Breves considerações sobre a idade na legislação brasileira

cristina wanderley fernandes

O Código Civil Brasileiro em vigor trouxe, como do conhecimento de muitos, inúmeras mudanças que ainda estão sendo alvo de críticas e aplausos, como urge acontecer quando presenciamos a modificação de qualquer norma de conduta social.

É verídico, entretanto, que a essência das mutações só tomarão um vulto maior, quando na prática, as leis começarem a ser aplicadas efetivamente, ensejando decisões judiciais proferidas em maior número e por fim, quando os doutrinadores apresentarem suas obras discorrendo acerca dos diversos assuntos, o que até o presente momento, dado ao pouco tempo de vigência do Código, são restritas.

Um dos assuntos que tem chamado à atenção trata da decantada diminuição da maioridade civil. Felicidade para alguns, tristeza para outros. Em comum, a euforia. No Código anterior, tinha-se como maior quem alcançava a idade de 21 anos, enquanto que na sistemática atual, aos 18 anos, esta maioridade resta atingida.

Vale dizer que no art. 4o do Código Civil, estão listados os relativamente incapazes para “certos atos da vida civil”, enquanto que no artigo seguinte, fixou-se a maioridade aos 18 anos, dando aptidão à consecução de atos civis, todos. Não se pode deixar de ver que no caso do art. 4o foi deixada uma lacuna, posto que não foram especificados quais seriam aqueles atos, o que não deixa de ser mais uma dificuldade, relacionada inclusive, com a assistência e/ou representação desses menores, pelos pais.

Com este novo regramento, surgiram duas dúvidas imediatas: a primeira direcionada ao direito penal, cujo Código respectivo dispõe sobre a imputabilidade somente aos 21 anos, e a segunda, relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que em seus artigos também faz referência à mesma idade supramencionada, em conformidade, portanto, com o antigo texto civil existente. Revogados estariam as leis anteriores que tratam de diferentes idades, em razão do novo código civil?

Importantes e passíveis de intermináveis estudos, ambas as situações acima elencadas. Contudo, trago à colação mais uma que não se pode esquecer, embora não tenha sido provocada pela entrada em vigor do Código Civil. Trata-se da legislação eleitoral que, seguindo disposição constitucional, definiu em 16 anos a idade limite mínima, para que se possa, mesmo de forma facultativa, começar a exercer a cidadania, através do voto.Neste particular, não cabe aqui confundir, nem muito menos comparar as importâncias dos atos da vida civil, com os atos decorrentes da obtenção da cidadania. Fundamental sim, refletir sobre uma possível incongruência sobre os limites e poderes atribuídos pelo legislador em decorrência da idade, nos mais diversos campos do direito.

Rapidamente passando pelo tema, é interessante lembrar que aos 16 anos, aqueles taxados pelo Código Civil como relativamente incapazes, e que podem praticar somente determinados atos da vida civil (sem especificação de quais sejam), desde que assistidos ou representados, têm, no âmbito eleitoral, o direito de alistar-se e votar sem a necessidade de assistência e por conseqüência, o poder de interpor outras ações de importância fundamental na vida de um país, tal qual a ação popular, que visa o resguardo do patrimônio nacional. Vê-se assim, que nas mãos de um menor com 16 anos, está a titularidade (sem assistência, no entendimento de alguns) ativa para agir.

Causa-me preocupação, portanto, a legislação permitir a um jovem com 16 anos, a ida ao judiciário, na maioria das vezes, sem a maturidade necessária, intentar uma ação que pode mudar os destinos de uma sociedade. Não é ato que influa, prejudique ou ajude somente a ele, mas sim a uma coletividade. É óbvio que existe o Ministério Público. É claro que os juizes e tribunais são competentes, todavia não se pode fugir do poder que goza um relativamente incapaz (para o direito civil), no âmbito eleitoral/constitucional.

Sendo assim, deixo à reflexão daqueles que se interessam à questão posta, continuando a pensar e a procurar subsídios, para que a fixação da permissibilidade de consecução de quaisquer atos que produzam efeitos na seara jurídica seja unificada para todos os ramos do direito, ou quem sabe, revista em alguns deles, atentando-se para o fato de que o discernimento completo das ações as quais se é legitimado é fundamental para a convivência pacífica e sobretudo para o bom andamento de qualquer país.

Cristina Wanderley Fernandes é Juiza de Direito

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