Jailson Pereira da Silva
Juiz do Trabalho
Da 10ª Vara do Trabalho de Vitória/ES
INTRODUÇÃO
Causa danos, inclusive morais, aquele que age com imperícia, negligência ou imprudência. Da mesma forma, incorre em responsabilidade civil/trabalhista, aquele que age com abuso de direito. Essa introdução elementar no domínio da responsabilidade civil serve de alerta para um tema recorrente na Justiça do Trabalho, qual seja, o que resulta da acusação não comprovada de atos de improbidade ou mau procedimento, com repercussão na esfera penal, supostamente praticados por empregados.
A situação é quase sempre aquela na qual o empregador, compelido pelas circunstâncias adversas ao resguardo de seu patrimônio e porque não dizer da ordem pública (art. 5º, §3º e 29 do CPPB), se vê na contingência de apurar a prática de um ilícito civil/trabalhista, muitas vezes com repercussão na esfera penal.
Mal sabe ele, entretanto, quais as conseqüências que lhe podem advir. Deixar a situação como está, não obstante o ilícito ou a prática delituosa em suas dependências, parece não ser a expectativa mais justa. De outro lado, apressar-se a coibir a quem se lhe apresenta mais suspeito, pode ser uma decisão temerária e de conseqüência gravíssima. Restaria, assim, ou noticiar o fato à autoridade pública e aguardar a decisão, sem o menor esboço de suspeita a quem quer que seja, ou se enveredar pelo calvário do processo investigatório, sindicância ou o nome que o valha, sem que se tenha a menor segurança de que sua conclusão será a respeitada, mormente pelo Poder Judiciário.
Como adverte Wagner Giglio1,
[…] a acusação de desonesto feito a um empregado, traz efeitos que extravasam as simples relações empregatícias, para repercutir, eventualmente, na vida familiar e social do acusado. […] O empregador deve, por isso, ter todo o cuidado na apuração dos fatos e na sua interpretação, antes de fazer acusação de conseqüências tão graves.
Acontece que, independente da apuração ou da conclusão a que chega o empregador, no mais das vezes, quando a justa causa é revertida nos tribunais, a conseqüência imediata é a sua condenação por danos morais. Além disso, não é raro se postular a reparação quando diante da suspeita não apurada o empregador vem a dispensar o empregado sem justa causa, vendo-se nisso uma fórmula dissimulada de acusação. Até a notitia criminis (art. 5º, § 3º e 27 do CPPB) endereçada à autoridade policial ou ao Ministério Público, se dá a conhecer algum suspeito, pode resultar em condenação por danos morais.
Portanto, é pertinente indagar: toda a reversão de justa causa por ato de improbidade, na qual se presume a inocência do empregado, resulta em danos morais? Pode o empregado ser dispensado, sem justa causa, sob suspeita de haver cometido um ilícito? Não sendo inocente e nem culpado, a simples suspeição conhecida enseja danos morais? E a notitia criminis e a exposição do empregado a inquérito policial constitui danos morais? A responsabilidade do empregador, nesses casos, é aquiliana ou objetiva?
Há pouco tempo atrás, a dispensa por improbidade ou mau procedimento não tinha outra repercussão, senão a reversão da justa causa e a indenização tarifada. Atualmente, vem acompanhada de pesadas condenações por danos morais, o que, se por um lado a torna mais responsável, por outro deixa refém o empregador de uma cilada procedimental.
A presente reflexão objetiva enfrentar esses questionamentos, extremamente caros à melhor prestação jurisdicional, sem prejuízo do escopo pedagógico de bem educar, contribuindo para que a honorabilidade do empregado seja compatibilizada com o poder disciplinar do empregador.
Trata-se de apenas um ensaio, a depender de crítica e avanço no conhecimento da matéria.
O PODER DISCIPLINAR E O PACTO COMISSÓRIO TÁCITO
Ao despedir o empregado por ato de improbidade ou mau procedimento, o empregador está no exercício regular de seu direito resolver o contrato de trabalho. Independentemente da controvérsia acerca da natureza jurídica do poder disciplinar, o certo é que, tão logo ocorra a falta, a resolução contratual opera ipso jure2, por força de pacto comissório tácito.
No entanto, muitas das conseqüências dessa resolução, em termos de reversão nos tribunais e condenação em danos morais, depende da forma como a falta é apurada pelo próprio empregador. Há faltas que são detectadas em estado de flagrância, outras dependem de apuração mais demorada. Casos há, outrossim, que requerem afastamento do empregado por mais de 30 dias, não obstante a restrição do art. 474 da CLT. Além disso, deve ser questionado o direito ou não de o empregado ser ouvido, enfim, participar do procedimento investigatório. De lembrar que há autores que vislumbram na despedida do empregado o exercício de um verdadeiro Direito Disciplinar3, equiparável ao Direito Penal, o que torna o direito participativo do empregado questionável.
Todas esses aspectos são importantes na hora de se avaliar a reversão e a condenação por danos morais.
DA APURAÇÃO DOS FATOS E DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO
Tão logo o empregador toma conhecimento de um fato ilícito sente-se no direito justificado de apurá-lo e de responsabilizar o seu autor, dentro de seu poder disciplinar. Não é razoável exigir-se abstinência quando muitas vezes o seu patrimônio, imagem, segurança, etc, estão em jogo. Logo, enveredar-se pelo procedimento investigatório, com todas as suas implicações, mormente quanto à honorabilidade dos empregados, não é uma simples faculdade.
