Brasil é campeão de produção e mantença de cursos de Direito

Autor: Paulo Sérgio Leite Fernandes (*)

 

Era 25 de abril de 2017, oito horas da manhã. O escriba vinha guiando um carro pequenino, pois se maior fosse, não caberiam dois na garagem. “O grande irmão”, vigilante, aguarda sorrindo, um sorriso de hiena, pendurado nos postes a ver o ultrapassamento dos 50 km ∕ h. O cronista vem, pois, atento. A imaginação funciona. Não é vantagem, pois existe gente afirmando que as galinhas imaginam coisas. Aliás, urubu fraturou uma das asas e foi carinhosamente cuidado por morador de favela qualquer. Curou-se. Acompanhava o rapaz em todas as saídas. Às vezes pousava no ombro do garoto, forçando-o a usar protetor feito de sola de sapato velho. O Brasil tem bilhões de galinhas. É seu maior exportador mundial, notando-se sua existência nos tempos de Jesus Cristo. No meio disso tudo, o cronista dirige o fordinho. À direita, bairro granfino, moça bonita, circunspecta, saquinho plástico nas mãos, aguarda o cachorrinho minúsculo terminar as necessidades diárias. Em Paris existe o local destinado à “merde de chien”, perto de uma loja Chanel. Boa mistura. Vai daí, a jovem, na calçada, recolhe os dejetos do cão. Tem um pouco de vergonha, vê-se, mas “noblesse oblige”. O farol vermelho aponta rápido à frente. É armadilha de asseclas do DSV. Aquilo é rápido como raio. Pega você no meio do caminho. A hiena eletrônica, no poste, baba outra vez. É suspensão e reciclagem na certa…

O cérebro humano tem, segundo consta, oitenta e cinco bilhões de neurônios. Quase iguala o número da produção de galinhas no Brasil. As sinapses do velho cronista trabalham tumultuadamente, sem sinais de Alzheimer. É bom que funcionem, mas misturam as aves domésticas, o urubu, a moça bonita envergonhada, as fezes do cachorrinho, o semáforo, Coco Chanel e até o respeitadíssimo filho de Deus feito homem. Repentinamente, um dos gastos neurônios do escriba traz elemento mais estranho ainda ao pedaço, o atual ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho. É administrador de empresas, com algum título colhido no exterior, além de deputado federal licenciado. Dentro do contexto, entende delas, mas não sabe coisa alguma do estudo e ensino do Direito. Não suspeita, sequer, de tomar assento numa poltrona enrabichada nas ancas de muitos e muitos antecessores que fizeram dos advogados brasileiros multidão de párias, sugados numa corrupção monstruosa sequer bafejada pelo Ministério Público Federal. Em suma, um segmento do Poder muitíssimo blindado e não arranhado por uma ou outra paupérrima tentativa de moralização. Há anos o escrevinhador vem tentando entreabrir aqueles portais, sem conseguir minimamente simples bafejo de oxigenação adequado à purificação daquele ministério. O Brasil é campeão de produção e mantença de cursos de Direito. Maior exportador de galinhas do mundo e, coincidentemente, líder na colocação, em esquinas de vilarejos, de um instituto a mais, dito faculdade de ensino jurídico, ramificando-se os tentáculos pelo país inteiro. Só Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e antigo Ministro da Educação, autorizou mais de 240 dessas instituições. Não se diga que este humilde cronista não tem denunciado tal imoralidade. Faz isso há anos, sem conseguir chamar a atenção dos muitos bastonários que a OAB teve. É um mistério, explicável, quem sabe, por quem mais entenda do assunto. É segredo, sim, mas o Ministério Público Federal, esperto na perseguição, não se toca na necessidade de intromissão de um bisturi asséptico nas entranhas do Ministério da Educação, buscando localizar as feridas existentes naquele órgão. Não é necessário ser um “PIC”, no qual a instituição é pródiga, mas um mero inquérito civil público, instaurável por quem tenha atribuições a tanto, sem receios ou pudores. É muito mais fácil que instaurar uma outra “Lava-jato”, ou investigação assemelhada. Basta fazer, gente. O Ministério Público Federal é, hoje, a instituição mais poderosa do país, colocada num posto de independência e intocabilidade jamais alcançadas na nação, quiçá no mundo inteiro. Note-se bem, Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros: você usa uma toga, só diferente da nossa porque tem firulas não exibidas pelos advogados. À época em que este antiquíssimo criminalista se formou, o Ministério Público vestia cinturão vermelho. No resto, as vestes talares eram assemelhadas. A origem de vocês todos, juízes, promotores de justiça, procuradores da república, enfim, é a mesma. Precisaram cursar instituto de ensino de ciências jurídicas e sociais. Tresmalhamo-nos em algum ponto. Vocês enobreceram. Ganharam força, poder e dignidade. Deixaram, bailando no espaço, um milhão, no mínimo, de irmãos que não podem envergar uma beca, ou só a vestiram, na maioria, no dia da formatura, um exército de soldados deixados ao relento, fora outro milhão já inscrito, medrosos todos, disputando o pão cada vez mais raro, porque sucumbindo os estudantes enquanto formados numa pluralidade de cursos pessimamente administrados e autorizados sem a mínima preocupação com o destino de cada qual. Vocês, Procuradores da República, Promotores de Justiça, donos do direito de punir, não querem saber o que aconteceu e o que acontece dentro do hoje Ministério da Educação. Fingem que não veem? Sucede naqueles rincões um dos maiores entraves à moralização de um novo Brasil.

Vale o desabafo, despido das locuções latinas que o antigo escriba vem desprezando, para lembrar o que fez o atual Ministro da Educação, de nome José Mendonça, em fevereiro deste ano, autorizando um curso de “Tecnólogo em Serviços Jurídicos” com dois anos de extensão, numa faculdade de direito do Paraná. É curso universitário. A autorização adveio da Câmara de Educação Superior. Dir-se-á que uma andorinha não faz verão. Atrás disso virão outras centenas, aqueles outros tantos bacharéis formados, sim, mas não aprovados nos exames de estado, buscando um encosto na novidade surgida. Há de ser uma astuciosa burla. Ver-se-á.

Felizmente, o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados despertou para o problema, prometendo enfrentá-lo. Tocante ao Ministro da Educação, ou sabe o que fez ou não sabe. Sabendo-o, é muito ruim. Desconhecendo a extensão das consequências, é bom refletir bastante sobre o assunto. O gabinete ocupado pelo Ministro cheira a restos de uns e outros antecessores desrespeitadores de regras mínimas de moralidade na instalação de cursos jurídicos no país. Aquilo cheira mal, Ministro. Não seja mais um a ter as narinas anestesiadas pelos odores mefíticos da herança deixada. Examine. Verifique. E tenha muito cuidado no uso da caneta. Isto vale para o Ministro e vale, sobretudo, para o Ministério Público Federal. Quanto à instituição por último referida, arregace as mangas da toga e se ponha a trabalhar, investigando os despautérios acontecidos naquele ministério. Ainda é tempo. Principalmente agora, em que recomeça o borbulhar de eventual disputa para o cargo de Procurador-Geral da República. Digam os pretendentes. Ou não digam. La Nave Va.

 

 

 

 

Autor: Paulo Sérgio Leite Fernandes é advogado criminalista em São Paulo.


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