Capacidade e legitimação nos negócios jurídicos

ALEX SANDRO RIBEIRO
Advogado em São Paulo
Pós Graduando em Direito Civil pelo uniFMU

CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

ÍNDICE
Introdução; 1. Resumo; 2. Abrangências; 2.1. Começo e fim da personalidade jurídica; 2.2. Os absoluta e relativamente incapazes; 2.2.1. o menor de dezesseis anos; 2.2.2. o enfermo e deficiente mental; 2.2.3. o que, ainda que transitoriamente, não pode exprimir sua vontade; 2.2.4. o maior de dezesseis e menor de dezoito anos; 2.2.5. o ébrio habitual e o viciado em tóxicos; 2.2.6. o que, por deficiência mental, tenha o discernimento reduzido; 2.2.7. o excepcional, sem desenvolvimento mental completo; 2.2.8. o pródigo; 2.2.9. o silvícola; 2.3. Efeitos dos atos jurídicos e atos jurídicos; 1.4. Negócios jurídicos e atos jurídicos. 2. Capacidade e legitimação para a prática de negócios jurídicos; 3. Conclusão; 4. Bibliografia.

INTRODUÇÃO
Conquanto tratar-se de texto especificamente somente explicitado no novo Código Civil, a matéria versando sobre negócio jurídico já constava do revogado, sob a rubrica de atos jurídicos — o que até estimulou alguma doutrina a veicular distinção entre ambos os institutos. A essência, contudo, manteve-se incólume. Ademais, houve algumas alterações quanto à capacidade e legitimação para a prática do negócio jurídico no campo do direito civil, aplicáveis também ao direito comercial, doravante unificados como Direito Privado. É o que observaremos.
Ressoa a capacidade de direito de todos os homens do comando insculpido no artigo 1º do novo Código Civil (artigo 2º do antigo), ao consagrar que toda pessoa é sujeito de direitos e deveres ma ordem civil. O dispositivo, contudo, não outorgou a todos os homens a capacidade de fato, nem poderia, porque nem todos os são, de vez que a sistematização legal do Direito Material arrola diversos fatores para que o exercício do direito reconhecido seja realizado, como o faz quanto à idade e ao estado de saúde da pessoa, ressaltando sempre a pessoalidade na aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações.
E a legitimação, não está, a menos no nosso sentir, claramente exposta no Direito Positivo. Mas, impõe-se para saber se determinado indivíduo tem ou não capacidade para vincular-se regularmente à determinada situação jurídica. Atrelam-se os dois institutos, complementando-se a capacidade com a legitimação para a prática de determinados negócios jurídicos.
Não foi por outro motivo, certamente, que o mestre Silvio Venosa ressaltou: “Não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação. A legitimação consiste em se averiguar se uma pessoa, perante determinada situação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. A legitimação é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil. O conceito é emprestado da ciência processual. Está legitimado para agir em determinada situação jurídica quem a lei determinar. Por exemplo, toda pessoa tem capacidade para comprar ou vender”.
“Contudo – prossegue o mestre –, o art. 1.1.32 do Código Civil estatui: ‘Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente o consintam.’ Desse modo, o pai, que tem capacidade genérica para praticar, em geral, todos os atos da vida civil, se pretender vender um bem a um filho tendo outros filhos, não poderá fazê-lo se não conseguir a anuência dos demais filhos. Não estará ele, sem tal anuência, ‘legitimado’ para tal alienação. Num conceito bem aproximado da ciência do processo, legitimação é a pertinência subjetiva de um titular de um direito com relação à determinada relação jurídica. A legitimação é um plus que se agrega à capacidade em determinadas situações”.
