1. Conceito Legal
O Código Penal, no art. 337-B, introduzido pela Lei n. 10.467, de 11.6.2002, define o delito de corrupção ativa nas transações comerciais internacionais como o fato de “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado a transação comercial internacional”, impondo penas de reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
2. Irretroatividade da Novatio Legis Incriminadora
O art. 337-B do CP contém lei nova incriminadora. Por isso, é irretroativa (CF, art. 5º, XL).
3. Crimes de Corrupção e Suborno
Entre nós, ao contrário do que ocorre em outras legislações, as expressões corrupção e suborno têm o mesmo conceito, inexistindo diferença entre elas. Em alguns países, o fato cometido pelo servidor público é denominado “corrupção” (a nossa corrupção passiva); o praticado pelo particular (a nossa corrupção ativa), “suborno”.
4. Crimes de Corrupção Ativa Comum e Transnacional
O delito de corrupção ativa comum, relacionado ao funcionário público brasileiro, está previsto no art. 333 do CP; o transnacional, em que o funcionário público estrangeiro aparece como objeto pessoal da corrupção, encontra-se no art. 337-B, do mesmo Estatuto.
5. Objetividade Jurídica Supranacional[1]
O Código Penal protege a lealdade no comércio exterior[2] (nas transações comerciais internacionais). A lei penal, ensina carlos a. manfroni, pretende “preservar la transparencia y la equidad en el comercio internacional, con vistas a una economía mundial cada vez más competitiva, en cuya expansión, la tolerancia de prácticas corruptas llevaría las fricciones que pudieran suscitarse entre empresas y países y los sobrecostos derivados a los pueblos, a niveles insoportables para la convivencia”[3]. Essa lealdade diz respeito: 1. às empresas, que, como ensina Carlos A. Manfroni, devem competir unicamente com preço e qualidade e não com fraude; 2. aos países, evitando o crescimento de uma economia em desfavor da corrupção do setor público de outra; 3. à coletividade, que paga em preço ou em impostos o valor do suborno[4]. Não obstante se encontre o art. 337-B, que define o delito de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro, no Capítulo II-A[5] do Título IX[6] do CP, não se cuida de uma infração que atenta contra a Administração Pública brasileira, uma vez que o funcionário público corrompido é o estrangeiro e não o brasileiro. Assim, se se tratasse de proteger a Administração Pública, esta seria, em tese, a estrangeira. Mas nem esta poderia ser a titular do bem jurídico: um país não pode atribuir-se a tarefa de proteger a Administração Pública de outro[7]. Estamos, na verdade, diante de um novo bem jurídico, a lealdade no comércio internacional, interesse que pertence a todos os países e cuja proteção penal, punindo seus nacionais, cabe a eles próprios, individualmente e por intermédio de suas legislações internas[8].
6. Fundamento Constitucional da Tutela Penal
Qualquer estudo a respeito de bens jurídico-penais deve partir da Constituição Federal[9], por meio do qual é possível estabelecer os limites punitivos do Estado. Em relação aos delitos criados pela Lei n. 10.467/02, quais sejam, corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais, de ver-se que a nossa Constituição Federal prevê, em seu art. 4.º, IX, dentre os princípios que regem as nossas relações internacionais, o da “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, em que se inclui o interesse de que haja lisura e probidade administrativa nas transações comerciais transnacionais entre os países (lealdade internacional no comércio exterior).
7. Exceção Pluralista do Princípio Unitário
Poderia haver um só delito para corruptor (nacional ou estrangeiro) e corrupto (funcionário público estrangeiro). De ver-se, contudo, que o Código Penal não definiu, e nem poderia fazê-lo, o crime de corrupção passiva do funcionário público estrangeiro. De modo que o corruptor responde nos termos do art. 337-B; o corrompido (funcionário público estrangeiro), por eventual delito de corrupção passiva, perante a sua legislação penal.
[1] Sobre as teorias a respeito do bem jurídico nos crimes de corrupção ativa e passiva, vide: NOGALES, Inés Olaizola. El delito de cohecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 89 e ss.
[2] MANFRONI, Carlos A. Soborno transnacional. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998. p. 35, 37, 40, 41, 45 e 131.
[3] La Convención Interamericana contra la Corrupción. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997. p. 135. As empresas privadas menos honestas, diz Carlos A. Manfroni, “também conseguem competir deslealmente com as melhores ao iludir o pagamento de impostos, a preservação do meio ambiente ou as etapas normais para a obtenção de certificados e controles necessários para que certos produtos sejam projetados no mercado. Se estes desvios ocorrem na vida interna de um país, não há nenhuma razão para supor que não vão suceder no contexto do comércio entre as nações” (Soborno transnacional. Op. cit. p. 35 e 36).
[4] MANFRONI, Carlos A. Soborno transnacional. Op. cit. p. 37.
[5] Crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira.
[6] Crimes contra a Administração Pública brasileira.
[7] MANFRONI, Carlos A. Soborno transnacional. Op. cit. p. 39.
[8] Idem ibidem. p. 41. Jescheck denominaria a lealdade internacional como “bem jurídico supranacional” (O objeto do Direito Penal Internacional e sua mais recente evolução, Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro: Borsoi, abr./jun. 1972. n. 6, p.12, III).
[9] CASTILLO, Gerardo Barbosa; PAVAJEAU, Carlos Arturo Gómez. Bien jurídico y derechos fundamentales. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998. p. 53.
* Damásio E. de Jesus
Presidente e Professor do COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS