Brasil anda na contramão ao tratar de vencimento antecipado de dívidas

Autor: Felipe de Carvalho Bricola (*)

 

O sistema financeiro nacional e as premissas que o aparelham são, de fato, peculiares. Na realidade, historicamente, o Brasil absorve alguns conceitos do exterior, de forma a replicá-los, com um “tropicalismo”. Um exemplo recente do aventado, de relevante efervescência, consiste justamente na Lei 12.846/2013 e respectivo Decreto 8.420/2015 – Legislação Anticorrupção, em que são repetidos alguns dos conceitos do FCPA (Foreign Corrupt Pratices Act) e do UK Bribery, alçando estes últimos ao nível de premissas da nossa legislação anticorrupção.

Não obstante os conceitos tenham sido notoriamente emprestados da legislação estrangeira, houve uma espécie de ajuste por parte do legislador pátrio: a imposição às pessoas jurídicas de multas e desdobramentos consideravelmente mais severos do que o previsto pela legislação estrangeira, o que soa até engraçado quando rememoramos o histórico brasileiro. Afinal, se alguém te disser que a penalidade no Brasil para atos de corrupção é mais severa do que nos Estados Unidos, qual será sua reação? Certamente irá rir — o caso clássico do rir para não chorar.

Veja que a pessoa jurídica condenada por ilícito apurado no âmbito da Lei 12.846/2013 poderá ser apenada com multa de até 20% do faturamento bruto anual, além de sofrer publicação negativa, culminada na declaração de inidoneidade, podendo, ainda, ser determinada a extinção compulsória da empresa.

O sobredito exemplo é revelador. A Lei Anticorrupção foi promulgada desde 2013 e somente em 2015, num ambiente político e econômico conturbados, foi editado o Decreto 8.420/2015, denotando o caráter imediatista das medidas adotadas. Afinal, a regulamentação somente foi positivada anos após a edição da Lei propriamente dita.

Não seria um contrassenso a legislação anticorrupção ser mais rígida do que as legislações correlatas estrangeiras?! Com a devida vênia, nosso ordenamento está repleto de contrassensos. Eis o formato tupiniquim, sui generis.

Assim, feita esta breve introdução, permito-me iniciar as discussões relativas ao tema precípuo deste artigo, que não possui qualquer caráter político ou reacionário, mas apenas visa discorrer brevemente sobre algumas inconsistências no mercado de capitais brasileiro, as quais, se perpetradas, somente desfavorecem o crescimento das grandes companhias, sobretudo em cenários de crise, como vivemos nos dias atuais.

O ponto central deste artigo reside na análise das operações financeiras celebradas no Brasil, especificamente do quórum exigido para que seja declarado o vencimento antecipado das respectivas dívidas, de acordo com as diversas emissões de valores mobiliários ao mercado.

Sabidamente, empreendimentos robustos, sobretudo no segmento de infraestrutura, com altos fluxos de investimentos (equity), implicam na captação de recursos junto ao mercado, os quais serão utilizados para honrar e adimplir às obrigações assumidas nos respectivos contratos. A circunstância não é diferente para grandes empresas que atuam no mercado imobiliário, bem como grandes comercializadores e produtores, que se alavancam para atingir objetivos maiores.

Assim, as companhias, regularmente, emitem títulos ao mercado para captação de recursos (debêntures públicas e privadas, notas promissórias, etc.), visando cumprir com os compromissos assumidos e realizar os competentes investimentos.

Em linhas gerais, ao celebrar tais operações financeiras, as companhias assumem algumas obrigações, as quais somente podem ser mitigadas mediante a concessão de waivers (autorizações) por parte dos detentores dos títulos mobiliários (debenturistas, etc.).

Destarte, as operações financeiras são consubstanciadas em um documento (cártula), em que constam as obrigações e condições aplicáveis aos emitentes e detentores dos valores mobiliários.

Em linhas gerais, o descumprimento de alguma condição importante da emissão poderá desdobrar no direito de o detentor do título declarar o vencimento antecipado da obrigação, hipótese em que a companhia emitente terá de reunir quórum elevado de detentores para a obtenção dewaiver (autorização) no sentido de não declarar o vencimento antecipado da dívida. Assim funciona no Brasil, que diverge do restante do mundo.

Nos Estados Unidos e na Europa, a práxis do mercado é diversa e consideravelmente mais justa com a pessoa jurídica emitente de valores mobiliários, na medida em que o quórum deve ser reunido para declarar o vencimento antecipado e não para não declará-lo.

Com o devido acatamento, isso não faz qualquer sentido. Se tais operações financeiras são estruturadas, principalmente, com o objetivo de propiciar às companhias a possibilidade de captar recursos de forma sistemática, da maneira menos gravosa e em condições comerciais melhores, não há lógica na premissa.

Na realidade, considerando que a existência de tais operações permite às empresas serem mais competitivas e, por conseguinte, haveria fomento do mercado nacional, não se vislumbra quaisquer razões técnicas aptas a justificar o racional de exigir-se elevado quórum para não declarar o vencimento antecipado das obrigações.

Assim caminham as emissões no Brasil. Talvez seja o momento econômico para repensarmos alguns conceitos. A manutenção de determinados conceitos como premissas inelásticas poderá enfraquecer as companhias brasileiras, haja vista a atual desvalorização cambial, bem como o atual contexto macroeconômico. Conclusivamente, fica a sugestão: o quórum elevado somente para declarar vencimento antecipado, como medida justa e necessária.

 

 

 

Autor: Felipe de Carvalho Bricola  é advogado.


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