Nesse passo, fulcra-se o presente apenas em estudo dos institutos, de forma inclusive comparativa entre o novel e no vetusto Código Civil. A matéria, embora de relevante significado prático, será enfocada mais sob a ótica cientifico-acadêmica. Elaboraremos algumas abrangências, apenas para delimitar e rememorar alguns conceitos dantes estudados, como o começo e o fim da personalidade jurídica, quem é absoluta e relativamente capaz, efeitos dos atos praticados pelos incapazes, eventual distinção entre negócios e atos jurídicos e, às evidências, legitimação e capacidade, estudadas apenas ao cabo do trabalho, depois de ultrapassados os conceitos básicos, visando melhor compreendê-las. Anote-se que, salvante a questão da legitimação e capacidade para os negócios jurídicos, objeto do estudo, tudo o mais não terá a inteira atenção que merece, porquanto, no nosso sentir, suplantaria em muito os estreitos limites do presente.
Enfim, muito se poderia dizer a respeito do tema posto para estudo e de todas as conseqüências que dele resultam. Deixar-se-á de fazê-lo, contudo, por amor à brevidade, e porque a picada originária, a esta altura, pelos próprios subsídios a seguir esboçados, já se transformou em ampla avenida, restando-nos apenas vaticinar breves pinceladas, sem a audaciosa pretensão de esgotar a matéria.
1. RESUMO
As pessoas são essencialmente de relações sociais, interpessoais. Desde o nascimento comportam-se com ações recíprocas de dois ou mais corpos; estão interagindo com outras, fazendo-se presentes nos acontecimentos da vida, no seu nascimento, nos seus progressos, retrocessos, vicissitudes e extinção. E fazem, precipuamente, através dos atos da vida civil; atos jurídicos na definição do vetusto Código Civil e, negócios jurídicos no novel Diploma.
O Direito, atento a tudo isso, não poderia deixá-lo passar desapercebido, ao léu. Fê-lo, portanto, para que se garantisse a ordem, a tranqüilidade e a segurança jurídico-social. Mas não se contentou o legislador em, simplesmente, reconhecer o início e o fim da personalidade civil e, durante a sua permanência, com a capacidade das pessoas para a prática de determinados atos da vida. Foi além: em certos casos, impôs algo mais, tratou do que a doutrina denomina legitimação.
Os estreitos limites do presente versarão, assim, sobre a capacidade e a representação nos negócios jurídicos, considerados estes, como pensam juristas de escol, equivalentes a atos jurídicos, nada havendo que os diferencie.
A legitimação, adiante-se desde já, não quer significar outra coisa que não a específica competência da pessoa para a prática de determinado negócio jurídico. Conquanto estejam presentes no negócio jurídico os requisitos genéricos necessários para a sua validez e eficácia, alguns haverá que têm por indispensável presença também a legitimação das partes para a sua validade, mormente em casos de disponibilidade patrimonial.
Enfim, ver-se-á, com maior acuidade, em situações práticas que bem espelharão o sentido dos institutos jurídicos, que enquanto a capacidade refere-se à aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil, destinando-se, portanto às suas qualidades intrínsecas, a legitimação consiste em saber se uma pessoa, em face de determinada relação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la, num outro noutro sentido.
2. ABRANGÊNCIAS
Abranger é, segundo os léxicos, abraçar algo, limitar alguma coisa, compreender-se, incluir-se, entender. Não será por outro motivo que, antes de efetivamente estudarmos a legitimação e a capacidade nos negócios jurídicos, nós nos conteremos em algumas linhas gerais de institutos que podem ser considerados elementos do tema.
Logo, objetivando a melhor observância e compreensão do tema em comento, afiguram-se-nos necessárias algumas observações, às vezes até conceituais e de cunho essencialmente acadêmico, contudo nunca demais relembrar.
2.1. Começo e fim da personalidade civil
Duas são as pessoas albergadas pelo manto da legalidade. De um lado, temos a pessoa natural, ente físico e material, perceptível aos olhos, que sofre, manifesta-se e fisicamente se extingue. De outro, são-nos apresentadas as pessoas jurídicas, entes abstratos não sujeitos a padecimentos espirituais, não sendo, pois um ser orgânico, vivo, dotado de um sistema nervoso, de uma sensibilidade; subsistem apenas como simples criação ou ficção de direito e não têm mais garantias do que aquelas que lhe são outorgadas pelo direito, como fingimento da lei (“fictio iuris”). Tendo-se em mira os fins eminentemente acadêmicos, nos ateremos apenas às pessoas naturais.