Não obstante essa imposição velada, não há a mínima segurança de que sua conclusão sobre a autoria de um ilícito seja respeitada nos tribunais, haja vista a própria natureza do procedimento investigatório e a subjetividade na interpretação dos fatos.
Fatos há, como em estado de flagrância, que não dependem de maiores investigações, no campo especulativo da mera autoria. Outros, entretanto, exigem apuração mais demorada, instrumentos mais eficazes e exposição, praticamente pública, de suspeitos de autoria. Aqui, exatamente, é que inicia a cilada procedimental em que se depara o empregador.
Não sem razão, há forte inclinação doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a prova de atos de improbidade e afins deve ser bastante convincente, dada a repercussão da acusação na vida do empregado. Exemplo é a transcrição do escólio doutrinário de Wagner Giglio. Há mesmo quem advogue a existência de um suposto Direito Disciplinar sob o influxo axiológico do Direito Penal. Mas, se em termos de direito material a aproximação pode parecer satisfatória, no que diz respeito ao processo de atuação a eficácia desse suposto direito não só é questionável como desastrosa.
Todos sabem que o escopo jurídico do processo é atuar o direito material4. Por intermédio dele se conhecem os fatos e se faz atuar o direito. Acontece que no processo público as partes têm a seu dispor todos os meios de prova disponíveis (art. 332 do CPC e 155 do CPPB), o que não ocorre com o empregador, para atuar o seu direito disciplinar. E o que é desastroso: enquanto no processo público a subjetividade interpretativa só traz a reforma da decisão, ressalvada a indenização por fato objetivo, a ser apreciada oportunamente, no procedimento privado a conseqüência é a indenização tarifada e a condenação por danos morais.
Mesmo nos procedimentos formais, adotados por regulamentos de empresa – as chamadas sindicâncias internas -, não se dispõe de instrumento necessário para a apuração de determinado ilícito. Por exemplo, não há possibilidade de oitiva de terceiros estranhos à empresa; não há acesso a conta bancária; escuta telefônica seria impensável, o que torna o procedimento e o material colhido bastante precário, vale destacar, para o nível de exigência de salvaguarda da honorabilidade do empregado, como tem exigido a doutrina e os tribunais. É importante, ainda, lembrar que a decisão do empregador, sobre a autoria do ilícito, é anterior ao processo judicial, portanto, sem os meios necessários à sua cabal apuração.
No entanto, o que torna mais apreensiva a situação é saber que mesmo diante da precariedade do material colhido, uma decisão deve ser tomada. Basta considerar um desfalque financeiro em certo setor da empresa: é razoável esperar-se do empregador resignação pela precariedade do material colhido, sabendo-se, de antemão, que qualquer iniciativa de afastamento de empregado (muitas vezes o prazo de 30 dias é insuficiente) pode se encarada como ato dissimuladamente ofensivo?
A cilada procedimental é inequívoca e algumas premissas devem ser estabelecidas para que o exercício do poder disciplinar do empregador seja compatibilizado com o respeito à honorabilidade do empregado.
3.1. Culpa stricto sensu
Rodolfo Pamplona Filho, manifestando sobre o tema, sentencia:
Preferimos, com Otáctio Bueno Magano, entender que ‘a mera invocação de dispositivos configuradores de justa causa, mesmo quando esta não fique provada, não acarreta (necessariamente) a obrigação de ressarcir danos morais. Só ficará por estes responsável o empregador que fizer a invocação de falta grave de modo abusivo, com o desígnio de ferir o código de ética do empregado.5
Dispõe o novo art. 187 do CCB que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Subentende-se, assim, como ato abusivo, aquele que extrapola o exercício regular de um direito, parecendo, data vênia, não ser o caso do empregador que invoca falta grave, com o desígnio de ferir o código de ética do empregado. Na hipótese, afigura-se mais adequado enquadrar tal conduta como dolosa, na modalidade culposa lato sensu6.
De qualquer sorte, a interpretação que os ilustrados doutrinadores deixam transparecer é a de que só haveria responsabilidade do empregador quando ele agisse com o escopo específico de ferir o código de ética do empregado. Fora daí, ou seja, na modalidade culposa stricto sensu, ela inexistiria, notadamente quando não provada a justa causa.
Afora as hipóteses de dolo, principalmente sob a modalidade de desvio de finalidade, as questões mais debatidas versam sobre a falta de prova da demonstração da justa causa e, conseqüentemente, da autoria do ilícito. Não se sabe exatamente o que quer dizer falta de provas ou mesmo, como acentua Wagner Giglio, a cuidadosa apuração dos fatos. Falta de provas pode ser a absoluta ausência de provas, seja no momento da despedida do empregado, seja na instrução em juízo trabalhista, ou mesmo a subjetiva percepção dos fatos, controvertendo a questão da suficiência da prova.
Na primeira alternativa, a iniciativa do empregador pode ser enquadrada como a de dolo no sentido lato, ou seja, aquela omissão impensável no homem médio. Seria a hipótese em que se informa desvio de caixa e o empregador despede, imediatamente, o empregado. Ajuizada a ação, é revel ou não apresenta nenhuma prova dos fatos alegados. Os danos morais são devidos, inequivocamente.
Já no que tange à subjetiva percepção dos fatos, o que torna controvertida a questão da suficiência de provas, algumas considerações devem ser feitas. Regra geral, o empregado não exerce o contraditório e o empregador é soberano na produção da prova. De conseguinte, quando chega a concluir sobre a autoria de um ilícito é porque, salvo desvio de finalidade e outras intenções dolosas, montou a cadeia de fatos constitutivos, afastando os fatos negativos, de acordo com sua pré-compreensão do ilícito e de sua autoria.
