Assunto: Autonomo – Retroação – Parecer

ASSUNTO:Retroação da data do início das contribuições a período anterior à inscrição do autônomo, mediante o correspondente recolhimento.
PARECER nº 2432 /2001, da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência, ao qual foi dado efeito normativo pelo então Ministro Roberto Brant.

EMENTA: AUTÔNOMO. RETROAÇÃO DA DATA DO INÍCIO DAS CONTRIBUIÇÕES A PERÍODO ANTERIOR A SUA INSCRIÇÃO. CARÁTER INDENIZATÓRIO DO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES RESPECTIVAS. NÃO INCIDÊNCIA DA DECADÊNCIA. ART. 45, §1º, DA LEI Nº 8.212, DE 1991.
1 – O instituto da retroação, de caráter indenizatório, não se confunde com o da exação fiscal, não havendo, pois, que se falar em decadência relativamente ao primeiro.
2 – A redação do art. 45, §1º, da Lei nº 8.212, de 1991, dada pela Lei nº 9.032, de 1995, previa, a par da retroação, o direito do INSS apurar e constituir os créditos tributários relativos ao autônomo, em 30 anos, condicionando esta exação à concessão de algum benefício.
3 – Assim, antes da edição da Lei nº 9.876, de 1999, havia três figuras jurídicas: a retroação, a exação condicionada, com prazo decadencial de 30 anos e a exação comum, com prazo de 10 anos. Com a edição desta Lei, a exação condicionada foi revogada.

Trata-se de consulta acerca da ocorrência da decadência do direito do INSS de apurar e constituir o crédito tributário, para fins de concessão de benefícios ao autônomo, que manifeste interesse em retroagir o início da data das contribuições a período anterior a sua inscrição.

2. A questão funda-se em saber se o INSS pode computar e constituir o crédito do período relativo ao exercício de atividade autônoma, para fins de concessão de benefício, após decorrido 30 anos do fato gerador, a teor do §1º, do art. 45, da Lei nº 8.212/91 (redação da Lei nº 9.032, de 28/04/95).

3. A análise do caso depende, primeiramente, de saber se a atividade exigia filiação obrigatória ao regime geral previdenciário ao tempo dos fatos geradores. Como o prazo em questão é de 30 anos, a verificação pode ser feita a partir da Lei nº 3.807, de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS.

4. Conforme o art. 5º, IV, da Lei Orgânica, o trabalhador autônomo era segurado obrigatório da Previdência Social. Dessa forma, estava obrigado a se inscrever e recolher as contribuições respectivas. Acaso não se inscrevesse, não poderia obter nenhuma prestação da seguridade social, já que o art 16 da LOPS estabelecia que “a inscrição é essencial à obtenção de qualquer prestação, devendo ser fornecido documento que a comprove”.

5. Se é certo que do empregado não se pode exigir a prova de inscrição nem as do recolhimento, por serem obrigações do empregador, o mesmo não se pode dizer do autônomo, vez que essas obrigações são de sua exclusiva responsabilidade. Assim, é exigido desse último, para concessão de qualquer benefício, a inscrição e a prova do recolhimento das contribuições correspondentes. Esta a determinação do Decreto nº 77.077, de 1976, Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS:

Art. 82. O tempo de serviço de que trata este Capítulo será computado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
I – não será admitida a contagem de tempo de serviço em dobro ou em outras condições especiais;
II – é vedada a acumulação de tempo de serviço público com o de atividade privada, quando concomitantes;
III – não será, computado por um sistema o tempo de serviço que já tenha servido de base para concessão de aposentadoria pelo outro sistema;
IV – tempo de serviço relativo à filiação dos segurados empregadores, facultativos, empregados domésticos e trabalhadores autônomos só será computado quando tiver havido recolhimento, nas épocas próprias, das contribuições previdenciárias correspondentes aos períodos de atividade.
(grifei)

6. Assim, pois, cabia ao autônomo cumprir as obrigações tendentes a sua filiação. De outro lado, tratando-se de segurado obrigatório, era dever do INSS, constatado o exercício de atividade sujeita ao regime previdenciário, a apuração e constituição do respectivo crédito. No entanto, como qualquer tributo, as contribuições também estão sujeitas à decadência. E, conforme orientação pacífica do Supremo Tribunal Federal, os prazos decadenciais relativos a período anterior à Emenda Constitucional 08, de 1977, eram qüinqüenais (RE 113.209/SP, Rel. Min. Octávio Gallotti).