Para as pessoas naturais, disse-o o artigo 4º do Código Civil de 1916 que sua personalidade civil começa do nascimento com vida, pondo a salvo desde a concepção os direitos do nascituro, que ficam condicionados ao seu nascimento com vida, imperando a respeito condição suspensiva. Obviamente, o nascituro não tem personalidade, porque está advém apenas com o nascimento com vida; tem apenas uma expectativa de direito, uma proteção conferida pelo Direito.
No novo Codex, a regra foi insculpida no artigo 2º, contendo redação idêntica. O relevo desse estudo redunda no fato de que, dada a gênese da personalidade, torna-se o homem sujeito de direitos e obrigações.
Findar-se-á a existência da pessoa natural com a morte, mas muitos dos direitos que lhe pertenciam quando em vida, ainda subsistirão, alguns por todo o sempre.
2.2. Os absoluta e relativamente incapazes
O Código de 1916 arrolava quatro casos de pessoas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Eram eles: os menores de 16 anos; os loucos de todo o gênero; os surdos mudos, que não puderem exprimir a sua vontade; e, os ausentes, de domicílio ignorado, de existência duvidosa e cujos bens foram deixados ao léu. Por serem absolutamente incapazes, estavam inteiramente tolhidos da capacidade de exercer por si os atos da vida civil. Diante da nova ordem legal, três são as hipóteses, de melhor técnica e abrangência, de pessoas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º), a saber: os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Relativamente incapazes para certos atos, ou à maneira de os exercer, eram três no Código de 1916: os maiores de 16 e os menores de 21 anos; os pródigos; e, os silvícolas, estes sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País. Agora serão quatro (art. 4º do novo CC): os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; os pródigos. Quanto aos silvícolas, a capacidade será regulada por legislação especial.
Vejamos, brevemente, os novos casos de incapacidade civil.
Quanto aos absolutamente incapaz:
2.2.1. o menor de dezesseis anos
A questão aqui é puramente biológica e não houve qualquer modificação em relação ao vetusto Código Civil, tendo-se por menor incapaz o que ainda não completou dezesseis anos de idade. Clóvis, citado por Silvio Venosa, observa que nessa idade o indivíduo já recebeu, no seio familiar, certas noções essenciais, que lhe dão o critério moral necessário para orientar-se na vida, e a educação intelectual já lhe deu luzes suficientes para dirigir a sua atividade jurídica, sob a vigilância ou assistência da pessoa designada pelo direito para auxiliá-lo e protegê-lo.
2.2.2. o enfermo e o deficiente mental
Aqui fala a lei que a situação mental exclui o necessário discernimento para a prática dos atos, como ocorre na demência arteriosclerose.
Não andou bem o legislador, redigindo dispositivos que, na prática, serão de difícil aplicação, conquanto tenham efeitos jurídicos bem distintos. Isso porque, será considerado relativamente incapaz o deficiente mental que tiver discernimento reduzido e o excepcional sem desenvolvimento mental completo. Enquanto que, será absolutamente incapaz quem não tiver necessário discernimento.
Ora, ambos estão tratando do discernimento reduzido ou insuficiente. Melhor teria sido a disposição legislativa se houvesse dito que relativamente incapaz é o que não tem completo discernimento, embora tenha algum; e, absolutamente incapaz o que não tem qualquer discernimento, nenhum resquício apenas. Ficará para o Magistrado, como sempre, o poder de decidir, com base em prova técnica segura, se se trata de absoluta ou relativamente incapaz.
Acresça-se, de nossa parte, que, para a configuração da incapacidade em comento, exige-se a deficiência mental; a incapacidade de entender a prática do ato civil que se lhe apresenta ou de determinar-se de acordo com essa compreensão; e, que tais faltas de discernimento sejam consentâneas à prática do ato. Se a deficiência for anterior ao ato ou posterior, dês que aqui não lhe comprometa a validade e eficácia, entendemos que não se amolda ao dispositivo.