No entanto, essa cadeia de fatos constitutivos/negativos nunca é completa, a verdade jamais é apreendida definitivamente, e lacunas quase sempre existirão, mesmo no processo público, no qual se encontram disponíveis todos os meios de prova admitidos em direito.
Com supedâneo em Luigi Ferrajoli7, é oportuno registrar que a vetusta idéia iluminista de perfeita “[…] ‘correspondência’ entre previsões legais e fatos concretos e do juízo como aplicação mecânica da lei é uma ingenuidade filosófica viciada pelo realismo metafísico”, pois, continua o festejado doutrinador: “[…] a impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade ‘certa’ ou ‘absoluta’ representa sempre a ‘expressão de um ideal’ inalcançável8.
Entre nós, Cândido Dinamarco subscreve:
A falibilidade é inerente a todo juízo histórico e é por isso que, no processo de conhecimento, a convicção que o juiz deve formar sobre a ocorrência dos fatos relevantes, sob pena de tê-los por não ocorridos, é apenas sua própria medida psicológica da certeza: ele se convence da supremacia dos motivos convergentes e por isso afasta os divergentes, mas sempre de modo racional e assumindo calculadamente algum risco, que é inevitável. Nessa linha é que prestigiosa voz doutrinária disse: pensando bem toda prova não passa de prova de verossimilhança (…). (Grifos do original).9
Ora, o empregador, quando encerra extrajudicialmente a apuração dos fatos e conclui, apenas externa a sua medida psicológica de certeza sobre a autoria do ilícito. Por mais que tenha se esmerado por reunir provas, sempre haverá possibilidade de que sua tese não seja a vencedora. Isso decorre da própria falibilidade do processo indutivo, na seletiva observação de fatos confirmadores de uma determinada tese. Contudo, como a somatória de provas não impede que um novo fato venha a romper a moldura de culpabilidade, o máximo que o empregador poderia atingir seria uma mera crença, ainda que forte, de que sua tese é verossímil.
A mesma situação ocorre nos processos jurisdicionais, com a diferença importante de que neste o contraditório é efetivamente assegurado e o empregado/acusado pode demonstrar um fato impeditivo da tese de culpabilidade. De qualquer sorte, não havendo uma prova cabal de inocência, o material que restará ao juiz é somente indicativo de probabilidade.
Portanto, não se poderá reputar negligente o empregador, por mais que a medida psicológica de certeza se altere e venha o juiz entender, na conclusão do processo jurisdicional, que a prova não é suficiente, pois, qualquer que seja a medida de suficiência, continuar-se-á trabalhando como mera probabilidade, diante da potencialidade de fatos impeditivos10.
Nesse caso, parece não ser razoável concluir-se pela culpa stricto sensu do empregador, pois, em definitivo, não se saberá, com certeza, se sua tese é falsa.
Há fatos, no entanto, cuja potencialidade de destruir a cadeia constitutiva de autoria é tão evidente, que a negligência do empregador em apurá-los, como único soberano da prova, resulta em danos morais. Por exemplo, se não foi produzida uma prova grafotécnica ao alcance do empregador, antes e durante o processo jurisdicional e indispensável ao reconhecimento da assinatura do empregado, não basta justificar que alguns outros elementos da cadeia constitutiva da prova garantem o limite psicológico de certeza. A reversão da justa causa far-se-á acompanhada da condenação por dano moral e o juiz poderá ter por desatendida a cuidadosa apuração dos fatos.
O mesmo se pode dizer das excludentes de ilicitude (art. 23 do CPB), quando o empregador toma conhecimento de algumas delas, v.g., legítima defesa, e se mostra negligente na sua elucidação. Provadas em juízo, com a reversão da justa causa aplicada ao empregado, não há afastar a condenação por danos morais.
É claro que só haverá falar em responsabilidade do empregador, por culpa stricto sensu, se a prova do fato virtualmente impeditivo da tese de autoria ou da excludente de ilicitude, que porventura vier a ser cogitada em juízo, estiver ao seu alcance, na hora da resolução contratual.
3.2. A exigência de contraditório
Pouquíssimas são as empresas que dispõem de regulamento com direito de participação efetiva do empregado e possibilidade de contraditório, o que não é exigido legalmente11. De fato, considerando a resolução contratual sob a ótica de um suposto “Direito Disciplinar”, no qual a dispensa seria uma punição, poder-se-ia até postular, para a legitimidade desse poder disciplinar, a exigência de um procedimento participatório.
No entanto, não havendo lei regulamentando o assunto, não se saberia, exatamente, o que é participação para as devidas conseqüências legais, notadamente a relacionada à validade do ato de resolução contratual. Por exemplo, como e quando seria ouvido o empregado; a formalidade do ato; direito de ouvir demais empregados, terceiros; quebra de sigilo bancário do empregador, enfim, uma série de diligências que assegurariam ou não a validade do procedimento, não sendo admissível, simplesmente, falar em “ouvir” o empregado.
Ademais, deve ser ressaltado que o empregado sofreria as mesmas limitações estendidas ao empregador, quanto aos meios probatórios, sendo oportuna a advertência de Dinamarco: “[…] Só se estará falando em termos estritamente jurídicos quando se definir, em termos de situação jurídica, o fenômeno da participação contraditória.12
3.3. Do regulamento de empresa e órgãos públicos
O Enunciado 77 do CTST dispõe que nula é a punição de empregado se não precedida de inquérito ou sindicância internos a que se obrigou a empresa por norma regulamentar. Nesse caso, mostra-se incontroverso que não só a justa causa é revertida nos tribunais, pois já não é possível fazer prova em juízo, como o empregador é apenado no pagamento de danos morais.