7. Sendo assim, consumada a decadência, mesmo que comprovado o exercício de atividade abrangida pelo regime geral, o autônomo via-se à margem do seguro social. A uma, porque não providenciou sua inscrição e recolhimentos nas “épocas próprias”, conforme exigência legal. A duas, porque, com a decadência, não mais havia possibilidade de constituição do crédito pelo Instituto Previdenciário.

8. Diante destes fatos, a Administração deve por bem conceder a possibilidade de obtenção dos benefícios previdenciários, se, e somente se, o segurado voluntariamente recolhesse as contribuições referente ao período que tivesse exercido a atividade sujeita ao regime da previdência. Tal previsão, constante do Decreto nº 357, de 1991, e repetida no Decreto nº 611, de 1992, está assim redigida:

DA RETROAÇÃO DA DATA DE INÍCIO DAS CONTRIBUIÇÕES

Art. 193. Caso o segurado empresário, autônomo ou equiparado manifeste interesse em recolher contribuições relativas a período anterior a sua inscrição, a retroação da data de início das contribuições será autorizada, desde que comprovado o exercício da atividade no respectivo período.

§ 1º Quando se tratar de período anterior a agosto de 1973, no Regime da Previdência Social Urbana, o salário-de-contribuição será estabelecido de acordo com a atividade profissional exercida e legislação pertinente.

§ 2º Quando se tratar de período referente ao regime do empregador rural, de 1975 a 1991, a contribuição será estabelecida de acordo com a Lei nº 6.260, de 06 de novembro de 1975.

§ 3º Sobre as contribuições de que trata este artigo incidirão os acréscimos legais definidos no art. 57 do ROCSS.
(Decreto nº 357, de 1991)

9. Tínhamos, então, um prazo decadencial de 10 anos para a exação previdenciária, dado pelo caput do art. 45, da Lei nº 8.212, de 1991 e a previsão de retroação indenizada, para o autônomo que manifestasse interesse em recolher contribuições relativas a período anterior a sua inscrição

10. ‘ Ocorre que, com o advento da Lei nº 9.032, de 28/04/95, que alterou o art. 45 da Lei nº 8.212, de 1991, foi estabelecido um prazo decadencial para constituição e apuração dos créditos referentes às contribuições pretéritas do autônomo. In verbis:

Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada.
§ 1º No caso de segurado empresário ou autônomo e equiparados, o direito de a Seguridade Social apurar e constituir seus créditos, para fins de comprovação do exercício de atividade, para obtenção de benefícios, extingue-se em 30 (trinta) anos. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.032, de 28/04/95)
§ 2º (…)

11. Em verdade, é questionável a inclusão de prazo decadencial nas hipóteses de retroação da data de início das contribuições. Isto porque, não se caracterizando a decadência, é dever do INSS apurar e constituir os créditos não pagos e, em decorrência, computar o período correspondente em favor do segurado, não havendo que se falar em retroação por interesse do segurado.

12. Portanto, não há propriamente retroação da data do início do benefício se o Instituto faz o lançamento do crédito tributário, mas apenas simples reconhecimento – e cobrança das contribuições – de atividade sujeita ao regime previdenciário. A hipótese de retroação não se coaduna com a natureza tributária das contribuições. Essas são compulsórias, aquela é voluntária. Infere-se, pois, a natureza indenizatória desta última. Neste sentido, demonstrando tratar-se de indenização, o Decreto nº 2.172, de 1997, regulamentando a alteração do §1º, do art. 45, feita pela Lei nº 9.032, de 1995, dispôs:

