por Pablo Andrez Pinheiro Gubert*
1. – Empréstimo vultoso. – Dando como garantia o aval da República Federativa do Brasil, o Ministro da Fazenda Pedro Malan (portador de carta de plenos poderes para tal), negociou acordo de empréstimo de US$14,530,000,000.00 (catorze bilhões e quinhentos e trinta milhões de dólares), à taxa média de 4,25% (quatro vírgula vinte e cinco por cento) ao ano. Nossos credores são os de sempre: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento; e também vinte bancos centrais dos principais países industrializados do mundo, através do banco central dos bancos centrais, que é o Banco de Compensações Internacionais, do qual somos membros acionistas já há algum tempo.
No Memorando Técnico de Entendimento, celebrado em 4 de dezembro de 1998, o governo brasileiro assumiu, por fim, cumprir as seguintes metas:
a) Aumentar a alíquota da CPMF para 0,38% (zero vírgula trinta e oito por cento) a partir de 1999.
b) Promulgar Emenda Constitucional da reforma da previdência, tanto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) como do sistema previdenciário do setor público (RJU – Federal).
c) Proporcionar aos técnicos do Fundo dados diários sobre as reservas internacionais no BC, no conceito de liquidez; os dados serão fornecidos no dia útil subseqüente.
2. – Propositura do problema. – Ao lume dos fundamentos da Teoria Geral de Direito Internacional, e considerando que o plenário do Senado aprovou, a Resolução n.º 96, de 10/12/98, a qual autoriza a implementação do Acordo brasileiro firmado com o FMI e outros organismos internacionais, perquiriremos as respostas de três principais indagações:
I) O que seria de fato necessário para tornar tal Acordo juridicamente válido em nível interno e internacional?
II) Haveria alguma hipótese que pudesse extinguir tal Acordo sem estar o Estado brasileiro sujeito a sanções internacionais?
III) Tendo em vista o fato do Governo brasileiro estar cumprindo este Acordo sem levar em consideração os dispositivos legais sobre a matéria, quais sanções internas poderiam ser aplicadas aos representantes dos interesses estatais em função da não observação dos preceitos constitucionais?
I. O que seria de fato necessário para tornar tal acordo juridicamente válido em nível interno e internacional?
3. – Sobre o acordo. – O “Programa de Apoio Financeiro ao Governo Brasileiro”, acordo firmado em 1998 entre o Estado Brasileiro e organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), é questão de enorme controvérsia, tanto no campo jurídico como político e econômico. Esta avença é uma operação de crédito grandiosa, com garantias financeiras do vulto de US$14,530,000,000.00, envolvendo grandes investidores internacionais.
O Ministro da Fazenda Pedro Malan, plenipotenciário do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, chefiou a “missão” que negociou e assinou tal instrumento de “auxílio financeiro”, o qual foi implementado por aprovação do Senado Federal (Resolução n.º 96/98, pela atribuição do art. 52, V, da CF/88), então presidido pelo Senador Antônio Carlos Magalhães.
A apropriação da primeira parcela das transferências de crédito foi realizada prescindindo da manifestação do Congresso Nacional, o qual detém competência exclusiva de ratificação do acordo que onere o patrimônio público (art. 49, I, da CF/88).
4. – Questionamentos. – O questionamento que primeiro se apresenta é, por certo, qual a validade deste acordo, tanto (A) no plano interno quanto (B) no âmbito internacional. As perguntas que seguem são as conseqüências jurídicas do ato e a licitude da atuação de seus agentes. Estas respostas serão dadas, na medida do possível, a lume do texto constitucional (no direito autóctone) e dos requisitos de validades dos tratados (no âmbito internacional).
A) Âmbito Interno
5. – Omissão legal. – É forçoso ressaltar que a Carta de 1988 é lacônica quanto ao tema. Não dispõe de modo expresso sobre a forma e o fundo da celebração dos tratados (lato sensu), o modo que os Poderes Constituídos interagem nessa celebração, e o devido processo legislativo para a incorporação destes ao direito interno. A exegese dos dispositivos constitucionais pertinentes é complexa, e o Brasil segue mais a praxe do que propriamente disposições normativas definidas. Vejamos alguns:
Artigo 49, I: competência exclusiva do Congresso para a “resolução definitiva” de tratados que acarretem ônus ao patrimônio nacional.
Artigo 52, V, VI e VIII: competência privativa do Senado para dispor sobre limites e garantias para operações de crédito externo.