Entretanto, não é só a inobservância total do regulamento que resulta em reversão e danos morais. O descumprimento parcial de suas disposições, em aspectos relevantes, notadamente, condizentes com o direito de participação do empregado, implica idênticas conseqüências.
Há uma questão, no entanto, pouco clara, no pertinente à eficácia do regulamento de empresa em face do empregado. Não é raro exigir-se a repetição automática de todo o meio probatório em juízo, o que, às vezes, é impraticável, mormente levando-se em conta o número de testemunhas. O regulamento seria válido para o empregador, mas sem prejuízo do empregado.
Na esfera pública, notadamente no regime estatutário (vide, por exemplo, artigos da Lei 8.112/90), os tribunais não entram no mérito das decisões, acaso não demonstrado o descumprimento da lei, no que diz respeito ao procedimento disciplinar13. Por qual motivo se insiste na reiteração de provas nos casos de regulamento de empresa, no qual se assegurasse o “amplo” direito de defesa e participação?
O principal argumento, afora o aspecto sociológico, que deve ser observando na situação de sujeição do empregado ao poder hierárquico do empregador, seria, exatamente, a falta do amplo direito de participação, o suficiente a impedir que o judiciário adentre o mérito da decisão do empregador. Como ensina Dinamarco,
[…] a efetivação da exigência política do contraditório, no procedimento, dá-se pela outorga de situações jurídicas aos litigantes: situações jurídicas ativas, que lhes permitem atos de combate na defesa dos seus interesses, e situações jurídicas passivas, que lhes exigem a realização de atos ou impõem abstenções ou sujeição à eficácia de atos alheios (…). E o conjunto dessas situações jurídicas processuais ativas e passivas (poderes, faculdades, deveres, ônus, sujeição) traduz-se num complexo e dinâmico vínculo entre os sujeitos do processo, definido como relação jurídica processual.14
Embora o regulamento de empresa não instaure uma relação jurídica processual, ao se vedar o acesso ao mérito da decisão, por parte do judiciário, como ocorre no regime estatutário ou mesmo celetista, mas sob o mesmo auspício, deve-se exigir igual amplitude participatória. Além disso, enquanto no poder público, tanto o servidor quanto a autoridade encarregada da decisão portam-se em igualdade de condições, pois quem julga apenas exerce um munus público, no interesse de terceiro, quando se trata de empregador privado a disparidade de interesse compromete, objetivamente, a imparcialidade do julgamento.
Portanto, o regulamento de empresa apenas terá validade em função do empregador, assegurando-se-lhe, contudo, acaso seja devidamente observado, a imunidade no que concerne à responsabilidade por danos morais.
4. DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR
Partindo do pressuposto de que no Processo Civil Público o juízo que se alcança é de mera verossimilhança sobre a realidade dos fatos, não é de estranhar que se postule a responsabilidade objetiva em relação a quem, posteriormente, foi inocentado daqueles fatos tidos por verdadeiros.
Assim é que o Estado, nos termos do artigo 5º, LXXV, da CF/88, indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Com se vê, a indenização independe de culpa, ou seja, trata-se de responsabilidade objetiva.15
No que concerne à situação do empregador, que também decide com juízo de mera verossimilhança, ainda menos corroborado do que o do Estado, poder-se-ia exigir o mesmo tratamento, postulando-se a sua condenação por fato objetivo. Afinal, não se pode negar que, independentemente da inexistência de que culpa do empregador, grave acusação mancharia a reputação do empregado.
O magistrado Gustavo Felipe Barbosa Garcia, em artigo publicado na revista Síntese Trabalhista – no. 163, sob o título Responsabilidade Civil do Empregador e o Novo Código Civil, sustenta que “[…] a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual o agente responde independentemente de culpa (lato sensu), subordina-se à existência de norma legal expressa e específica assim dispondo”16. Sua conclusão lastreia em escólio doutrinário de civilistas como Maria Helena Diniz, Washington de Barros e Orlando Gomes. Como doutrina deste último cita: “[…] A indicação dos preceitos legais que obrigam a reparação de danos sem culpa é indispensável em face do caráter excepcional dessa espécie de responsabilidade”17.
A norma celetária que poderia contemplar a exigência legal para a responsabilidade objetiva do empregador seria o art. 2º da CLT, quando fala na assunção dos riscos da atividade econômica. Para o articulista supracitado, desta feita com supedâneo em Sérgio Pinto Machado e Octávio Bueno Magano, “[…] a abrangência deste dispositivo restringe-se ao fato de o empregado prestar seus serviços por conta alheia (alteridade), fazendo jus à contraprestação independentemente do sucesso ou não da atividade empresarial”18.
Em artigo publicado no ST no. 175, de jan/2004, sob o título Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva da Empresa em Face do Novo Código Civil, o professor Enoque Ribeiro dos Santos19, apresenta um rol de casos onde aplica a responsabilidade objetiva do empregador. O curioso, no entanto, é que em todos eles constata-se a interpretação extensiva de algum dispositivo legal, exceção feita à responsabilidade do empregador pela estabilidade da gestante, de acordo com a OJ 88 da SDI-I do CTST.
De fato, nesta hipótese da gestante, não há dispositivo legal que preveja a responsabilidade sem culpa do empregador, que pratica o ato de dispensa sem saber se sua empregada estava grávida.
