No mundo da economia civilizada, o banco central regula, controla, policia, enfim, manda nos bancos.
No Brasil, ao contrário, os bancos mandam no Banco Central.
Pior!
O BC, mandado pelos bancos, manda nos governos (v.g., FHC, Lula etc.).
Olavo Setúbal, presidente do Itaú, antes da última eleição, já “tranquilizava o mercado”, aclamando a identidade das políticas de PSDB e PT, ambas generosas com os banqueiros: “Lula ou Alckmin é a mesma coisa. Os dois são conservadores”. (Folha de S.Paulo, 13 de agosto de 2006).
Em suma, vivemos não na democracia, muito menos meritocracia, e sim sob a “bancocracia”: o governo dos bancos.
Surrealisticamente, vozes da especulação financeira especulam deva ao Banco Central ser assegurada total independência, livrando-o de eventuais interferências políticas, consideradas perversas.
Ora, mais que independente, o BC é um enclave, verdadeiro Estado soberano incrustado no Estado Brasileiro, a ninguém prestando contas.
A questão é inversa: quando o povo elegerá governo que proclame a independência do BC dos banqueiros, bem assim do Estado em face do imperialismo financeiro?
O Banco Central é a prova mais contundente da fraude da tão decantada democracia brasileira. Em suma, o povo vota, mas nada decide. A questão crucial, destinação da parcela substancial do dinheiro arrecadado pela fazenda pública, está imune à vontade das urnas.
O Congresso Nacional, representação da soberania popular, não exerce qualquer poder relevante sobre o Banco Central, o qual, impunemente, desacata as raras leis saneadoras editadas pela Casa do Povo, regra geral agindo ao seu bel-prazer, editando normas e agindo da forma mais irresponsável e lesiva ao erário.
Entrementes, o Parlamento esvai suas forças em questiúnculas, debate sobre a destinação das migalhas do orçamento, pífios programas econômico-sociais etc.
Basta ver os dados da prostituta dívida pública em prol do gigolô do mercado financeiro. Em dez anos (1994 a 2004), o erário despendeu R$ 728 bilhões com pagamento de juros e encargos da dívida pública.
Nesse período, a dívida líquida do governo federal aumentou de R$ 65,8 bilhões (dezembro de 1994) para R$ 601,4 bilhões (dezembro de 2004 —Folha de S.Paulo, 21 de abril de 2005— retratando estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados).
Entre 1999 e 2005, correr de seis anos, o Brasil pagou R$ 1,2 trilhão de dívida pública. Em 1995, a dívida consumia 18,75% do Orçamento da União, chegando a 42,85% em 2005.
Comparada com as gastos da Previdência Social, em 1995, ela gastava 34,05% do Orçamento, baixando a 31,6% em 2005 (cálculos da Unafisco/SP, Folha de S.Paulo, 24 de outubro de 2006).
O Bolsa Família, maior programa de distribuição de renda, trunfo do governo Lula, reponsável pelo maior índice de redução da miséria nos últimos 60 anos, em 2003 despendeu R$ 3,4 bilhões (3,6 milhões de famílias atendidas), em 2004, R$ 5,7 bilhões (6,5 milhões de famílias), em 2005, R$ 6,5 bilhões (8,7 milhões de famílias), em 2006, projetados R$ 8,5 bilhões (11,1 milhões de famílias —Folha de S.Paulo, novembro de 2006).
Justificando o aumento do juro ofertado pelos títulos públicos (o Brasil é o 1º no “ranking” dos juros reais anuais entre todos os países do mundo, ou seja, taxa nominal de juros, descontada a inflação do período —Folha de S.Paulo, 19 de outrubro de 2006), o Banco Central diz buscar controlar a inflação. Desde 1999, quando o governo adotou o sistema de metas de inflação e o câmbio flutuante (Decreto 3.088/99), a taxa de juros é o principal mecanismo de contenção de preços.
Juro alto aumenta a atratividade por títulos da dívida pública do governo e, conseqüentemente, majora os juros cobrados por instituições financeiras na outorga de empréstimos, inibindo investimentos privados (Folha Online, 16 de fevereiro de 2005).
Em resumo, o cidadão paga ao sistema financeiro (tributos cobrados da sociedade os quais custeiam os juros da dívida pública) para que a ele próprio, o contribuinte, os bancos neguem crédito, preferindo emprestar à fazenda pública, asfixiando o consumo, refreando a inflação. Espetáculo!
“Spread”: é a diferença entre a taxa de juros paga pelos bancos na captação(poupança, demais aplicações das pessoas) e a taxa por eles cobrada no empréstimo. Nela, além do lucro da instituição financeira, estão incluídos os riscos da inadimplência, os custos opercionais e os tributos.
Segundo pesquisa do próprio Banco Central, “spread” médio em setembro de 2006 atingiu os seguintes níveis (anuais): 1) pessoa física: cheque especial (143,%), crédito pessoal (75,9%), crédito consignado (34,7%); 2) pessoa jurídica: desconto de duplicata (37,%), capital de giro (32,2%) —Folha de S.Paulo, 25 outubro de 2006).
“País já tem maior taxa de juro real (taxa nominal, descontada a inflação do período) do mundo” (Folha de S.Paulo, 19 de janeiro de 2005). Em fevereiro de 2005, a taxa (anual) média de juros do cheque especial foi de 146,4%, com “spread” de 129% (Folha de S.Paulo, 24 de março de 2005).
