A Presidência da República publicou duas Medidas Provisórias, de nºs. 293 e 294, ambas de oito de maio, que tratam da reforma trabalhista. Esta iniciativa revela não somente o autoritarismo como é tratado o tema, mas também traz dúvidas quanto a sua intenção e propósito.
A primeira Medida prevê o reconhecimento de centrais sindicais como entes “trabalhistas”, pois até agora eram “civis”. A segunda cria o CNRT – Conselho Nacional das Relações de trabalho – junto ao Ministério do Trabalho e Emprego. Vamos aqui tratar apenas da primeira MP.
Preliminarmente a MP é absolutamente inconstitucional. O art. 62, da Constituição, exige os requisitos de “urgência” e “relevância”, o que, à evidência, não é o caso. As atuais Centrais existem há anos, o atual Governo está no poder há mais de três, nada justificando serem reconhecidas desta forma.
O Poder Judiciário, é verdade, pode examinar se os ditos requisitos estão obedecidos (conforme julgamento de 04.04.2002, STF – ADI 2.213-0 – DF, Min. Celso de Mello). Entretanto, o Parlamento, talvez a MP aprove, quiçá com louvor (sinais destes tempos bicudos).
A MP ao prever que possam “exercer a representação dos trabalhadores, por meio das organizações sindicais a ela filiados” (art. 1º) traz mais dúvidas que certeza.
Tem o conjunto do sindicalismo liberdade e autonomia para se constituir em centrais sindicais? Não. A MP reconhece apenas aos trabalhadores, e não aos empregadores, o direito à central sindical; impõe número mínimo de sindicatos filiados para ser reconhecida.
Coloca o Ministério do Trabalho e Emprego (isto é, a autoridade pública do partido político de plantão) para “a aferição dos requisitos de representatividade” das centrais. Isto tudo está na contramão da Convenção 87 da OIT – Organização Internacional do Trabalho que consagra a ampla liberdade e autonomia sindical para empregadores e trabalhadores se organizarem independentemente de “autorização prévia” do Estado ou sua “intervenção” administrativa (art. 2 e 3 da Convenção).
Quanto à atuação das centrais, ao que parece, confunde-se com a atuação das Federações e Confederações e aí estamos diante de um problema: como admitir a concorrência de competências se o art. 8º, II, da Constituição diz que “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial…”
A MP cria um outro sistema sindical paralelo de representação dos trabalhadores. Há o atual, confederativo (Sindicato, Federação e Confederação) e o sistema de centrais porque estas são formadas por sindicatos, e criado para participar de fóruns, conselhos e colegiados de órgãos-públicos – especialmente para funções direta ou indiretamente remuneradas pelo dinheiro do contribuinte.
Enfim, a reforma sindical aí está, a MP já foi editada em regime de urgência, vai ao exame no Congresso e se vier a aumentar despesas para os trabalhadores, estes pagarão a conta.
João José de Souza Leite – Advogado