A controvérsia, no entanto, acerca da previsibilidade legal sobre a teoria do risco parece ter sido dissipada com a redação do art. 927 do NCCB, parágrafo único verbis:
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifos inexistentes no original)
O novo dispositivo legal parece separar a responsabilidade objetiva prevista em lei, daquela resultante da atividade de risco, sendo essa a conclusão Pablo Stolze Gagiliano e Rodolfo Pamplona Filho20. Logo, poder-se-ia incluir a responsabilidade objetiva do empregador, por exposição desonrosa do empregado, nos termos do art. 2º da CLT.
No entanto, segundo Maria Helena Diniz:
É preciso deixar bem claro que o perigo deve resultar do exercício da atividade e não do comportamento do agente. Como pontifica Marco Comporti, a atividade perigosa é a que contém notável potencialidade danosa, em relação ao critério da normalidade média, revelada por meio de estatísticas e elementos técnicos e da experiência comum.21
No caso da despedida que traz como fundamento fato desabonador à moral do empregado o que se verifica é comportamento do agente causador do dano, e não a sua atividade, que conteria notável pontecialidade danosa, em relação ao critério da normalidade média, revelada por meio de estatísticas e elementos técnicos e da experiência comum.
É bem verdade que no caso do Estado, em face de seu poder jurisdicional, também se teria atividade do juiz que proferiu a sentença. Entretanto, ao contrário do que ocorre em relação ao empregador, o que prevalece é o risco da atividade do próprio Estado, no escopo de salvaguardar a ordem pública. Além disso, haveria expressa norma constitucional prevendo a responsabilidade por erro judiciário.
SUSPEIÇÃO DO EMPREGADO E DISPENSA SEM JUSTA CAUSA
Muitos empregadores, cientes da precariedade do material probatório disponível, e da imprecisa exigência jurisprudencial, quanto ao rigor, subjetivo, na prova do fato ilícito, preferem dispensar o empregado, sem justa causa. A medida, inequivocamente, é fruto da cilada procedimental: o empregador nunca sabe se sua tese será mantida nos tribunais.
Ocorre, porém, que talvez pior do que ser punido é ser afastado sob suspeição. Ora, se a dispensa do empregado ocorreu no momento em que o ilícito ainda repercutia ou encerrava a sua apuração, é lógico que não será a natureza do ato de ruptura contratual que protegerá o empregado da má reputação. Agirá com imprudência o empregador que assim proceder, sendo, passível, pois, de condenação por danos morais.
Não se ignoram algumas situações difíceis, onde num setor, tesouraria, v.g., dois ou três empregados sejam suspeitos e o material probatório não indica, com precisão, o autor do ilícito. A dispensa sem justa causa seria a solução, mas certamente incorreria em irresponsabilidade pela acusação velada. A transferência de setor, também lançaria mácula sobre o empregado. De outro lado, nem sempre um inquérito policial, na hipótese de notitia criminis, oferece solução em tempo razoável.
Não há outra alternativa: mantém-se o vínculo ou se procede a despedida dos empregados cujas diligências, ao alcance do empregador, apontem em sua direção.
A NOTÍCIA CRIME À AUTORIDADE POLICIAL E O INQUÉRITO POLICIAL
Nos termos do artigo 5º, §3º e 27 do CPPB, é facultado a todo cidadão, que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação publica, comunicá-la à autoridade policial ou ao Ministério Público. Portanto, afora as hipóteses de denunciação caluniosa (art. 339 do CPB) e comunicação falsa de crime ou de contravenção (art. 340 do CPB), nas quais se pressupõe a prévia ciência do denunciante quanto à inocência do denunciado ou à inexistência do crime, não responde o empregador, por danos morais, se tão-somente tomar essa iniciativa junto às autoridades públicas. É dizer, indicar o nome de um empregado como suspeito de haver praticado um ilícito não enseja a condenação por danos morais.
É lógico que a denunciação de ilícito dentro das dependências do empregador nunca é bastante em si. Precede, naturalmente, a uma posterior resolução contratual, dependendo do resultado do inquérito.
Na hipótese de a autoridade policial concluir positivamente sobre a autoria do ilícito, totalmente estará seguro o empregador em proceder resolução contratual. Isso porque a autoridade policial dispõe de muito mais instrumentos do que o empregador, para se chegar a uma conclusão mais provável acerca da existência e autoria do ilícito. O juízo de verossimilhança da autoridade policial presume ser maior do que o do empregador.
Acaso, porém, a conclusão se incline pela negativa da autoria, nem por isso responde o empregador, pois, como se sustentou no início desse item, é faculdade a todo o cidadão comunicar a autoridade pública a existência ou suposta autoria de algum crime de ação pública22.
Poderá, inclusive, despedir o empregado por justa causa, ignorando a conclusão do inquérito, pois, a rigor, só estaria vinculado à decisão jurisdicional (art. 935 do NCCB). Entretanto, estaria agindo com imprudência se seus elementos de prova fossem menos corroborados do que o do inquérito.
DO EXCESSO DE PUBLICIDADE NA APURAÇÃO DO ILÍCITO E NA RESOLUÇÃO CONTRATUAL
É natural que um ilícito cometido nas dependências do empregador chegue ao conhecimento de terceiros. É quase impossível impedir que os empregados próximo ao fato façam comentários e o levem para fora do âmbito empresarial.
Logo, só se pode falar em responsabilidade do empregador se agir com excesso de publicidade, em abuso de direito, como ocorre nas divulgações desnecessárias, por ofício, e-mail, etc, a pretexto de coibir futuras incidências.
Em primeiro lugar, não há a mínima necessidade de que se informe que um ilícito, mormente de repercussão penal, não deva ser praticado, pois sua antijuridicidade se presume do conhecimento de todos, tornando insólito um suposto escopo pedagógico. Em segundo lugar, até que venha sentença condenatória, com trânsito em julgado, presume-se a inocência do acusado.