DA RETROAÇÃO DA DATA DO INÍCIO DAS CONTRIBUIÇÕES

Art. 177. Caso o segurado empresário, autônomo ou equiparado manifeste interesse em recolher contribuições relativas a período anterior à sua inscrição, a retroação da data do início das contribuições será autorizada, desde que comprovado o exercício de atividade remunerada no respectivo período.
§1ºRelativamente aos segurados referidos no caput, o direito de a previdência social apurar e constituir seus créditos, para fins de comprovação do exercício de atividade remunerada para obtenção de benefícios, extingue-se em trinta anos.
§2º (…)

13. Surge, pois uma dúvida, se o termo “manifeste interesse” demonstra que a hipótese legal contempla um verdadeiro negócio jurídico e não uma relação tributária, faz-se mister encontrarmos a razão para a inclusão no §1º da expressão “apurar e constituir seus créditos”. Do contrário, teríamos de concordar que se trata de caso sui generis de lançamento tributário dependente da anuência do sujeito passivo.

14. Qual então a exegese lógica e útil do §1º, art. 45, da Lei nº 8.212, de 1991, na redação da Lei nº 9.032, de 1995? Cremos que o dispositivo prevê – além do instituto da retroação, que é negócio jurídico – uma relação tributária com prazo decadencial diferenciado na hipótese ali indicada, ou seja, haveria um prazo geral de decadência decenal previsto no caput e outro, de 30 anos, para o contribuinte individual.

15. Entretanto, esta exação estaria condicionada à concessão de algum benefício e não à aquiescência do contribuinte. Não havendo benefício a ser deferido, o prazo decadencial, mesmo no caso de contribuinte individual, seria o geral, de 10 anos.

16. Esta vinculação entre concessão de benefício e exação decorre dos termos em que foi redigido o citado §1º ao utilizar a expressão “…o direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos, para fins de comprovação do exercício de atividade, para obtenção de benefícios…”

17. Em resumo, a redação dada ao dispositivo pela Lei nº 9.032, de 1995, estabeleceu – além da retroação indenizada – uma relação tributária condicionada à concessão de benefícios. Poderia, então, o INSS, de ofício, apurar e constituir as contribuições devidas pelos contribuintes individuais, no prazo de 30 anos de sua ocorrência, desde que concedesse algum benefício. Decorrido este prazo, apenas o interessado poderia voluntariamente recolher as contribuições. Neste último caso haveria o instituto da retroação.

18. Verificando os equívocos e dificuldades que o dispositivo ensejou, o legislador editou a Lei 9.876, de 1999, alterando novamente o §1º, do art. 45, da Lei nº 8.212, de 1991.A lei retirou os termos “apurar e constituir” da nova redação, revelando, assim, não se tratar mais de uma relação tributária, mas de indenização, que será exigida do contribuinte individual caso este queira comprovar o exercício de atividade remunerada e obter algum benefício. Vejamos:

Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada.

§ 1º Para comprovar o exercício de atividade remunerada, com vistas à concessão de benefícios, será exigido do contribuinte individual, a qualquer tempo, o recolhimento das correspondentes contribuições. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26/11/99)
§ 2º (…)

19. Destarte, a nova redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999 ao dispositivo em comento, prevê apenas a hipótese de retroação, mediante os recolhimentos voluntários das contribuições pretéritas pelo contribuinte individual. Como retroação não se confunde com exação, não há aqui que se falar em decadência.

Ante o exposto, entendemos ser possível a retroação da data do início das contribuições à período anterior à inscrição do autônomo, tanto na vigência do art. 45, §1º, da Lei nº 8.212/91 com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995, como na redação atual (Lei nº 9.876, de 1999), desde que o segurado, manifestando interesse, efetue o respectivo recolhimento.

WARNEY PAULO NERY ARAUJO, que data da redação deste Parecer era Procurador do INSS e Chefe da 2ª Divisão de Assuntos Jurídicos, foi Auditor-Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás, e atualmente é Juiz de Direito do Estado de Goiás.

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