Cleuton Barrachi Silva (*)
Em tempos de eminente guerra entre EUA X IRAQUE, carnaval, um assunto tem sido bastante comentado na mídia nacional, que é a intervenção federal nos Estados, aliás, este assunto tem sido nestes últimos anos freqüentemente citado, uma vez que escândalos e falcatruas vêm sendo constantemente desvendadas, políticos perdendo seus mandatos e pouco a pouco a credibilidade na classe política pode voltar a crescer. Talvez estivesse com a razão Nicolò Machiavelli ao dizer que: “um príncipe recente é muito mais vigiado em suas ações do que um hereditário, e quando essas ações revelam virtude, atraem muito mais aos homens e os obrigam muito mais do que a antiguidade do sangue[1]”; comparando aqui as ações do novo governo.
Desta forma, apesar de a esperança reinar nas artérias de cada brasileiro, uma deficiência nacional tem sido a grande preocupação da população ao lado da fome e desemprego, que é a segurança urbana.
Gradativamente percebemos, que tanto o interior, quanto qualquer capital de nossa nação sofre diariamente com a barbárie e a convivência com atos e fatos de violência urbana digna de filmes da capital do cinema americano. Poderíamos até fazer, com as cenas do Rio de Janeiro no último mês uma versão brasileira do filme “New York sitiada”, para “Rio de Janeiro sitiada” ou ainda, “Rio de Janeiro cidade proibida”, tamanha a violência exercida por organizações ligadas ao narcotráfico (Terceiro Comando e Comando Vermelho).
Percebe-se o medo estampado na face da população, onde a sensação de insegurança reina absoluta e que nem mesmo uma pobre aposentada em seus tempos e terceira idade, com anos de trabalho prestados à sociedade, fica livre dos terríveis coquetéis atirados contra os ônibus de transporte público. A partir daí, vem então a força-tarefa entre os governos federais e estaduais e colocam o exército nas ruas (alguma semelhança com o oriente médio terá sido mera coincidência). Podemos citar neste caso Dahrendorf, R. Op.cit.p.14 quando menciona: “Um dos tormentos da anomia é que ela representa maus presságios para a liberdade. Enquanto persiste, cria um estado de medo e pede um estado tirânico como remédio[2]”
Seria vaidade política o fato de os governos estaduais, a título de exemplo, Espírito Santo e Rio de Janeiro, não aceitarem a intervenção federal? Infelizmente a resposta é positiva, pois em meios a escândalos envolvendo os governos desses estados e o contingente policial, talvez a única maneira de moralizar as polícias e dar a credibilidade que a população almeja, seria o Governo Federal intervindo.
Mas afinal o que é intervenção e onde está elencado em nosso ordenamento pátrio tal instituto? Assim prega o mestre David de Araújo: “o Estado Federal deve conter um dispositivo de segurança, necessário à sua sobrevivência. Esse dispositivo constitui, na realidade, uma forma de mantença do federalismo diante de graves ameaças. Trata-se da intervenção federal.[3]”. Ainda neste sentido, Celso Ribeiro Bastos cita que: “a intervenção federal consiste no afastamento temporário pela União das prerrogativas totais ou parciais próprias da autonomia dos Estados, prevalecendo a vontade do ente interventor”[4]. Este instituto está disposto no artigo 34 da Constituição Federal, qual seja:
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I- manter a integridade nacional;
II- repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III- pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV- garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V- reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI- prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII- assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais;
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
e) aplicação do domínio exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.
A bem da verdade, o que inicialmente podemos notar que a regra é a não-intervenção, senão para os casos supracitados, e que bastante significante é o fato de que não devemos confundir Federação, União e Estados-membros, por isso passo a definir cada um destes conceitos para melhor entendimento: “a) Federação – forma de Estado onde há unidade política e descentralização administrativa, mediante distribuição constitucional de competências entre a União e os Estados-Membros, que conservam sua autonomia; b) Pessoa jurídica de direito público interno da Administração direta, dotada de poder central, autonomia no âmbito interno do país e soberania na ordem internacional, na qual representa o Brasil; c) Estado-Membro de uma Federação ou Estado federal, que goza de capacidade política, poder de auto-organização ou autonomia constitucional, ou seja, administrativa ou política interna, perante a União, regendo-se por uma Constituição própria, seguindo, porém, os parâmetros da Constituição Federal, à qual se submete; elegendo os membros de seus Poderes Executivo e Legislativo, e possuindo um Poder Judiciário, ou melhor, uma justiça estadual. Cada Estado-Membro possui os tríplices poderes, mas, por não ser dotado de soberania, na área internacional está afeto ao governo central. Relaciona-se por vínculos de coordenação com a União e os Municípios[5]”.
Outra questão de igual importância é não confundirmos soberania com autonomia, eis que, enquanto esta deve subordinação às normas constitucionais, aquela é autoridade suprema[6].
Expostos estes vários conceitos, pode-se dizer que a União não tem o condão de agir em nome próprio para intervir junto a qualquer Estado-Membro, e se o faz é puramente com a nítida idéia de representar os interesses do Estado Federal ou Federação. Assim, usando-se os ensinamentos dos eminentes mestres Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, “pode-se afirmar que esta (Federação), através da União, é que intervém nos Estados-Membros[7]”. Ainda de acordo com estes gigantes, do Direito Constitucional, usando em sua obra os ensinamentos do não menos brilhante Hugo Nigro Mazzilli, “existe dois tipos de intervenção, a espontânea e a provocada[8]”.
