Autor: Frederico de Moura Theophilo (*)
Admira-me muito um professor de Direito Constitucional, o presidente Michel Temer (PMDB), aumentar as contribuições ao PIS e à Cofins por decreto, em ofensa direta aos princípios da legalidade estrita em matéria fiscal e da anterioridade nonagesimal.
Tal aumento se deu pelo Decreto 9.101, de 20 de julho de 2017 (DOU de 21 de junho de 2017) o qual tomou por base o artigo 23 e seu § 5º da Lei 10.865/2004 e no artigo 5º, § 8º, da Lei 9.718/1998, os quais em total afronta à Constituição permitem tamanha violência, qual seja o aumento destes tributos por decreto.
É o artigo 150, I da Constituição Federal que estabelece o princípio da legalidade estrita em matéria fiscal ao prescrever que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Nesse dispositivo constitucional está inserto o direito individual do contribuinte de não sofrer qualquer surpresa fiscal (princípio da não surpresa) quanto ao cumprimento de suas obrigações fiscais, no que diz respeito à exigência ou ao aumento de tributo a não ser que a lei em seu aspecto formal, o determine, mesmo assim resguardado o princípio da anterioridade que lhe é assegurado pelo inciso III, “c” do mesmo artigo 150 da Constituição Federal.
O princípio da legalidade estrita em matéria fiscal está regulado pelo artigo 97 do CTN que é lei complementar material, encontrando-se na Constituição Federal três exceções a este princípio, a saber:
a) A primeira exceção ao princípio da legalidade está assentada no artigo 153, § 1° da CF que faculta ao Poder Executivo alterar as alíquotas do Imposto sobre Importação (II), Imposto sobre Exportação (IE), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
b) A segunda está contida no artigo 177 § 4°, I, “b” da Constituição Federal e abre a possibilidade de o Poder Executivo reduzir ou restabelecer a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.
c) A terceira exceção, introduzida pela Emenda Constitucional n° 33/2001, é a contida no art. 155, § 4°, IV da CF, permitindo aos Estados e Distrito Federal definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis através de Convênio específico.
Deve ser observado que somente a Constituição Federal pode estabelecer exceções ao princípio da legalidade em matéria tributária, porém, alguns autores também arrolam como exceção à legalidade estrita o disposto no § 2º do artigo 97 do CTM, que dispõe não constituir majoração de tributo a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo, o que, absolutamente, não é o caso presente.
Com efeito, não é o caso presente, pois há de ser observado que o citado dispositivo do CTN não trata de majoração de tributo, mas de atualização de sua base de cálculo para recompô-la em face da inflação.
Assim, não é propriamente uma exceção ao princípio da legalidade estrita em matéria fiscal, mas o clarear da diferença entre majoração de tributo e atualização do mesmo, através da recomposição de sua base de cálculo em face da inflação.
Postas essas considerações, torna-se fácil entender que as contribuições ao PIS e à Cofins por não se constituírem em exceções permitidas pela própria Constituição, estão umbilicalmente ligadas ao princípio da legalidade estrita em matéria tributária, não podendo ter suas alíquotas reduzidas ou restabelecidas por decreto.
Sustentam alguns ser de natureza extrafiscal a exigência das contribuições sociais ao PIS e à Cofins e, sendo assim, tais tributos podem ser excluídos, por lei, do princípio da legalidade, o que não é verdadeiro.
Preliminarmente deve ser esclarecido que tais contribuições são duas contribuições distintas e não uma só contribuição, pois vinculadas a fins diversos. O PIS tem sustentação de validez no artigo 239 da Constituição Federal e os seus recursos destinam-se ao pagamento do seguro-desemprego e o abono salarial de que trata o § 3º do mesmo artigo da Constituição, destinado àqueles que ganham até 2 (dois) salários mínimos mensais.