O juízo de verossimilhança que resulta da apuração dos fatos não pode ir além do necessário para a resolução contratual das partes. A pretensão de divulgá-lo a terceiros, ainda que de boa fé e para preveni-los em eventual contratação do empregado, é completamente abusiva, pois extrapola a relação contratual, para atingir a esfera social e profissional do empregado. Vale advertir que só a sentença condenatória pode tornar público um ilícito praticado pelo empregado. O empregador não pode se arrogar no direito de salvaguardar o interesse público, contra as garantias individuais do trabalhador, pois só o Estado poderá fazê-lo, nos limites legais e de acordo com o devido processo legal. Não é por outra razão que a Lei 10.270, de 29.8.01, acrescentou os parágrafos terceiro e quarto ao art. 29 da CLT, para vedar o registro de anotações desabonadoras à conduta do empregado. Conclui Rodolfo Pamplona Filho:
Por isso, entendemos que o registro de uma informação sobre o motivo da despedida é algo temerário, pois se não houver um reconhecimento judicial da veracidade de tais anotações, configurar-se-á uma hipótese típica de lesão moral e patrimonial perpetrada pelo empregador contra o trabalhador, devendo ser determinada a reparação deste dano.23
É claro quando se fala em excesso ou abuso de direito não se está a exigir sigilo absoluto do empregador, quando, por alguma razão ponderável, é instado a informar sobre os motivos da dispensa do empregado, hipótese concebível nos casos de pedido de referência. Exigir que o empregador se omita sobre o motivo da ruptura contratual é cerceá-lo no direito de expressão e exigir-lhe uma postura desonesta com que lhe pede informação. É necessário separar a iniciativa do empregador, quando age abusivamente, da hipótese ora considerada.
8. CONCLUSÕES
8.1. Nos casos de flagrante, dificilmente a atribuição da autoria do ilícito será revertida nos tribunais, podendo, ocorrer, no máximo, reversão da justa causa por outros motivos, como dosagem de pena, falta de imediatidade, etc.
8.2. O empregador não está obrigado, salvo normas autônomas ou heterônomas (órgãos públicos celetistas), a instaurar procedimento investigatório participativo ou necessariamente ouvir o empregado, para haver por legitimada a sua conclusão sobre os fatos apurados, desde que, é claro, a corroborem.
8.3. A insuficiência de provas não é bastante para autorizar, em processo judicial, a condenação do empregador por danos morais, salvo a demonstração cabal de que incorrera em negligência na produção de prova acerca de fato que evidentemente, na percepção do homem médio, impediria a conclusão do ilícito ou de sua autoria, a exemplo, mas só, das excludentes de ilicitude.
8.4. Só haverá falar em responsabilidade do empregador, por culpa stricto sensu, se a prova de fato virtualmente impeditivo da tese de autoria ou excludente de ilicitude, que porventura vier a ser cogitada ou provada em juízo, estiver ao seu alcance, na hora da resolução contratual.
8.5. Havendo normas dispondo sobre o procedimento investigatório participativo, a sua inobservância, total ou parcial, em aspectos relevantes, impede o conhecimento do mérito, dando ensejo à condenação por danos morais, diante da inarredável reversão da justa causa.
8.6. Não há responsabilidade objetiva do empregador por danos morais, na hipótese de reversão da justa causa, por ato de improbidade ou afins, nos tribunais.
8.7. Notitia criminis não dá ensejo à condenação por danos morais, salvo nas hipóteses dos artigos 339 e 340 do CPB.
8.8. A resolução contratual que tiver por lastro conclusão de inquérito policial está suficientemente corroborada, isentando o empregador de qualquer responsabilidade por danos morais, em caso de arquivamento. Contrariando, entretanto, conclusão de inquérito, age com imprudência, salvo elementos mais corroborados.
8.9. Excesso de publicidade ou informações, sobre o motivo da resolução, prestadas por iniciativa do empregador, fora das hipóteses legais (art. 5º, §3º e 29 do CPPB), dá ensejo à condenação por danos morais.
8.10. Instado a prestar informações, não comete danos morais o empregador que se atém a dizer a verdade sobre os motivos da resolução contratual de seu ex-empregado.
1 GIGLIO, Wagner D. Justa causa. 3. ed. São Paulo: LTr, 1992, p. 54.
2 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 563.
3 Octávio Bueno Magano, in Manual de direito do trabalho: direito individual do trabalho. 3ª ed. São Paulo; LTr, 1992. p. 208, afirma que o poder disciplinar é alçado à categoria de direito disciplinar por alguns autores. Durand e Jaussaud figuram entre os adeptos dessa orientação, afirmando que o direito disciplinar do trabalho muito se avizinha do Direito Penal. Entre nós a apontada concepção realçou-se acentuadamente com a monografia de Luiz José de Mesquita, intitulada ‘Direito Disciplinar do Trabalho. A inspiração no Direito Penal também é comentada por Orlando Gomes e Élson Gottschalk, in Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 73, ao aproximar o Direito Disciplinar do Direito Penal, destaca a necessidade de regulamentação desse direito, objetivando a salvaguardo do apenado: E a razão, que tem motivado uma regulamentação dos poderes do Estado na repressão penal (receio do arbítrio na incriminação e nas sanções, cuidado de instituir regras protetoras dos direitos individuais), é a mesma que tem determinado a formação do um direito disciplinar nas empresas.