Artigo 84, VIII: competência privativa do Presidente da República para a celebração de tratados sujeitos a “referendo” do Congresso.
Artigo 102, III, B: competência do Supremo Tribunal Federal para declarar a inconstitucionalidade de tratado.
Em toda a Constituição, e da mesma forma nas regulamentadoras, não há um processo legislativo definido para a incorporação do tratado à ordem interna. Não há, por exemplo, disposição determinando que o ato ratificatório seja realizado através de decreto legislativo (como na práxis) ou por qualquer outra via legal, até mesmo por emenda constitucional (caso do tratado que visa a alterar dispositivo da Constituição).
6. – Colmatação doutrinária e jurisprudencial. – De qualquer forma, sem embargo dos problemas das lacunas no ordenamento antes aventadas, a doutrina e jurisprudência têm aceitado como incorporado o tratado que obedece ao seguinte trâmite:
Tratados em sentido estrito: Mensagem ao Congresso, envio à Câmara dos Deputados para aprovação, envio ao Senado para aprovação, promulgação pelo Presidente do Senado por Decreto Legislativo, publicação no Diário do Congresso Nacional, promulgação pelo Presidente através de Decreto, publicação no Diário Oficial da União.
Acordos executivos: Publicação no DOU por ordem do Ministro das Relações Exteriores.
A primeira modalidade sujeita o tratado ao referendo do Legislativo, e a segunda prescinde completamente do trâmite por este Poder. A segunda modalidade, dos acordos executivos, é restrita em razão da matéria. Segundo leciona Accioly, a não intervenção do Parlamento somente é possível quando os acordos: (1) consignam simplesmente a interpretação de cláusulas de um tratado já vigente; (2) decorrem lógica e necessariamente, de algum tratado vigente e são como que o seu complemento; e, (3) são modus vivendi, quando têm em vista apenas deixar as coisas no estado em que se encontram, ou estabelecer simples bases para negociações futuras.
Assinala Charles Rousseau que a verdadeira diferença entre os tratados em sentido estrito e os acordos em forma simplificada é que nestes últimos não existe a ratificação. Entretanto, esta distinção não é exata, uma vez que nada impede a submissão do acordo em forma simplificada à ratificação. Todavia, um grande número de acordos bilaterais internacionais entra em vigor sem que haja ratificação.
O que caracteriza estes acordos é o fato de não serem apreciados pelo Congresso. Quanto às demais fases mencionadas eles também as têm. O tratamento destes acordos varia com o sistema constitucional em que se manifestam e seu desenvolvimento ocorreu principalmente nos EUA, que desejavam fugir ao controle do Senado (fast track).
Eles podem ser classificados em militares e técnicos que são os assinados pelos altos chefes da administração, como no caso exposto, em que a assinatura do representante do sujeito internacional, foi a do Ministro da Fazenda.
O “Programa de Apoio Financeiro ao Governo Brasileiro” foi implementado como acordo executivo, pois não foi submetido ao Poder Legislativo para aprovação, e sim concluído pelo Poder Executivo. É de clareza solar que do ponto de vista do direito interno, este acordo não obedeceu ao devido processo, padecendo portanto, de validade. A via célere escolhida pelo Executivo notadamente não comporta a matéria que versa o acordo.
B) Âmbito internacional
7. – Efeitos jurídicos. – A negociação do tratado é conduzida pelos ministros dos Estados interessados ou por agentes diplomáticos, estes negociadores têm a designação de “plenipotenciários” e em geral, estão habilitados com os poderes suficientes para dirigir e concluir as negociações (plenos poderes), os quais constam de um título ou documento especiais (cartas patentes). Já a assinatura tem como efeito jurídico encerrar as negociações e colocar os Estados na situação de só poderem recusar ou aceitar o texto, tal como foi assinado, vedando- lhes, portanto, a possibilidade de lhe introduzirem alterações.
No Direito Internacional Público os efeitos dos acordos executivos são idênticos aos dos tratados. Contudo, tem-se admitido que os acordos envolvendo uma promessa pessoal não se transmitem como obrigatórios ao sucessor de quem os concluiu, daí o aval da República Federativa do Brasil no caso analisado. Para serem válidos pleno jus internacionalmente, os tratados (lato sensu) devem possuir as seguintes condições de validade: (1) capacidade das partes contratantes; (2) habilitação dos agentes signatários; (3) consentimento mútuo; e, (4) objeto lícito e possível.