No Brasil, o mais voraz dos agiotas cobra dos mutuários menos de 50% dos juros oficiais e remunera os mutuantes com taxas de rendimentos igualmente muito acima às do mercado regular. Todavia, kafkianamente, ele, o agiota, e não os banqueiros, é processado por usura (artigo 4º da Lei 1.521/51; artigo 8º da Lei 7.492/86).
Pela descriminalização da agiotagem! Nesse quadro, império da usura bancária, o mais rudimentar dos liberais permitiria os cidadãos, indefesos frente à bancocracia, no mínimo, emprestar livremente a seus pares!
Infalível forma de desbaratar o narcotráfico seria levar os traficantes a contratarem financiamentto de sua atividade nos bancos brasileiros. Inexoravelmente, todos quebrariam! Sequer “business” a cocaína resistiria aos juros deste cassino.
A rentabilidade (total do lucro sobre o patrimônio líquido) dos bancos brasileiros é recorde superior ao dos EUA. No Brasil, 17%. Nos EUA, 15,1% (Folha de S.Paulo, 27 de fevereiro de 2005).
Em 1996, os bancos privados nacionais somaram lucro líquido de R$ 2,7 bilhões, rentabilidade de 13,5% sobre seus patrimônios. Em 2004, o lucro subiu para R$ 12,5 bilhões, rentabilidade de 21,9% (Folha de S.Paulo, 27 de novembro de 2005, baseada nos balanços que os próprios bancos entregam ao BC).
Sobre os juros pagos pelos cidadãos aos bancos e os juros cobrados dos bancos pelo Banco Central, nenhuma lei limitativa!
Afinal, consoante o rei mercado especulativo, isso seria intromissão política indevida. O povo que não ouse exigir dos seus representantes eleitos qualquer regulação. Como dito, aqui, o Congresso Nacional, a democracia inexiste!
Em 2003, início do Governo Lula já sob confessa submissão ao império financeiro, o PT anui à revogação da redação original do artigo 192 da Constituição (Emenda Constitucional 40/03), o qual apregoava controles cruciais, a exemplo da limitação de juros, requisitos à investidura de diretores do BC, restrição à migração da poupança de regiões pobres às mais ricas da nação, controle sobre o Banco Central etc.
A assistência financeira de liquidez, isto é, empréstimo do Banco Central a bancos em dificuldade, tem juros entre 2% a 10% acima da selic (taxa de juros que o erário paga pelos títulos da dívida pública), ou seja, abaixo, muito abaixo do mercado.
Em suma, um grande negócio para os bancos mesmo quando tomadores de empréstimos!
Sucessivamente, governo pós governo, para onde vão (retornam) os diretores do BC?
“Passagem pelo governo alavanca carreira. Economistas e banqueiros saem do setor público para assumir cargos de destaque no mercado financeiro” (Folha de S.Paulo, 22 de agosto de 2004).
O BC, como agência reguladora do sistema bancário, deveria tutelar o interesse público, protegendo o cidadão, consumidor dos serviços bancários.
Quais os normativos no BC em prol dos consumidores de serviços bancários?
Resoluções 2.747/00, 2.878/01 e 2.892/01. Examinando seu conteúdo, afora pífios direitos, a exemplo do fornecimento gratuito de um talão de cheques e cartão magnético, as disposições são tímidas e parciais reproduções de textos legais, a exemplo do Código do Consumidor, Estatuto do Idoso, tutela dos portadores de necessidades especiais (v.g., Lei 10.098/00) etc.
Matérias fundamentais, a exemplo da demora (fila) no atendimento bancário (certificado pelo STF que até os municípios podem normatizar a respeito: Recurso Extraordinário 4.32789), segurança contra roubos que vitimam clientes e empregados (obrigatoriedade de porta com detector de metais etc.), limitação contra tarifas abusivas (em 2005 e 2006, neste último ano considerados apenas os cinco maiores privados, os bancos arrecadaram mais de R$ 60 bilhões em tarifas —Folha de S.Paulo, 10 de março de 2006 e 19 de fevereiro de 2007), proteção ao crédito, credibilidade do cheque, cártula hoje desmoralizada dada a irresponsabilidade dos bancos na concessão do documento a caloteiros reincidentes etc., nada, absolutamente nada!
O lucro dos bancos —é óbvio!— sacrossantamente privatizado, consoante mandamento do deus mercado, remanesce intocável por qualquer destinação social.
E se advir a desventura do prejuízo ao banqueiro? Sem “streptus”! O Estado cobre o passivo! Clássico caso do Proer, programa que injetou cerca de R$ 24 bilhões do erário em bancos quebrados (Econômico, Nacional, Bamerindus etc.).
Completados dez anos do Proer, o prejuízo do erário é de R$ 4,7 bilhões. À época, Pedro Malan, então ministro da Fazenda, afirmou que os cofres públicos não teriam prejuízo (Folha de S.Paulo, 18 de abril de 2005).
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Celso Antônio Três é procurador da República em Tubarão (SC). Já atuou em Brasília e em Cascavel (PR). Especializado em crimes contra o sistema financeiro nacional, foi responsável pela descoberta do esquema de evasão de divisas por meio de contas CC5 na fronteira com o Paraguai. É editor do site www.crimesdocolarinhobranco.adv.br.