por Domingos Sávio Zainaghi
Não raras vezes lemos e ouvimos de jornalistas, dirigentes de clubes de futebol e até de atletas, que os “direitos federativos” do jogador fulano pertencem ao clube X, ou ao empresário Y, ou, ainda, parte a um e outra parte ao outro; também que o atleta é detentor de 100% de seus “direitos federativos”, e até já tivemos notícias que “50% destes pertencem a um clube e os outros 50% ao pai do jogador”. Pois bem. A confusão informativa narrada nos animou a escrever este artigo.
Com o advento da Lei nº 9.615/98, o passe deixou de existir nas relações trabalhistas entre clubes e atletas. O passe era definido pelo artigo 11 da Lei nº 6.354/76, como “a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato de trabalho ou depois de seu término…” (artigo revogado expressamente pela lei nº 9.615/98).
Tínhamos até então, uma situação sui generis nas referidas relações jurídico-trabalhistas, ou seja, após o término de um contrato de trabalho, o atleta-trabalhador só poderia firmar novo contrato de trabalho com outro clube, caso seu antigo empregador lhe concedesse o atestado liberatório.
Como já afirmado, tal figura não existe mais no direito brasileiro, pois o artigo 28 da lei nº 9.615/98, assim prevê em seu parágrafo segundo:
Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.
§ 2o O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:
I – com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou
II – com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda
III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei.
Logo, com o término do contrato de trabalho extingui-se o vínculo desportivo, não havendo mais a figura do atestado liberatório.
Pelo que estamos ouvindo e vendo, a expressão “direitos federativos” seria sinônimo de vínculo desportivo, o qual só existe durante a vigência do contrato de trabalho mantido entre clube e atleta.
Ocorre que, ainda que seja um nome popular para designar o vínculo desportivo, este não pode jamais pertencer a um particular, isto é, o vínculo desportivo é acessório do contrato de trabalho e este só pode ser celebrado entre clubes e atletas, consoante as Leis nº 6.354/76 (art. 1º) e nº 9.615/98 (art. 28, supra):
Lei n. 6.354/76
Art . 1º Considera-se empregador a associação desportiva que, mediante qualquer modalidade de remuneração, se utilize dos serviços de atletas profissionais de futebol, na forma definida nesta Lei.
Ora, se o contrato de trabalho só pode ser celebrado entre atleta e clube, e se o vínculo desportivo é acessório daquele, conclui-se sem muito esforço que este “pertence” apenas aos clubes.
Destaca-se o “pertence”, pois este termo também, ainda que amplamente utilizado, não parece apropriado.
Hoje, com o diploma legal de 1998, o atleta poderá a qualquer momento rescindir seu contrato de trabalho, desde que pague uma multa previamente prevista no referido contrato.
A multa acima referida está prevista no artigo 28,§3º da Lei nº 9.615/98.
Art. 28
§ 3o O valor da cláusula penal a que se refere o caput deste artigo será livremente estabelecido pelos contratantes até o limite máximo de cem vezes o montante da remuneração anual pactuada.
Ainda que a multa possa alcançar valores exorbitantes, fato é que o atleta pagando-a, terá seu contrato rescindido podendo trabalhar para quem desejar.
De qualquer maneira, poderão existir contratos de natureza civil, onde um clube e uma empresa ou até mesmo uma pessoa física, acordem que assumirão a multa a ser paga pelo atleta no caso de uma rescisão, mas jamais poderão declarar-se detentores dos “direitos federativos” de um atleta, conforme explanação supra, e, portanto, não detêm a força de trabalho de um atleta..
Podemos concluir que o correto seria que os envolvidos no assunto (clubes, atletas, dirigentes, jornalistas etc.) falassem em vínculo trabalhista e não “direitos federativos”.
Domingos Sávio Zainaghi é advogado trabalhista, pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad de Castilla, La Mancha, Espanha e membro da Comissão de Defesa da Advocacia Trabalhista da OAB-SP