"Caos sobre uso de agrotóxicos deve-se ao Poder Público."

por Paulo Afonso Brum Vaz

A limitação de uso do herbicida glifosato, contra-indicado pelos órgãos governamentais competentes, para aplicação posterior ao nascimento da planta, cria um impasse de difícil solução para o governo. Segundo dispõe a Lei nº 7.802/89, um agrotóxico somente pode ser usado conforme as recomendações contidas no seu registro, ato que depende da anuência dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. O glifosato (Roundup Ready) tem seu registro limitado ao uso pré-emergente, ou seja, anterior ao nascimento da planta, e, portanto, não pode ser usado na fase pós-emergente (depois do nascimento da planta).

A soja transgênica, de plantio liberado pela MP nº 131/03, é uma modalidade de cultivar resistente ao glifosato, um herbicida de amplo espectro (um “mata-tudo”), mas sensível aos efeitos de outros herbicidas. Assim, a proibição do glifosato, que também é produzido pela Monsanto, torna inviável a plantação transgênica.

Aplicar agrotóxico em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação pertinente é crime punido com a pena de reclusão de 2 a 4 anos, e multa, nos termos do art. 15 da Lei nº 7.802/89. Portanto, o uso do glifosato diretamente na planta transgênica, contrariando as limitações do registro do produto, poderá trazer sérios problemas para os agricultores, na órbita penal.

Esta advertência exige do Poder Executivo maior atenção e cautela no trato da matéria. Por sua vez, a Monsanto, que detém a patente das sementes transgênicas, agiu açodadamente em tê-las disponibilizado para comercialização, conhecedora que era das limitações do registro e estando pendente de exame autorização de uso menos restrito. Os agricultores, de sua parte, agiram de forma imprevidente, sujeitando-se ao risco de não poderem usar o indispensável agrotóxico.

Espera-se que a solução para o impasse não torne a violar os princípios da precaução e do desenvolvimento sustentável, que norteiam o processo de controle fitossanitário de agrotóxicos, como parece ter ocorrido com a edição da MP 131/03, colocando em risco a saúde pública e o meio ambiente. O governo do Estado já anuncia que não tem condições de fiscalizar o uso do agrotóxico, por falta de recursos humanos. Aliás, isto não é novidade.

O caos que se instalou quanto ao uso indiscriminado de agrotóxicos — inclusive de produtos proibidos no país e contrabandeados de outros países do Mercosul — deve-se exatamente à omissão do Poder Público em cumprir sua função constitucional de coibir as atividades nocivas ao meio ambiente e à saúde pública.

Revista Consultor Jurídico, 17 de Outubro de 2003

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