Batalha contra invasão de escritórios deve ser da sociedade

por André Petry

Não são poucos os advogados picaretas. Agora mesmo, um tal de Laerte Gomes Carvalho foi preso em flagrante no Rio de Janeiro, no momento em que tentava subornar um delegado com 50.000 reais para libertar seu cliente, um traficante conhecido como “Dinho Porquinho”. O advogado, é claro, não estava agindo como advogado, mas como delinqüente. Cana nele. A OAB do Rio de Janeiro informa que, só na atual gestão, já expulsou sessenta advogados de seus quadros, metade deles por envolvimento direto com o crime organizado. São advogados que, em vez de advogar, cometem crimes.

Há, sim, muitos advogados picaretas. Mas não há nenhuma indicação de que a picaretagem seja maior entre os advogados do que entre os pedreiros, jornalistas, engenheiros, cantores ou padres. É fundamental que não se crie a impressão de que os advogados são particularmente corruptos e marginais – porque essa impressão, além de injusta e estabanada, faz um mal tremendo à sociedade toda.

Aliás, talvez já esteja fazendo.

Nos últimos tempos, os advogados – os de verdade, é claro – estão numa batalha que deveria ser de todos nós: a batalha para impedir que seus escritórios sejam invadidos pela polícia em busca de provas capazes de incriminar seus clientes. Isso tem acontecido com freqüência crescente. As contas mais recentes indicam que, nos últimos meses, doze escritórios de advocacia em São Paulo e cinco no Rio de Janeiro foram invadidos por agentes da Polícia Federal. Nas invasões, os policiais estavam devidamente munidos de ordem judicial. Aos desavisados, talvez pareça até saudável que isso esteja ocorrendo. Afinal, se um advogado guarda em seu cofre documentos que podem incriminar um assassino, um traficante, um estuprador, nada melhor do que permitir que a polícia, judicialmente autorizada, coloque as mãos nessas provas e impeça o criminoso de escapar da prisão, certo? Errado. Dramaticamente errado.

O escritório de um advogado pode ser invadido caso ele próprio seja suspeito de um crime – como o advogado de Dinho Porquinho, que oferecia suborno. Mas jamais no caso de suspeita de seu cliente. E isso por uma razão elementar: o advogado tem direito ao sigilo profissional, do mesmo modo como o jornalista tem direito a manter sigilo sobre sua fonte e o padre tem direito a manter segredo sobre o que lhe contam os fiéis no confessionário. É assim que funciona numa democracia, num regime de liberdade. O sigilo do advogado, porém, não existe para protegê-lo. Existe para proteger o cidadão, para que tenhamos todos nós, inocentes ou culpados, o elementar direito à defesa plena. O sigilo de fonte do jornalista também não existe para agradar ao jornalista, mas para assegurar à sociedade o acesso ao mais amplo leque de informações possível.

O mais impressionante é que as invasões dos escritórios de advogados têm sido autorizadas por juízes que, em tese, estudaram nas faculdades de direito, mas ao que tudo indica não aprenderam a diferença entre advogado-advogado e advogado-criminoso. Cabe, portanto, à sociedade ficar alerta. Ninguém desconhece que a polícia costuma enganar os juízes nos seus pedidos de busca e apreensão, metendo ilicitudes de cambulhada. Mas a tramóia de um policial não redime a inépcia de um juiz. Talvez os juízes devessem aderir à luta dos advogados, não? O silêncio deles incomoda.

*Artigo publicado na edição de 18 de maio da revista Veja

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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