Busca da verdade real no processo é ilusão, pois juiz julga conforme cognição

Autor: Pedro Roberto Donel (*)

 

No famoso julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer e mais recentemente, no juízo de admissibilidade realizado pela Comissão de Consituição e Justiça da Câmara dos Deputados para autorizar o prosseguimento da denúncia contra o presidente da República, falou-se que no processo busca-se a verdade real. É uma visão ultrapassada.

No Estado Liberal Clássico, a lei era “clarividente e cega”. O juiz julgaria de acordo com “texto exato da lei”, para controle da sociedade. Dessa forma, todo o indíviduo teria certeza do seu direito e, por conseguinte, liberdade política.

Com base nessa teoria, chamada de formalista ou cognitiva, o sentido e o conteúdo da lei estão contidos no texto legal, e o juiz investiga e decide se há verdade ou mentira na afirmação das partes, sem nenhuma discricionariedade.

Tal pensamento marcou o Direito processual, no século passado, e ainda sentem-se os resquícios da teoria formalista no pensamento jurídico comum, como se viu nos dois julgamentos citados. Mas, contemporaneamente, o juiz “tem a missão de definir o sentido da lei”, e a “busca da Verdade” é uma ilusão.

Para entregar a tutela de direito para quem tem razão, o juiz precisa conhecer dos fatos trazidos pelas partes, realizando uma atividade de cognição, “que é um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes”.

Nesse juízo de inteligência, o magistrado busca a certeza da verdade, função principal do processo, usando da verossimilhança (o fato precisa ter uma aparência de verdade), para que se dê qualidade à justiça ofertada pelo Estado.

Há, ainda, quem trabalhe com a noção de verdade material, verdade absoluta ou de verdade real, como base para a atividade processual, o que é totalmente imprestável no direito processual moderno. A verdade é um conceito absoluto e por isto é inviável sua ligação com a atividade probatória. O processo não tem condições de reconstruí-la e, muitas vezes, renuncia à sua busca, contentando-se com a certeza dela.

No processo, as regras sobre prova não regulam apenas os meios de que o juiz pode servir-se para descobrir a verdade, mas traçam limites à atividade probatória, resguardando a intimidade, o silêncio, ou ainda condicionando a eficácia do meio probatório à adoção de certas formalidades (como o uso do instrumento público).

Ora, um modelo que trabalha com esses obstáculos certamente não pode comprometer-se em encontrar uma “verdade material”, “real” ou “absoluta”. Daí a razão pela qual não se pode aceitar a clássica dicotomia, comumente feita, entre “verdade material e verdade formal”.

Nenhum processo trabalha com falsidade – a verdade formal seria uma espécie de falsidade – e por isso “as ideias mais modernas partem da premissa de que é impossível a reconstrução da verdade absoluta, mas somente ter certeza de que ela foi atingida”. A verdade no processo representa “ouro de tolos”, já que “constitui problema metafísico”, o Estado não se preocupa com a “verdade real”, mas sim, em concretizar direitos fundamentais, em tempo razoável.

Vê-se, destarte, que não se pode classificar a verdade no processo em absoluta, material ou formal, “pois nem sequer ao juiz é dado saber se e quando alcançou a verdade, e, nada obstante, haverá de julgar a causa, realizando os fins do processo”.

A cognição, pela qual o juiz busca a verdade no processo, é dividida em dois planos distintos: horizontal, que diz respeito a extensão, na qual a autoridade judiciária analisa todos os elementos subjetivos do processo, ou seja, as questões processuais e de mérito e quanto mais o juízo se aproxima do horizonte do processo – entendido como o fim da fase cognitiva – mais perto da verdade fica; e vertical, classificada segundo o grau de seu vértice, em sumária e exauriente.

A verticalização, aqui, deve ser entendida como “perpendicular ao plano do horizonte; que tem a direção do fio de prumo”.

Ao tomar conhecimento dos fatos e das provas produzidas pelas partes, considerando-os, analisando-os e valorando-os, para aplicar o direito, seja em tutela provisória ou definitiva, o juízo realiza um “ato de inteligência” (cognição) para alicerçar com sólidos fundamentos (CPC, arts. 11, 489, II, do CPC e artigo 93, IX, da CF) a decisão, seja provisória ou definitiva, com a certeza que chegou perto da verdade.

Portanto, a verdade real é um mito e não deve ser perseguida no processo, pois inalcançável e inatingível.

Autor: Pedro Roberto Donel é especialista em Processo Civil e Direito Previdenciário, mestre em Ciências Jurídica pela Univali, professor de graduação e pós-graduação em Processo Civil na ACE/FGG e conselheiro estadual da OAB/SC.


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