, proclamado no art. 226, § 5.º, da Constituição Federal de 1988” (“Divórcio e Separação”, tomo 1, 8a edição, RT, p. 594).
Na sua “O Direito Civil na Constituição de 1988”, p. 64, Carlos Alberto Bittar expõe com muita propriedade: “Outro ponto nodal da nova estrutura familiar é o da igualdade de direito entre homem e mulher na sociedade conjugal, que rompe com todas as regras discriminatórias existentes em nossa legislação codificada, tanto as de proeminência do marido, quando as de compensação ou privilégios outorgadas à mulher, tais como a chefia do lar conjugal, a fixação do domicílio do casal, a representação da família pelo marido, a formação de patrimônio próprio pela mulher e outras”.
Entretanto, nossos tribunais continuam firmes no sentido de que o foro da residência da mulher é o competente para o pedido de conversão da separação judicial em divórcio. Deixando de observar a flagrante incongruência da norma ordinária com a norma constitucional.
Para nós, esse pensamento merece reforma, porque com a evolução dos tempos a mulher deixou de ser a parte fraca da relação jurídica processual. A prática nos mostra constantemente situações em que a mulher é superior intelectual e financeiramente ao homem. Quanto a esse último aspecto, segundo recente pesquisa de emprego elaborada pelo IBGE, as mulheres estão conseguindo mais trabalho que os homens; em 1995 as mulheres eram responsáveis por 23% das famílias brasileiras; em 1999 cuidavam da casa, da saúde e das finanças de 26% dos lares. E mais: conforme pesquisa sobre condição de vida feita pela Fundação SEADE, as mulheres já são maioria entre os trabalhadores brasileiros, com participação de 51% na força de trabalho.
Conclusão: pensamos que a competência às ações de divórcio indireto é fixada pela residência do marido ou da mulher, ou do juízo por onde tramitou a separação judicial correspondente.
Não há prevenção de competência em função de continência ou conexão entre as ações de separação e de conversão em divórcio, como alguns supõem. São, em verdades, ações distintas e autônomas. Por outro lado, não se justifica a escolha arbitrária de juízo perante o qual a separação não foi decretada e que não seja da residência de qualquer dos desquitados.
Seja como for, o caso é de competência relativa, ratione loci, e não absoluta, ratione materiae, sendo vedado ao juiz declarar sua incompetência de ofício, sem argüição expressa da parte interessada. É o que estabelece a Súmula 33 do STJ: “A incompetência relativa do juízo não pode ser declarada de ofício”. Noutra perspectiva, mesmo se admitindo o privilégio de foro à mulher casada, tem-se que esta poderá renunciá-lo.
6. Questões processuais relevantes
A petição inicial da ação de divórcio indireto deve obedecer aos requisitos estabelecidos nos arts. 282 e 283 do CPC. Deve conter os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, através dos quais o juiz verificará se estão presentes todos os elementos essenciais à procedência do pedido.
Ajuizada a ação no mesmo foro onde se procedeu à separação judicial, ela será distribuída por dependência à mesma vara. Autuado e registrado o pedido, será apensado o processo da separação judicial. Essa diligência pode ser determinada de ofício pelo juiz. Caso a ação seja ajuizada em juízo diferente da separação, deverá ser instruída com a certidão da separação, ou de sua averbação no assento de casamento. Essa mesma providência deve ser tomada no caso de extraviamento dos autos.
Sem embargo de a Lei do Divórcio só se referir à conversão de separação em divórcio formulada por “qualquer dos cônjuges”, é tranqüila a possibilidade de ambos fazê-lo, consensualmente. Nessa hipótese, a petição inicial será assinada pelo casal; caso os cônjuges não poderem ou não souberem escrever, é lícito que outrem assine a petição a rogo deles; as assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão, obrigatoriamente, reconhecidas por tabelião. É permitido que o procurador com poderes especiais expressos subscreva a petição inicial.
Vale salientar que o divórcio indireto consensual é procedimento de jurisdição voluntária, não suspendendo o seu curso o advento das férias forenses, assim também, “não há falar em audiência de ratificação do pedido” (TJMG, 5a Câm. Cív., Ap. 5.844/6, v.u., rel. Des. Campos Oliveira). Presentes os requisitos e ouvido o Ministério Público, o juiz preferirá sentença.
Proposta a ação por qualquer dos desquitados, o juiz determinará a citado do outro, para que no prazo de quinze dias conteste a ação. Note-se que não há necessidade de audiência prévia de conciliação. A contestação tem conteúdo limitado pelo parágrafo único do art. 36 da Lei do Divórcio, ou seja, só pode fundar-se em: falta do decurso de um ano da separação judicial (inc. I); descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação (inc. II). Ao nosso sentir, essa última hipótese prevista na lei ordinária, como visto anteriormente, não foi agasalhada pela Constituição Federal, de sorte que o eventual descumprimento de obrigação assumida na separação não constitui óbice ao divórcio.
Além disso, pode o cônjuge apresentar exceção de incompetência relativa, impedimento ou suspeição do magistrado, bem como alegar na contestação, em preliminar, qualquer das matérias relacionadas no art. 301 do CPC. É incabível reconvenção.
Discute-se nesses processos a existência ou não dos elementos necessários à concessão do divórcio pela via indireta, i.e., existência de prévia separação judicial e decurso de tempo. Incabível, pois, discussão acerca de cláusulas estabelecidas na separação, o que poderá ser feito por meio de ação autônoma. Assim, por exemplo, não é dado pleitear aumento, diminuição ou exoneração de pensão alimentícia; correção de omissão na partilha de bens; anulação de cláusula por vício de consentimento, enfim. Só se admite a modificação de cláusula estipulada na separação judicial se houver consenso entre os cônjuges.
É desnecessária a audiência de conciliação no processo de conversão, “com isto se evita o constrangimento de um reencontro dos ex-cônjuges, o que não traria nenhum proveito para a Justiça, que esses, sem êxito, já foram ouvidos pessoalmente no processo de separação judicial” (Yussef Said Cahali, “Divórcio e Separação”, tomo 2, 8a edição, RT, p. 1.150).
Não havendo contestação, ou não havendo necessidade de produzir prova em audiência, o juiz conhecerá diretamente do pedido, ou seja, julgará antecipadamente a lide, sem inútil designação de audiência. A improcedência do pedido de conversão não impede que o mesmo cônjuge o renove, desde que satisfeito o requisito não cumprido.
Sob pena de nulidade absoluta, a intervenção do Ministério Público é obrigatória (art. 246 c/c art. 82, inc. II, do CPC). Lembrando-se que o que nulifica os atos processuais nesses casos não é a falta de efetiva manifestação deste, mas, sim, a falta de intimação do seu representante legal.
A sentença que julgar o pedido não constará a causa determinante da separação judicial anterior (art. 25, caput), deve limitar-se à conversão desta em divórcio (art. 37, § 1.º).
Na sentença será determinado que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair o matrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se a alteração acarretar: (a) evidente prejuízo para a sua identificação; (b) manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhos havidos da união dissolvida; (c) dano grave reconhecido em decisão judicial (art. 25, § único). Não ocorrendo motivo para que se enquadre nas exceções da lei, a sentença determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair o matrimônio. “Trata-se de norma cogente, de incidência imediata” (STJ, REsp. 146.549, rel. Min. Costa Leite).
7. Conclusão
Recentemente tivemos notícia de que a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição n.º 22/99, do deputado Ênio Bacci, que autoriza o divórcio após um ano de separação de fato ou de direito. O mérito da matéria será analisado agora por uma Comissão Especial. Penso que essa Proposta de Emenda vingará, pois a tendência moderna é afastar os obstáculos do caminho daqueles que recorrem ao judiciário para divorciar-se.
Não se trata de pregar a cultura divorcista entre nós, mas, de deixar de lado a hipocrisia. A liberdade real de que gozam homem e mulher no casamento nos tempos modernos, faz com que ambos reflitam mais acerca de suas vidas, dos rumos tomados pela união. Só eles, diante de suas individualidades, saberão quando o casamento faliu. E se batem às portas do Judiciário, após o lapso de tempo fixado em lei, é porque já estão convictos do caminho a seguir. Cabe, assim, ao Judiciário buscar a conciliação, agilizar a prestação jurisdicional para evitar maiores dissabores entre o casal, enfim… Jamais servir de obstáculo, no desejo antiquado de forçar uma reconciliação ou inibir o divórcio.
Wesley Souza de Andrade é Advogado em Alagoas