Cabe Habeas Corpus contra decisão que determina abrigamento de menor

Autor: Carlos Eduardo Rios do Amaral (*)

 

O abrigamento de crianças e adolescentes é previsto no artigo 101, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente. É a chamada medida de proteção de acolhimento institucional, de nítida natureza cautelar. Cabível nas hipóteses em que os direitos do menor sejam violados ou estejam ameaçados de violação por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.

Também é comum o abrigamento cautelar de crianças e adolescentes nos casos de suspeitas de burla da lista de espera da adoção e fraude no registro civil de nascimento de menores (adoção à brasileira).

Malgrado o §1º, do artigo 101, do ECA, prescrever que o acolhimento institucional não implica na privação da liberdade do menor, a jurisprudência pátria majoritária é no sentido de que a decisão judicial que determina o abrigamento de criança ou adolescente implica em restrição da liberdade de locomoção.

Destarte, quando esse abrigamento de menor importar em ilegalidade ou abuso de poder, cabível a impetração de habeas corpus contra a decisão judicial.

Interessante observar que, segundo a jurisprudência dominante, a ilegalidade ou abuso de poder que fundamenta a decisão judicial que determina o acolhimento institucional, não será analisada tão-somente frente a determinado dispositivo legal supostamente tido por violado.

A ilegalidade ou o abuso de poder também serão analisados à luz dos princípios da proteção integral, melhor interesse e prioridade absoluta. O que importa dizer que os tribunais deverão analisar na impetração não apenas a legalidade da decisão, mas, sim, o supremo interesse da criança em cada caso concreto.

Oportuno se observar que a impetração do habeas corpus se cingirá apenas à avaliação da excepcionalidade da restrição da liberdade do menor à luz da legislação e dos princípios menoristas. As ações principais de destituição do poder familiar e congêneres deverão ser solucionadas mediante cognição plena e exauriente, independentemente do resultado da impetração.

Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RELAÇÃO DE PARENTESCO.  ADOÇÃO.  BUSCA  E APREENSÃO DE MENOR. SUSPEITA DE SIMULAÇÃO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE ACOLHIMENTO  INSTITUCIONAL.  HABEAS CORPUS.

1. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (artigo 1º da Lei n. 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança. As medidas de proteção, tais como o acolhimento institucional, são adotadas quando verificada quaisquer das hipóteses do art. 98 do ECA.

2. No caso em exame, a avaliação realizada pelo serviço social judiciário constatou que a criança E K está recebendo os cuidados e atenção adequados às suas necessidades básicas e afetivas na residência do impetrante. Não há, assim, em princípio, qualquer perigo em sua permanência com o pai registral, a despeito da alegação do Ministério Público de que houve adoção intuitu personae, a chamada ‘adoção à brasileira’, ao menos até o julgamento final da lide principal.

3. A hipótese dos autos, excepcionalíssima, justifica a concessão da ordem, porquanto parece inválida a determinação de acolhimento de abrigamento da criança, vez que não se subsume a nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA.

4. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do infante, não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional ou o acolhimento familiar temporário.

5. É verdade que o art. 50 do ECA preconiza a manutenção, em comarca ou foro regional, de um registro de pessoas interessadas na adoção.

Porém, a observância da preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar criança não é absoluta, pois há de prevalecer o princípio do melhor interesse do menor, norteador do sistema protecionista da criança.

6. As questões suscitadas nesta Corte na presente via não infirmam a necessidade de efetiva instauração do processo de adoção, que não pode ser descartado pelas partes. Na ocasião, será imperiosa a realização de estudo social e aferição das condições morais e materiais para a adoção da menor. Entretanto, não vislumbro razoabilidade na transferência da guarda da criança – primeiro a um abrigo e depois a outro casal cadastrado na lista geral -, sem que se desatenda ou ignore o real interesse da menor e com risco de danos irreparáveis à formação de sua personalidade na fase mais vulnerável do ser humano.

7. Ordem concedida.

(HC 279.059/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 28/02/2014)”.

Em conclusão, importando o acolhimento institucional (abrigamento) em franca restrição ao direito de ir e vir do menor, quando a decisão judicial contrariar os princípios da proteção integral, do melhor interesse e/ou da prioridade absoluta da criança ou do adolescente, cabível será a impetração do habeas corpus para garantia da liberdade desses sujeitos de direitos.

 

 

Autor: Carlos Eduardo Rios do Amaral  é Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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