Procuremos inicialmente dissertar acerca do primeiro tipo citado, o qual consiste no fato do presidente da República agir de ofício, sendo que de acordo com o disposto no artigo 34 da Constituição Federal em vigência, se refere aos incisos I, II, III e V, supracitados. Vale ressaltar que o Presidente da República deverá, neste caso, editar um decreto contendo especificamente a abrangência, as condições que se executará a intervenção, o prazo que durará a medida e se convir nomeará um interventor.
Sempre que editado o decreto que designar a intervenção, deverá, e esta é a regra ser apreciado pelo Congresso Nacional no prazo de vinte e quatro horas (salvo nos casos dos incisos VI e VII do art. 34 da CF/88), sendo ressaltado que no caso de estar em período de recesso ou por qualquer outro motivo não estar em funcionamento, deverá ser convocada uma seção extraordinária nas mesmas vinte e quatro horas, sendo que na pior das hipóteses, qualquer intervenção ficaria sem apreciação do Congresso no período máximo de vinte e quatro horas.
No que tange a intervenção federal provocada, esta divide-se em vinculada e discricionária, sendo que esta necessita somente de solicitação e está implícita no inciso IV do artigo 34 da Constituição Federal, enquanto que aquela exige uma requisição (por exemplo, do Supremo Tribunal Federal), e consta nos incisos VI e VII da Carta Maior. Vale dizer ainda que a intervenção deverá ser imediatamente cessada tão logo volte o ente à normalidade.
Devemos ter ciência que estamos todos passando por momentos difíceis em nosso país, todavia, existe, por nossa Lei Maior pelo menos duas possibilidades que estarmos tentando resolver parte de nossos problemas combatendo o narcotráfico no Rio de Janeiro e também no Espírito Santo, através da intervenção federal, seja ela espontânea, com base nos termos do inciso III, do artigo 34 da Constituição Federal (pôr termo a grave comprometimento da ordem pública), e ou ainda de forma provocada com alicerce no artigo 34, inciso VII, alínea “b” (direitos da pessoa humana); ou podemos ainda, depois de presenciarmos aquelas badernas, estarmos convencidos que não existem motivos para nos preocuparmos a este ponto.
Existe um certo sinal de descontrole operacional o fato de necessitar para o controle ostensivo da segurança urbana carioca o uso das forças armadas, que naturalmente não tem qualquer preparo específico para tal função, sendo de uma forma, mesmo que branda, admitir a necessidade de intervenção federal nestes Estados-Membros, sendo clara a posição Constitucional que ao cessar tais motivos, todas as autoridades poderão retornar aos seus postos, salvo, é claro, as que restarem impossibilitadas por qualquer motivo impresso em lei.
Não podemos entender por radicalismo o fato de buscarmos na intervenção federal a solução para tais problemas, uma vez que o narcotráfico nestes entes federados não é problema exclusivamente deles, e sim de toda Federação, pois, com base em nossa própria Constituição Federal, estes entes, existindo ou não corrupção em seus governos, possuindo ou não legalidade em seus atos governamentais, possuem o mesmo número de senadores que qualquer outro Estado-Membro, possuem a igualdade de critérios para escolha de deputados federais, sendo que estes farão leis para todos nós e não simplesmente para aquelas localidades.
Portanto, considerando que nosso pacto federativo é indissolúvel, possui caráter perpétuo, não admitindo a qualquer das unidades federadas o direito de secessão, devemos nos preocupar com a segurança urbana nos demais entes federados, sempre almejando a integridade e segurança de nosso país, mesmo que para isso seja necessário abrigar criminosos de outras unidades federadas e usar institutos duros, mas que poderão resolver com maior eficácia o problema em questão.
DIREITO CONSTITUCIONAL
[1] Machiavelli, Nicolò. O príncipe. Ed. Ediouro. Rio de Janeiro. 1994.
[2] Dip, Ricardo. Moraes Júnior, Volney Corrêa Leite de. Crime e Castigo, reflexões politicamente incorretas. 2ª edição. Editora Millennium. Campinas-SP. 2002.
[3] Araújo, Luiz Alberto David. Nunes Júnior, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição, revista e atualizada. Ed. Saraiva. São Paulo-SP. 2002.
[4] Curso de Direito Constitucional, cit., p. 267
[5] Diniz, Maria Helena. Dicionário Jurídico Vol. 2 e 4. Editora Saraiva. São Paulo-SP 1998.
[6] Borges Netto, André Luiz. Competências Legislativas dos Estados-Membros. Ed.RT. Revista dos Tribunais, São Paulo-SP. 1999.
[7] Curso de Direito Constitucional. 6ª edição, ver. e atualizada, 2002. Ed. Saraiva.São Paulo-SP. P.247.
[8] idem.
Autor: (*) CLEUTON BARRACHI SILVA – Bacharel em ciências jurídicas pela Universidade Camilo Castelo Branco – campus de Fernandópolis – SP- pós-graduando em direito constitucional pela Unirp São José do Rio Preto-SP. Coordenador do Juizado Especial Cível da Comarca de Iturama/MG.
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