Breves reflexões sobre o homossexualismo

Em recente decisão, o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Recurso Especial (REsp) n. 24.564, deu provimento e modificou o acórdão anterior proveniente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará, cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes, com a seguinte ementa:

Registro de Candidato. Candidata ao Cargo de Prefeito. Relação Estável Homossexual. Com a Prefeita Reeleita do Município. Inelegibilidade. Art. 14, § 7.º, da Constituição Federal. Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7.º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento.[1]

Em relação à ementa acima transcrita, o importante não é seu ineditismo histórico nem sua unanimidade. Mais impressionante, sem sombra de dúvida, é a incrível possibilidade dos reflexos jurídicos que ela poderá acarretar, principalmente no campo do Direito de Família.

Para esclarecer o fato, o TSE reconheceu a existência de relação afetiva estável de um casal homossexual feminino, ao negar o registro da candidatura à Prefeitura de Viseu, município do Estado do Pará, para a Deputada Estadual Maria Eulina Rabelo de Sousa Fernandes (PFL), porque ela é parceira[2] da atual prefeita (reeleita em 2000), Astrid Maria Cunha e Silva.

O Min. Gilmar Mendes, relator do acórdão no TSE, em suas considerações, observou que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não admite a relação homossexual como entidade familiar, mas salientou haver fortes laços afetivos, assim como há no casamento, na união estável ou no concubinato. Informou que o Supremo Tribunal Federal já reconhece direitos previdenciários e patrimoniais entre parceiros.

Sem entrar no mérito das palavras do Min. Gilmar Mendes, em relação a se considerar a parceria civil como entidade familiar, é bom verificarmos que o art. 14, § 7º, da Constituição Federal afirma:

São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.[3]

Sem sombra de dúvidas, o TSE já vinha, de forma pacífica, reconhecendo analogia com a união estável heterossexual, prevista no art. 226, § 3.º, da Constituição Federal. Essa analogia é indiscutível na medida em que a ratio está no próprio texto constitucional.

A decisão, como já ressaltamos, não é só inovadora por contrariar o texto constitucional do art. 226, § 3.º, o qual salienta haver entidade familiar apenas entre homem e mulher, proibindo expressamente a recepção do homossexualismo como norma familiar. Aliás, o Código Civil de 2002 também rechaça expressamente qualquer proteção familiar às relações homossexuais. O art. 1.514, por exemplo, deixa claro que o casamento se realiza no momento no qual o homem e a mulher manifestam vontade de estabelecer vínculo conjugal perante o juiz, e este os declara casados. O art. 1.565 estabelece que, pelo casamento, homem e mulher tornam-se consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos familiares. O art. 1.622 determina que a adoção só pode ser feita por duas pessoas se forem marido e mulher ou se viverem em união estável, nos moldes do art. 226, § 3.º. O art. 1.694 dispõe que alimentos só podem ser pleiteados por parentes, cônjuges ou companheiros (art. 226, § 3.º). O art. 1.723, ao tratar da união estável, deixa claro que ela só pode ser constituída entre homem e mulher. O art. 1.727 conceitua concubinato como relação não eventual, entre homem e mulher, que afronta o casamento.

Após mencionar todos esses artigos, é fácil verificarmos que o sistema familiar repudia expressamente a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, tratando essa união como uma sociedade civil qualquer. sílvio de salvo venosa chega a mencionar:

Destarte, enquanto não houver aceitação social majoritária das uniões homoafetivas em nosso País, que se traduza em uma possibilidade legislativa, as uniões de pessoas do mesmo sexo devem gerar apenas reflexos patrimoniais relativos às sociedades de fato. No entanto, crescem os julgados e os movimentos no sentido de que esses direitos ganhem maior amplitude. Será uma questão de tempo mais ou menos longo para a lei admitir direitos mais ou menos amplos às relações afetivas e duradouras a pessoas do mesmo sexo.[4]

Ao que nos parece, não transcorrerá um grande lapso para tais situações adquirirem direitos, e talvez não seja necessária uma mudança constitucional, a qual considerávamos imprescindível.

Retomando o pensamento já comentado, a decisão é muito mais que inovadora, pois não só estabeleceu uma analogia, em norma restritiva de direitos, como equiparou os institutos constitucionalmente díspares. Sem levar em conta se há ou não a mesma ratio entre união estável homossexual e união estável heterossexual, para considerar ambas entidades familiares, estabeleceu a Corte Eleitoral uma relação de coordenação, ou seja, fixou um dever, e, sem perceber, criou uma faculdade, pois, nas relações de coordenação, a todo dever, fixa-se um direito. O Prof. tércio sampaio ferraz júnior[5] ensina que sistematicamente, nas relações de coordenação, por serem normas de conduta, como no caso em questão, o dever imposto pelo Estado às relações homossexuais, equiparando-as às relações familiares, implica a faculdade de o homossexual exigir que o Estado lhe garanta os mesmos direitos da família.

Dessa forma, fica a questão dos efeitos do precedente jurisprudencial vir a caracterizar relações familiares, em que, citando pessoas como as parceiras Maria Eulina e Astrid Maria, possam, a partir de agora, exigir o direito de adoção; obrigação alimentar recíproca; direito sucessório mútuo e a meação de bens, entre tantos outros direitos familiares. Ressaltando que, como foram equiparadas a pessoas casadas e vivendo uma união estável (por serem consideradas inelegíveis), por que, então, ao mesmo tempo, não poderiam usufruir dos direitos acima mencionados?

[1] TSE, REsp n. 24.564/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 1.º.10.2004.

[2] Denominação jurídica para o companheiro na relação homossexual.

[3] Constituição da República Federativa do Brasil. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 20.

[4] Direito Civil: Direito de Família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 6.

[5] Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

* Vitor F. Kümpel
Doutor em Direito, Juiz de Direito e Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (FDDJ).

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