Benefício fiscal de ICMS – Inconstitucionalidade da concessão não uniforme entre operações internas

Dênerson Dias Rosa

em sido prática rotineira a concessão, por parte dos Estados, de benefícios, incentivos ou favores fiscais relativos ao ICMS. Todavia, apesar de algumas inconstitucionalidades, visto que há benefícios concedidos por determinado Estado de forma unilateral, a grande maioria dos benefícios fiscais relativos ao ICMS é advindo do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), em atendimento ao ditame constitucional que determina que a concessão de benefícios fiscais, relativos ao ICMS, seja feita por meio de Convênio celebrado pelos Estados.

Analisando-se os Convênios de ICMS celebrados, pelos Estados, por meio do CONFAZ, verifica-se que a maioria das isenções, reduções de base de cálculo, créditos outorgados ou presumidos, bem como outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais concedidos com base no ICMS, não tem sua concessão realizada de uniformemente entre operações internas ou interestaduais.

Para exemplificar a questão, transcreve-se o Convênio ICMS 100/97, Cláusulas Primeira e Segunda, que autoriza a concessão de benefícios fiscais em relação a implementos agrícolas diversos.

“CLÁUSULA PRIMEIRA. Fica reduzida em 60% (sessenta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:

omissis”

“CLÁUSULA SEGUNDA. Fica reduzida em 30% (trinta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos:

omissis”

O Convênio ICMS 100/97 autoriza que a determinados produtos seja concedida redução de base de cálculo do ICMS em 60%, para outros produtos autoriza a redução de base de cálculo do ICMS em 30%, todavia, a questão de diferença de tratamento entre operações internas e interestaduais é verificada na Cláusula Terceira, abaixo transcrita, que autoriza os Estados a conceder, nas operações internas, redução, para os mesmos produtos, em patamares distintos dos estabelecidos para as operações interestaduais.

“CLÁUSULA TERCEIRA. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder às operações internas com os produtos relacionados nas cláusulas anteriores, redução da base de cálculo ou isenção do ICMS, observadas as respectivas condições para fruição do benefício.”

Para melhor compreender essa questão, importante entender o ICMS, sua história e evolução.

O ICMS (antigo ICM) nasceu fruto de estudos que buscavam aperfeiçoar a imperfeita forma de tributação do Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), cuja incidência dava-se em cascata. Dentre as alternativas sugeridas para substituição ao IVC, havia a de um imposto que incidisse sobre o consumo e havia, também, a de um imposto que fosse cobrado, tal qual o sistema francês, sobre o valor adicionado.

A tributação sobre o consumo implicaria na cobrança do imposto tão somente quando da venda ao consumidor final, enquanto a tributação sobre valor adicionado implicaria em relação à diferença entre o preço de compra e o preço de venda, ou, em uma situação hipotética de aquisição de determinada mercadoria por R$100,00 e a sua posterior venda por R$150,00, a base para a incidência do imposto seria os R$50,00, que corresponde à diferença entre o valor da aquisição e o valor da venda, ou o valor que foi adicionado, por este contribuinte, em relação a este produto.

Os que defendiam a cobrança do imposto sobre o consumo, o faziam defendendo o que consideravam ser uma justa distribuição da tributação, posto que à época, como ainda hoje o é, tinha-se uma grande concentração de produção, poucos Estados respondiam pela quase totalidade da produção nacional. Caso fosse o ICMS cobrado, pelos Estados, quando da venda a consumidor final, os Estados mais desenvolvidos, predominantemente produtores, não teriam seu caixa lastreado com mais recursos em detrimento dos Estados menos desenvolvidos.

Todavia, o ICMS não privilegiou nem uma nem outra corrente, na verdade mesclou-as e instituiu uma situação sui generis, a divisão da tributação entre Estados de origem e Estados de destino, em uma adaptação do sistema de tributação sobre valor adicionado. Contudo, ao contrário do sistema francês, no qual a tributação sobre o valor adicionado é de competência do ente central, no Brasil ficou esta atribuída aos Estados Federados.

Ficou estabelecido que o ICM, atual ICMS, seria constituído de forma a incidir sobre o valor adicionado, mas de forma indireta, já que seria tomada a base relativa à diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda, mas calcular-se-ia o imposto sobre o valor devido pela venda e dele seria deduzido o valor já recolhido quando da aquisição.

Contudo, buscando-se distribuir de forma mais uniforme a arrecadação entre as diversas unidades federativas, ficou estabelecida a utilização de alíquotas diversas entre as operações internas e interestaduais. Quando da realização de operações nas quais o vendedor e o comprador fossem estabelecidos no mesmo Estado, este perceberia (logicamente) todo o ICMS devido por esta operação. Todavia, em caso de operações nas quais o vendedor e o comprador estivessem estabelecidos em Estados diversos, o ICMS incidente na saída seria menor, de modo que pudesse o Estado de destino tributar a diferença.

Esta tributação aparentemente desigual entre operações internas e interestaduais não implica, numa análise macro, em uma tributação não isonômica, mas simplesmente em uma forma de distribuição da tributação. Se determinado produto é comercializado entre contribuintes localizados em um mesmo Estado, o imposto, calculado pela alíquota interna, será a este Estado devido, todavia, se esta operação se der entre contribuintes localizados em Estados diversos, o ICMS incidente na saída, calculado por uma alíquota menor, será complementado, no Estado de destino, de modo que a soma do valor pago ao Estado de origem e ao Estado de Destino seja equivalente ao que seria recolhido em uma operação interna.

Esta complementação pode dar-se de duas formas diversas, caso um contribuinte adquira mercadoria para revenda, somente quando da ocorrência da posterior venda o ICMS será devido e, neste momento, como seu crédito de ICMS apresenta-se menor, já que foi menor o valor recolhido junto ao Estado de origem, restará complementado o ICMS. Já quando da aquisição, por parte de contribuintes do imposto, de mercadorias para consumo próprio, deverá este recolher, quando da entrada da mercadoria no Estado de destino, o ICMS pela diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual do Estado de origem, recebendo esta diferença, neste caso, o nome de “diferencial de alíquotas”.

Ou seja, em operações internas, utilizada-se a alíquota interna, em operações interestaduais, utiliza-se a alíquota interestadual, inferior àquela, mas cobra-se, no Estado de destino, a diferença, seja no momento da venda, ou, em caso de mercadorias adquiridas para consumo próprio, por meio do “diferencial de alíquotas”, de modo que não haja tratamento não isonômico quanto ao ônus tributário suportado nas operações internas e nas interestaduais, mas simplesmente uma distribuição da arrecadação entre o Estado de origem e o Estado de destino.

Para simplificar a questão, ficou estabelecido que quando da realização da operação destinada a consumidor final, independente de onde este se encontre, no mesmo ou em outro Estado, seria sempre utilizada a alíquota interna, isto porque seria inviável que os Estados fiscalizassem todas as aquisições realizadas por pessoas físicas.

Por conseguinte, a sistemática de utilização de alíquotas diferentes, entre operações internas e interestaduais, não pode ser considerado atentatório ao princípio da isonomia tributária, mesmo porque, em conformidade com o disposto no art. 3º da Emenda Constitucional n.º 18/65, que criou o sistema tributário que, apesar de pequenas alterações, até persiste, não poderia a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, estabelecer qualquer diferença tributária, entre bens de qualquer natureza, em ração de sua procedência ou destino.

Portanto, a sistemática de diferenciação de tributação entre alíquotas internas e interestaduais somente pôde ser instituída porque não se apresentava atentatória ao princípio da isonomia tributária.

A Constituição Federal de 1988 manteve a proibição de que Estados, Distrito Federal e Municípios concedessem qualquer diferença tributária entre bens ou serviços em razão de sua procedência ou destino, todavia, tendo consciência de que o Brasil, com grandes desigualdades regionais, necessita muitas vezes de incentivos direcionados, permitiu à União, e tão-somente à esta, que concedesse incentivos fiscais aplicáveis a determinadas operações ou contribuintes, desde que no intuito de promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.

Conseqüentemente, como somente a União apresenta-se constitucionalmente competente para conceder benefícios fiscais de forma restrita, não podem, os Estados, conceder benefícios fiscais relativos ao ICMS em patamares distintos em relação a operações internas e interestaduais, posto que isto implicaria no constitucionalmente vedado tratamento tributário diferenciado a bens ou serviços em razão de sua procedência ou destino.

Quando determinado Estado concede benefícios fiscais aplicáveis à operações internas, ao contribuinte que realiza operações interestaduais, por isonomia tributária, deve ser reconhecido o mesmo direito, o que também se verifica na situação inversa, quando o benefício fiscal é direcionado a operações interestaduais não extensivo a operações internas. O art. 152 da Constituição Federal não comporta interpretação diversa.

Portanto, quando determinado benefício fiscal do ICMS é concedido não uniformemente entre operações internas e interestaduais, apresenta-se inconstitucional, não a sua concessão, mas a restrição de que não seja aplicável a determinadas operações, sejam estas internas ou interestaduais, porque atentatório ao princípio da uniformidade tributária, que proíbe qualquer tratamento desigual, por parte dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em razão da procedência ou destino das mercadorias ou serviços.

Dênerson Dias Rosa é Consultor Tributário da Tibúrcio, Peña & Associados S/C e ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás.

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