Sobre o fundamento da obrigatoriedade dos acordos executivos existem três posições majoritárias na doutrina: Bittner: o acordo é válido pois se embasa em um a competência própria do que o concluiu; p. Visscher: a validade do tratado decorre de norma costumeira; Chailley: a obrigatoriedade do acordo decorre do Direito Público do Estado, havendo uma delegação tácita de competência feita pelo Chefe de Estado.
O próprio tratado pode prever – fundando-se no princípio do pacta sunt servanda – que o consentimento é demonstrado tão-somente pela assinatura dos plenipotenciários, prescindindo de ratificação (art. 11 (1) da Convenção de Viena II). Neste caso o Estado estará obrigado independentemente de disposições em contrário no direito interno.
II. Haveria alguma hipótese que pudesse extinguir tal acordo sem estar o estado brasileiro sujeito a quaisquer sanções internacionais?
8. – Subsunção ao texto constitucional. – Segundo J. da Silva Cunha, “é no direito interno de cada membro da sociedade internacional que se define a competência dos respectivos órgãos para ratificar tratados e se estabelecem as regras a que deve subordinar-se o seu exercício” (in: Direito Internacional Público, p.198).
Neste prisma, o acordo celebrado com o FMI deve subsumir-se aos ditames de nossa Constituição Federal. Conforme já mencionado, para a Lei Maior, qualquer ajuste que onere o patrimônio nacional deve sujeitar-se ao referendo do Congresso Nacional.
Importante anotar, ab initio, o teor do Decreto nº 2.832, de 29 de outubro de 1998, que promulga a Emenda n.º 03 ao Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional, assinada na Cidade do Panamá, República do Panamá, em 30 de janeiro de 1975, verbis:
“(a) Se um membro deixar de cumprir qualquer de suas obrigações nos termos deste Convênio, o Fundo poderá declarar o país membro impedido de utilizar os recursos gerais do Fundo. Nada nesta Seção será considerado como limitação das disposições do Artigo V, Seção 5, ou Artigo VI, Seção 1.
“(b) Se, após esgotado um prazo razoável, a partir da declaração de impedimentos estabelecida na alínea (a) anterior, o membro persistir em deixar de cumprir qualquer de suas obrigações nos termos deste Convênio, o Fundo poderá suspender os direitos de voto desse membro, por decisão de setenta por cento do poder de votos total. Durante o período da suspensão, as provisões do Anexo L se aplicarão. O Fundo poderá terminar a suspensão a qualquer tempo, por decisão de ao menos setenta por cento do poder de votos total.
“(c) Se, após esgotado um prazo razoável, a partir da suspensão de que trata a alínea (b) anterior, o país membro persistir em deixar de cumprir qualquer de suas obrigações nos termos deste Convênio, o membro poderá ser solicitado a retirar-se do Fundo, por decisão da Junta de Governadores, adotada por maioria de Governadores com oitenta e cinco por cento do total de poder de votos.
“(d) Adotar-se-ão normas para assegurar que, antes da adoção de qualquer medida contra um país membro segundo as alíneas (a), (b) ou (c) acima, este membro será informado, dentro de um prazo razoável, da reclamação contra ele apresentada e lhe será dada suficiente oportunidade para apresentação de suas explicações, oralmente ou por escrito”.
Com clareza solar vê-se que o desiderato da supra citada emenda é proteger os interesses daqueles que cedem seus recursos, punindo aos maus cumpridores de suas obrigações com sanções de ordem imediata e de longo prazo. Não se pode contudo perder de foco a soberania nacional, representada pela Constituição Federal, norma que se encontra em plano jurídico superior ao “Programa de Apoio Financeiro ao Governo Brasileiro” do FMI.
9. – Nulidade. – Neste sentido em não sendo o acordo celebrado com o FMI devidamente ratificado nos termos do disposto em nossa Carta Magna, temos claro que tal não está vigendo em nosso ordenamento jurídico, não sendo obrigatório seu cumprimento. Cabe no entanto ressaltar, quanto aos efeitos das ratificações imperfeitas, a norma estatuída no art. 46 da “Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais” (Viena II, 1986):
“SEÇÃO 2 – NULIDADE DOS TRATADOS
“Art.46. Disposições de Direito Interno de um Estado e regras de uma organização internacional sobre competência para concluir tratados.