Já a Cofins está prevista no artigo 195, I, “b” da Constituição e destina-se ao financiamento da seguridade social. Portanto trata-se de duas contribuições distintas. É que as “contribuições” são tributos vinculados a um fim e/ou a um órgão e distinguem-se umas das outras exatamente por suas destinações.
Ora, o tributo extrafiscal é aquele que tem fins diversos da satisfação de arrecadação, como o IPI, o ICMS e os impostos sobre as importações (II) e sobre as exportações (IE) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Tais tributos por estarem abarcados pelos princípios da seletividade e essencialidade ou por se destinarem à regulação do comércio exterior, bem como, interferir no mercado financeiro, estes sim têm carga extrafiscal.
O PIS e a Cofins jamais terão de obedecer a essencialidade ou à seletividade de bem ou serviço, bem como, regular qualquer comércio, indústria ou serviço.
Assim, tal afirmação carece de qualquer fundamento, quer doutrinário quer jurisprudencial devendo ser acrescentado mais um detalhe de importância vital para destroçar tal alegação.
É que se a legalidade estrita em matéria fiscal é princípio constitucional informador do Estado de Direito, limitador do poder do Estado e direito individual do contribuinte, somente a própria Constituição pode estabelecer os casos que são exceção deste princípio.
E a Constituição não possui nenhum dispositivo que exclua as contribuições ao PIS e a Cofins do princípio da legalidade.
Essa a realidade dos fatos, portanto, sustentar que tais contribuições sejam excluídas do princípio da legalidade estrita em matéria tributária é verdadeiramente absurdo, é impossível.
Do exposto, como decreto não é lei, não poderia um decreto simplesmente aumentar tais contribuições. Deve ser acrescentado ainda que tal aumento de tributos não só agride a Constituição quanto à violação ao princípio da legalidade (art. 150, I da CF), quanto ao princípio da anterioridade inserto na letra “c” do inciso III do mesmo artigo 150 da Constituição Federal, pelo qual:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Sendo assim, se mesmo que tal aumento tivesse sido imposto por lei somente podendo ter efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação, por decreto também teria que obedecer tal período para entrar em vigor observando-se o direito a não surpresa que têm os contribuintes.
Cumpre esclarecer que essa matéria — aumento do PIS/Cofins por Decreto e não por lei – já tem repercussão geral reconhecida pelo STF no RE 986.296/PR desde março de 2017, que trata do:
Tema 939 – Possibilidade de as alíquotas da contribuição ao PIS e da Cofins serem reduzidas e restabelecidas por regulamento infralegal, nos termos do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004.
Tal recurso trata do aumento da alíquota destes tributos no caso de incidência sobre receitas financeiras e obedece ao princípio da anterioridade nonagesimal consoante o artigo 2° do Decreto n° 8.426, publicado em 1º de abril de 2015, quando estabelece que:
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de julho de 2015. (90 dias depois de sua publicação em 1° de abril de 2015)
Note-se que foi mantido em vigor o Decreto anterior até o transcurso da anterioridade nonagesimal, quando o artigo 3º seguinte prescreve que “Fica revogado, a partir de 1º de julho de 2015, o Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005”.
Do exposto, como somente a Constituição pode criar exceções aos princípios da legalidade estrita em matéria fiscal (art. 150, I da CF) e da anterioridade nonagesimal do aumento das contribuições (art. 150, III, “c” da CF), como o PIS/Cofins são contribuições e a Constituição não os excepcionou da aplicação de tais princípios, também o Decreto 9.101/2017, calcado no caput e no § 5º do art. 23 da Lei 10.865/2004, e no artigo 5º, § 8º, da Lei 9.718/1998, é inconstitucional e inválido porque os dispositivos legais em que se apoia, são inconstitucionais por ofensa aos artigos da Constituição Federal acima mencionados.
Autor: Frederico de Moura Theophilo é advogado em Londrina. Sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da International Fiscal Association (IFA), membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná; membro honorário do Instituto de Direito Tributário de Londrina (IDTL) e ex-conselheiro do Carf.