Autor: Marcelo Mazzola (*)
O CPC/2015 trouxe importantes alterações na parte relativa aos honorários sucumbenciais. Em linhas gerais, os parágrafos do artigo 85 encampam alguns entendimentos jurisprudenciais sedimentados na vigência do CPC/1973, esclarecem questões de ordem prática e autorizam a fixação de honorários sucumbenciais recursais.
Além disso, em boa hora, o legislador previu — diferentemente do diploma revogado — que, mesmo nas causas em que “não houver condenação” (artigo 20, parágrafo 4º, CPC/1973), deverá o juiz fixar a verba sucumbencial entre o percentual mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (artigo 85, parágrafo 2º). O código é claro ao estabelecer que os limites e critérios ali previstos “aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito” (artigo 85, parágrafo 6º).
Portanto, com exceção daqueles casos envolvendo a Fazenda Pública (em que há regramento próprio — artigo 85, parágrafos 3º a 5º), de processos em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou o valor da causa for muito baixo (hipótese em que a fixação da verba sucumbencial deve ser feita de forma equitativa — artigo 85, parágrafo 8º), do processo de execução e de alguns procedimentos especiais (que possuem normas específicas), o julgador deverá fixar os honorários dentro da moldura de 10% a 20%.
Quanto aos critérios para a definição do respectivo percentual, não houve alterações. Permanecem os mesmos standards: grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço.
É com base nesses critérios que o julgador deve fundamentar e justificar o percentual da verba sucumbencial (artigos 93, IX, da Constituição Federal e 11 e 489, parágrafo 1º, CPC/15).
Pois bem, assentadas tais premissas, propõe-se uma questão para reflexão: a atuação cooperativa dos advogados pode repercutir na fixação da verba sucumbencial?
Como se sabe, o artigo 6º do CPC/2015 estabelece que todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Nesse contexto, seria possível correlacionar a atuação cooperativa do causídico com a fixação de sua verba sucumbencial? Entendemos que sim.
Apesar da cooperação — norma estruturante do processo civil — não estar expressamente prevista nos incisos I a IV do parágrafo 2º do artigo 85, ali estão estampados alguns conceitos jurídicos indeterminados que se conectam à atividade colaborativa.
Por exemplo, no que tange ao “grau de zelo do profissional”, entendemos que o juiz, além de analisar se o causídico tutelou de forma devida os interesses de seu cliente, poderia avaliar se o mesmo cooperou para a entrega de uma prestação jurisdicional célere (artigos 4º e 6º) e eficiente (artigo 8º). Ou seja, o seu “grau de zelo” com a própria jurisdição. Afinal, como pontuam Dierle Nunes e Alexandre Bahia, todos devem cooperar para “o resultado final”.
Nesse particular, entendemos que o advogado que propõe demanda ignorando a existência das chamadas cláusulas de paz; apresenta petições ineptas ou ininteligíveis; destrata colegas, partes e serventuários da Justiça; interpõe recursos destituídos de fundamento; revolve teses jurídicas já definidas em precedentes qualificados, sem fazer o distinguishing; retarda o processo com o recolhimento equivocado de custas; provoca dilações de prazo sem necessidade; entre outros, não age, evidentemente, de forma zelosa e cooperativa, expondo, ainda, seu cliente às penas por litigância de má-fé.
Por outro lado, aquele advogado que estimula os métodos adequados de resolução de conflitos (artigo 3º, parágrafo 3º, do CPC/2015); indica precedentes vinculativos em suas petições, explicando de forma objetiva sua incidência no caso concreto; se preocupa em delimitar as questões controvertidas facilitando o saneamento pelo juiz; não intervém em depoimentos sem autorização (artigo 361, parágrafo único); e cumpre seus prazos regularmente, entre outros, atua com zelo e espírito colaborativo.
Sob outro prisma, em relação à expressão “trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”, pensamos que o juiz poderia considerar não apenas a atuação do causídico no âmbito do processo judicial, mas também na esfera pré-processual.
Explica-se.
Vamos imaginar, por exemplo, que um advogado, antes de judicializar a questão, proponha uma mediação extrajudicial ou tente buscar um acordo, formalizando suas tentativas por e-mail ou mesmo sugerindo reuniões. E que, mesmo não sendo possível a autocomposição, ainda resolva enviar uma notificação extrajudicial franqueando ao futuro adversário uma última oportunidade para a composição consensual.
Ora, por que não considerar esse trabalho do advogado e o tempo dedicado ao tema (objeto da futura ação) no momento de fixação dos honorários na fase judicial? Por que não prestigiar condutas colaborativas pré-processuais, quando a demanda for patrocinada pelo mesmo causídico (ou pela sociedade da qual faz parte) que se ocupou do assunto na fase extrajudicial?
Claro que, para a definição do percentual de honorários, o juiz deve levar em consideração todos os critérios legais (previstos no parágrafo 2º do artigo 85, CPC/2015), mas o que estamos propondo é a releitura de alguns conceitos ali indicados, à luz da cooperação. O que se pretende, em última análise, é premiar condutas colaborativas.
Essa lógica, ao menos em tese, também teria o condão de fomentar uma atuação mais cooperativa dos advogados das partes durante toda a marcha processual. Sim, porque como os honorários não podem mais ser compensados (artigo 85, parágrafo 14), o juiz, em caso de sucumbência recíproca — se constatada a atuação colaborativa dos causídicos e observados os demais requisitos legais —, poderia aplicar, de forma fundamentada, um percentual acima do mínimo legal para cada profissional, ou mesmo de forma individualizada à luz da atuação de cada um.
Em suma, é preciso avançar, ainda que timidamente, em direção a uma interpretação mais consentânea com os vetores estruturantes do processo civil contemporâneo.
Autor: Marcelo Mazzola é advogado e sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados, mestre em Direito Processual Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vice-presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), professor de Processo Civil da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto Carioca de Direito Processual (ICPC) e coordenador da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ e de Propriedade Intelectual do Mediare.