“1 – Um Estado não pode invocar o fato de seu consentimento em obrigar-se por um tratado ter sido manifestado em violação de uma disposição do seu direito interno sobre competência para concluir tratados, como causa de nulidade de seu consentimento, a não ser que essa violação seja manifesta e diga respeito a uma regra de seu direito interno de importância fundamental.
“2 – (…)
“3 – Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado ou qualquer organização internacional que procede, na matéria, em conformidade com a prática normal dos Estados e, se for o caso, das organizações internacionais e da boa-fé. (Destaques nossos.)
Como alude Cunha, o preceito transcrito de que “a ratificação irregular ou imperfeita não pode servir de fundamento aos Estados para não cumprirem os tratados internacionais de que hajam sido partes” (op. cit., p.202). É princípio geral do direito que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.
A exceção deste pacta sunt servanda estaria justamente na parte final do dispositivo, quanto ao desrespeito às práticas internacionais usuais ou da boa-fé. Problemática que necessita de um aprofundamento pontual frente ao direito brasileiro é estabelecer se as operações creditícias internacionais, suas garantias e contraprestações estariam dentro do âmbito de medidas de importância fundamental.
10. – Operações fundamentais. – Comungamos, neste diapasão, da idéia de que tais operações podem ser qualificadas de “fundamentais”, a lume (do disposto no art. 49 inciso I) da CF/88, que determina, categoricamente e sem ressalvas, a necessidade de ratificação pelo Congresso Nacional dos tratados celebrados com ônus ao patrimônio. Neste raciocínio de forma a buscar uma interpretação dos tratados em face do direito interno e das práticas internacionais, temos o já ventilado princípio da boa-fé, ou seja, a busca da intenção das partes quando da contratação.
Assere o notável jurista português J. da Silva Cunha, quanto à pesquisa da intentio convencionada no tratados, que o interprete está jungido à boa-fé e outros princípios gerais da ordem jurídica internacional, regras que por sua vez se encontram atrelados ao princípio básico de todo o direito convencional, qual seja o pacta sunt servanda (op. cit., p.215).
Traz a colação o mesmo autor, para tal análise, a regra de efeito útil: a interpretação do contrato pelo princípio da boa-fé, pelo que se impõe a realização “tão completa quanto possível, da vontade comum das partes”. Outro ponto a considerar é a “interpretação funcional”: os tratados devem ser interpretados em harmonia com o seu desiderato, na medida do possível a plenitude dos efeitos do acordo (op. cit., p. 216-7).
11. – Necessidade de referendo. – No nosso pensar, no empréstimo o qual a República Federativa do Brasil se apresenta como garantidora, mister se faz que seja ratificado pelo Congresso Nacional. Não há preceito constitucional brasileiro que justifique ou permita a contratação sem tal referendum. Ocorre no entanto que, in casu, o empréstimo (parte dele) já foi recebido e utilizado pelo Governo Federal, no ajuste de suas contas e equilíbrio financeiro. Neste sentido trazemos o pensamento do mestre Accioly quanto à análise do princípio fundamental da justiça onde: “traduz-se concretamente na obrigação de manter os compromissos assumidos e na obrigação de repara o mal injustamente causado a outrem, princípio este sobre o qual repousa a noção de responsabilidade” (In: Manual de Direito Internacional Público).
Neste princípio basilar, aceito internacionalmente e hospedado pela Convenção de Viena II, repousa a conseqüência lógica da reparação por danos causados, aos Estados contratantes ou a terceiros Estados, em vista da responsabilidade antes constituída. Em efeito, para a regularização do acordo, o caminho mais lógico é a supressão desta falha apresentada (ausência de ratificação), ou a denúncia do tratado celebrado. Acontece que a segunda hipótese – a denúncia – tem por conseqüência a conclusão imediata de avaliação das responsabilidades assumidas e dos compromissos firmados.
Considerando o vergaste ao princípio da boa-fé, e tendo em conta que o Brasil aceitou o valor acordado, a extinção do contrato celebrado estará implícita a idéia de reparação de dano material e a de restitutio in integrum. Em sendo isto possível, ou seja, estaríamos frente à devolução dos valores emprestados, com suas devidas correções.
Como resposta derradeira, há hipótese de denúncia do tratado por ofensa a nosso direito interno, e à boa-fé por via reflexa, posto que não houve ratificação pelo Congresso Nacional, nos termos de nossa Constituição Federal. Esta solução é alcançada abstraindo-se quaisquer ponderações de ordem econômica ou política. A força dos EUA, enquanto potência hegemônica mundial, é fator de desequilibro em qualquer relação internacional, mormente nas negociações que realiza sob o pálio de seu “testa-de-ferro”, o FMI.