4 DINAMARCO, Cândido Range. A instrumentalidade do processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. p. 209.
5 FILHO, Rodolfo Pamplona. O dano moral na relação de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 97.
6 MONTEIRO, Washington de Barros, in Curso de direito Civil. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 281, esclarece: quando existe intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há dolo, isto é, pleno conhecimento do mal e direto propósito de o praticar. E mais à frente, p. 282, sentencia: Culpa lata é a falta com intenção dolosa, por negligência imprópria ao comum dos homens.
7 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 39.
8 Ibidem, p. 42.
9 DINAMARCO, op. cit., p. 239.
10 Loigi Ferrajoli (p. 44) esclarece que todas as inferências dedutivas, também na inferência historiográfica e na judicial, a conclusão tem, portanto, o valor de uma hipótese de probabilidade na ordem da conexão causal entre o fato aceito como provado e o conjunto dos fatos adotados como probatórios. Sua verdade não está demonstrada como sendo logicamente deduzida das premissas, mas somente ‘comprovada como logicamente provável ou razoavelmente plausível de acordo com um ou vários princípios da indução. Uma confirmação disso é o fato de que um mesmo conjunto de acontecimentos e de dados probatórios, assim como um mesmo conjunto de observações ou de dados historiográficos, admite freqüentemente várias explicações alternativas”. FAYET, Ney, in A sentença criminal e suas nulidades. 5. ed. Rio de Janeiro: AIDE EDITORA, 1987, p. 31, é da mesma opinião: “A ‘verossimilhança fática’ apresenta especial relevo nas sentenças mormente pela impossibilidade de se chegar à verdade. ‘A formação do raciocínio do juiz, ao consignar os fatos no resultado, já é uma seleção dos detalhes estabelecidos, ou seja, uma abreviação fictícia da realidade. Os fatos consignados na sentença não são todos os fatos realmente ocorridos, mas tão-somente uma relação dos mesmos. A solução dependerá do juiz, ao distingui-los, fazer a escolha acertada entre os relevantes e os irrelevantes’, diz MAX HIRSCHBERG, in ‘La Sentencia Errônea em el Processo Penal’, Ed. Jurídicas,Europa-América, Buenos Aires, 1969. Mais à frente (p. 33), sobre a suficiência de provas, acrescenta: Ora, a palavra ‘suficiente’ é vazia de significado, cabendo exclusivamente ao julgador a tarefa de declarar em sua sentença, após análise retórica da prova, se esta é ou não ‘suficiente’. A escolha da linha de decisão depende unicamente da sua manipulação da prova, mas deve apresentar-se como a de maior verossimilhança fática.
11 OLIVEIRA, Francisco Antônio. Comentários aos enunciados do TST. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 203.
12 DINAMARCO, op. cit, 134.
13
JurisprudênciaAcompanhamento ProcessualResultado sem Formatação
ProcessoRMS 12971 / TO ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2001/0031584-4 Relator(a)Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão JulgadorT6 – SEXTA TURMAData do Julgamento18/05/2004Data da Publicação/FonteDJ 28.06.2004 p. 417Ementa RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROCESSO
DISCIPLINAR. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL.
SUFICIÊNCIA E VALIDADE DAS PROVAS. INCURSÃO NO MÉRITO
ADMINISTRATIVO.
1. “Doutrina e jurisprudência são unânimes quanto à independência
das esferas penal e administrativa; a punição disciplinar não
depende de processo civil ou criminal a que se sujeite o servidor
pela mesma falta, nem obriga a Administração Pública a aguardar o
desfecho dos mesmos.” (MS 7.138/DF, Relator Ministro Edson Vidigal,
in DJ 19/3/2001). Precedente do STF.
2. Compete ao Poder Judiciário apreciar a regularidade do
procedimento disciplinar, à luz dos princípios do contraditório, da
ampla defesa e do devido processo legal, sem, contudo, adentrar no
mérito administrativo.
3. É da boa doutrina que integram o conjunto da prova não somente
os seus elementos produzidos no processo administrativo disciplinar,
mas também aqueloutros que vieram à luz na sindicância que o
preparou, podendo e devendo ser considerados na motivação da
decisão.
4. Do policial militar é exigido o cumprimento do dever mediante
rigorosa observância do regime de suas atividades, sendo que o
envolvimento com pessoas e atitudes criminosas o torna absolutamente
inapto a permanecer em uma organização que é e deve continuar sendo
modelo de disciplina, ordem e acatamento das leis na sociedade.
5. Verificada a regularidade do processo administrativo disciplinar
e a correlação da figura típica da falta disciplinar cometida com o
preceito que autoriza a demissão a bem da disciplina, o exame da
suficiência e da validade das provas colhidas, requisita,
necessariamente, a revisão do material fático apurado no
procedimento administrativo, com a conseqüente incursão sobre o
mérito do julgamento administrativo, estranhos ao âmbito de
cabimento do mandamus e à competência do Poder Judiciário.
6. Recurso improvido.AcórdãoVistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos
do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e
Paulo Medina votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o
julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.Resumo Estruturado LEGALIDADE, ATO ADMINISTRATIVO, APLICAÇÃO, PENA DE DEMISSÃO,
POLICIAL MILITAR, CORPORAÇÃO MILITAR, DESNECESSIDADE, EXISTENCIA,
SENTENÇA PENAL CONDENATORIA, INDEPENDENCIA, INFRAÇÃO DISCIPLINAR,
EQUIPARAÇÃO, CRIME EM TESE, DECORRENCIA, AUTONOMIA, INSTANCIA,
PROCESSO ADMINISTRATIVO, PROCESSO PENAL.
LEGALIDADE, PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, APLICAÇÃO,
PENA DE DEMISSÃO, POLICIAL MILITAR, MOTIVO, INFRAÇÃO DISCIPLINAR,
EQUIPARAÇÃO, CRIME, DECORRENCIA, OBSERVANCIA, AMPLA DEFESA,
CONTRADITORIO, INEXISTENCIA, IRREGULARIDADE, INVESTIGAÇÃO,
IMPOSSIBILIDADE, STJ, APRECIAÇÃO, ALEGAÇÃO, PROVA ILICITA, AMBITO,
MANDADO DE SEGURANÇA, IMPOSSIBILIDADE, REEXAME, MERITO, ATO
ADMINISTRATIVO.DoutrinaOBRA : DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, 26ª ED., MALHEIROS, P.
461/462.
AUTOR : HELY LOPES MEIRELLES
OBRA : CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 8ª ED., MALHEIROS, P.
180/181.
AUTOR : CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLOVeja(AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E CRIMINAL)
STJ – MS 7861-DF, MS 7138-DF (JBCC 189/387)
STF – MS 21708-DF
(MANDADO DE SEGURANÇA – IMPOSSIBILIDADE REEXAME DE PROVAS)
STF – MS 20999-DF, MS 21297-DF, MS 22534-PR, MS 20882-DF
STJ – RESP 67075-DF, MS 7370-DF,
MS 7019-DF (RSTJ 152/441, JBCC 189/94)
14 DINAMARCO, op.cit., p. 134.
15 Aresto do TRF da 5ª ilustra bem o tema, com repercussão em danos morais:
AcórdãoOrigem: TRIBUNAL – QUINTA REGIAO
Classe: AC – Apelação Civel – 316067
Processo: 200305000045734 UF: PE Órgão Julgador: Primeira Turma
Data da decisão: 19/08/2004 Documento: TRF500084739 FonteDJ – Data::21/09/2004 – Página::519 – Nº::182Relator(a) Desembargador Federal Francisco WildoDecisão UNÂNIMEEmentaCONSTITUCIONAL E CIVIL. ERRO JUDICIÁRIO. ABSOLVIÇÃO EM REVISÃO CRIMINAL. DANO
MORAL. RESPONSABILIDADE SEM CULPA. EXISTÊNCIA.
– O ordenamento jurídico
brasileiro adota a tese da responsabilidade do Estado sem necessidade de
aferição de culpa nos casos de erro judiciário. Inteligência do Art. 5º, LXXV
da CF/88.
– A condenação, e posterior absolvição, em sede de revisão criminal
caracteriza o que o legislador constituinte chamou de erro judiciário, que
não indica má-fé ou culpa do magistrado.
– A condenação criminal injusta
é ato potencialmente lesivo e provoca dor, angústia e mácula no bom nome
e respeitabilidade social.
– Indenização que, no caso de erro judiciário,
não tem por fito a punição do Estado, mas sim a reparação e alento à vítima,
devendo tomar por base a extensão dos danos causados.
– Condenação no valor
de R$ 100.000,00 que se demonstra razoável para o caso.
– Apelação provida.Data Publicação21/09/2004Referência LegislativaCF-88 Constituição Federal de 1988 ART-5 INC-75 INC-5 ART-37 PAR-6 – – – CPP-41 Codigo de Processo Penal LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-630 PAR-1 PAR-2 – – – CPC-73 Código de Processo Civil LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-2 ART-128 ART-460
16 GARCIA, GUSTAVO FELIPE BARBOSA. Síntese Trabalhista – No 163, p. 7.
17 Ibidem, p. 9.
18 Ibidem, p. 8.
19 SANTOS, ENOQUE RIBEIRO DOS. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva da empresa em face do novo código civil. ST No 175 – Jan/2004, p. 37-55.
20 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p.154.
21 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 7. p. 48.
22
Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL – 254414
Processo: 200000333247 UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA
Data da decisão: 03/08/2004 Documento: STJ000568302 FonteDJ DATA:27/09/2004 PÁGINA:360Relator(a) JORGE SCARTEZZINIDecisão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs.
Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator, com quem votaram de acordo os Srs. Ministros
BARROS MONTEIRO, CESAR ASFOR ROCHA, FERNANDO GONÇALVES e ALDIR
PASSARINHO JUNIOR.EmentaCIVIL – RECURSO ESPECIAL – IMPUTAÇÃO DE CRIME DE FURTO A EMPREGADO –
COMUNICAÇÃO À AUTORIDADE POLICIAL – DANO MORAL – AUSÊNCIA –
INDENIZAÇÃO INDEVIDA – EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – DISSÍDIO
PRETORIANO NÃO COMPROVADO.
1 – Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional tem decidido
que, a teor do art. 255 e parágrafos do RISTJ, para comprovação e
apreciação do dissídio jurisprudencial, devem ser mencionadas e
expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos
confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados
ou, ainda, citado repositório oficial de jurisprudência. In casu,
isso não ocorreu.
2 – A comunicação à autoridade policial de fato que, a princípio,
configura crime (subtração de dinheiro) ou o pedido de apuração de
sua existência e autoria, suficientes a ensejar a abertura de
inquérito policial, corresponde ao exercício de um dever legal e
regular de direito, que não culmina na responsabilidade
indenizatória. Inexistência de dano moral.
3 – Precedente (REsp nº 468.377/MG).
4 – Recurso não conhecido.IndexaçãoVIDE EMENTA.Data Publicação27/09/2004
23FILHO, Rodolfo Pamplona. O dano moral na relação de emprego. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 95.