Por outro lado, a par das retaliações político-econômicas dos EUA e seus aliados, é pequena a probabilidade de qualquer Tribunal Internacional (mormente a CIJ) dar ganho de causa ao Brasil. De um panorama realista, as elucubrações teóricas aqui sustentadas são apenas isso: elucubrações. A anarquia e primitividade das relações jurídicas internacionais levam aos juristas do “primeiro mundo” a escutar, com ouvidos moucos, as justas reivindicações dos países “emergentes”.
III. Tendo em vista o fato do governo brasileiro estar cumprindo este acordo sem levar em consideração os dispositivos legais sobre a matéria, quais sanções internas poderiam ser aplicadas aos representantes dos interesses estatais em função da não observação dos preceitos constitucionais?
12. – Imbricações diversas do problema. – Este problema tem imbricações na seara constitucional, administrativa e penal. Como visto anteriormente, o Congresso Nacional tem competência exclusiva para celebrar tratados que estabeleçam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio público (art. 46, I, da CF/88). Por outro lado, a Constituição prescreve que compete ao Senado a aprovação das operações financeiras externas, estipulando seus limites e garantias (CF/88, art. 52, incisos V, VII e VIII).
Conquanto tenha sido respeitada a determinação do art. 52, pois a operação foi aprovada pelo Senado Federal na Resolução n.º 96/98; o mandamento do art. 49 foi de todo desconsiderado. Afora a tese (improvável) de que o instrumento trata-se apenas de “acordo executivo”, hipótese que foi descartada na resposta à pergunta “A”, tanto o Ministro de Estado plenipotenciário quanto o próprio Presidente da República descumpriram flagrantemente o comando constitucional.
Francisco Resek ensina que o ato em tela é ilícito por ser “praticado pelo Poder Executivo quando externa, no plano internacional, um consentimento ao qual não se encontra constitucionalmente habilitado” (op. cit., p.74). Este ilícito tem efeitos vários, como veremos infra.
13. – Esfera penal. – Na seara criminal, “contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal” constitui crime de responsabilidade do Presidente de República (art. 85 da CF/88). A conduta típica é regulamentada pela Lei n.º 1.079/50, art. 11, verbis:
“Art.11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos:
“1 – Ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas;
“2 – Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais;
“3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;
“4 – Alienar imóveis nacionais ou empenhar rendas públicas sem autorização em lei;
“5 – Negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional”.
Também incorre o Ministro de Estado no mesmo crime quando praticar os atos previstos na acenada lei ainda que estes sejam realizados por ordem do Presidente da República, conforme o disposto no art. 13, item 2:
“Art 13. São crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado:
“1 – Os atos definidos nesta lei, quando por eles praticados ou ordenados;
“2 – Os atos previstos nesta lei que os Ministros assinarem com o Presidente da República ou por ordem deste praticarem;
“3 – (…)”
A mesma lei prevê, a guisa de sanção, pena de suspensão ou perda do cargo (impeachment) com inabilitação para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais penalidades para crimes comuns.
A suspensão ou perda do cargo não prejudica a responsabilização do agente público pelos demais crimes comuns que incorrer por conseqüência do mesmo ato. Não há em tese, pejo para a responsabilização civil do agente, ainda que esta seja de difícil efetivação.
14. – Silêncio do Supremo. – Importante salientar que a matéria nunca foi aventada no Colendo Superior Tribunal Federal, por fatores políticos e econômicos. A responsabilização dos governantes sido sempre complexa e custosa. E mais, Há um descaso generalizado pelas prescrições de Direito Internacional. Os congressistas, muitas vezes por ignorância, não dão a devida importância às relações internacionais. O tema é tido como “perfumaria jurídica”, que pouco irá influir no curral eleitoral dos “representantes do povo”.
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15. – Conclusão. – Nesta quadra, temos por conclusão que, muito embora flagrante o ilícito, é improvável até mesmo a propositura de qualquer medida para responsabilizar o agente público. A concentração exacerbada de poder nas mãos do Chefe do Executivo é fato histórico que dificilmente será revertida em curto prazo.
BIBLIOGRAFIA
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10.ed. São Paulo : Malheiros, 1998.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Internacional Público. 9.ed. Rio de Janeiro : Renovar, 1992.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 2.ed. São Paulo : Saraiva, 1991.
STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo : LTr, 1998.