Assim, a incapacidade absoluta das pessoas que ostentam enfermidade ou deficiência mental, há de ser tal que lhes retire o discernimento para a prática dos atos da vida civil, que inquine totalmente o ato e, não obstante a redação do Código Civil, a falta de bem avaliar a situação tem de ser absoluta.
2.2.3. o que, ainda que transitoriamente, não pode exprimir sua vontade
É uma linha muito tênue a que separa a pessoa que não pode exprimir sua vontade, por causa transitória, das demais hipóteses aventadas pelo legislador. Ao que se percebe, este ficou mais para cláusula aberta, abrindo um leque para o aplicador da lei, amoldando a este inciso todas as demais hipóteses que não se adequarem aos demais dispositivos da Lei Civil.
Como tal pode-se imaginar a embriaguez total e de pequena duração, o estado etílico eventual daquele que assim estava apenas no momento que praticou o ato ou negócio jurídico, mas que não é ébrio habitual; também o sonâmbulo e o epilético. De qualquer modo, a causa de redução da capacidade de discernimento há de ser efêmera, breve. Haverá na prática o grave inconveniente, notadamente quanto à embriaguez voluntária, mas não se poderá admitir que uma pessoa freqüente um restaurante, ponha-se espontaneamente em estado de embriaguez total e, consumindo muito mais do que poderia pagar, venha ao depois levantar sua incapacidade eventual de discernimento como objeção ao cumprimento da obrigação assumida.

Quanto aos relativamente incapaz:
2.2.4. o maior de dezesseis e menor de dezoito anos
Houve inovação no Código Civil quanto à capacidade relativa sub studio. No Código de 1916, era relativamente incapaz o menor de 21 anos e maior de dezesseis. Dos dezesseis anos completos a vinte e um incompletos, portanto, era relativamente capaz. Agora a situação é nova: a maioridade civil iniciar-se-á aos dezoito anos completos (e não mais vinte e um anos, como no vetusto Código).
O avanço da civilização, a proximidade dos meios de comunicação, cultura e aprendizado, permitem que uma pessoa de dezoito anos tenha completa sapiência para a prática de atos e negócios da vida civil.
2.2.5. o ébrio habitual, o viciado em tóxicos
O estado de intoxicação agudo ou passageiro provocado pelo álcool, ou por qualquer substância estupefaciente que reduz a capacidade de discernimento, agora, foi arrolado como hipótese que, se presente, torna a pessoa relativamente capaz. Quanto à prova da ebriedade e da toxicomania, temos que o exame clínico será de valor relativo, podendo ser rechaçado por prova oral ampla, notadamente quanto ao exame de dosagem alcoólica positivo. Há pessoas que, sem embargo de seu estágio reduzido de embriaguez ou toxicomania, apresentam-se como se estivesse extremamente embriagados ou alucinados, porém com total capacidade de discernimento; a recíproca também é verdadeira, o que reduz o valor probante da prova técnica.
2.2.6. o que, por deficiência mental, tenha o discernimento reduzido
Valem aqui os comentários feitos linhas acima, quando tratamos dos absolutamente incapazes , de modo que, todas as situações que escaparem da vala daqueloutra incapacidade, cairão nesta.
Por deficiência mental, deve-se considerar toda e qualquer moléstia mental, inclusive psicose maníaco-depressiva, esquizofrenia, paranóia, etc.
Ressalte-se, entretanto, que diversamente daquele outro caso (que entendemos ser hipótese de total falta de discernimento), aqui haverá um vestígio de capacidade de compreensão, porém reduzido. É caso de meia capacidade, quando a pessoa não é inteiramente capaz do entendimento, enquanto no inciso II do artigo 3º ele é inteiramente incapaz de entender. Será o desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, em razão da moléstia mental de qualquer natureza.
Servem bem ao caso as hipóteses do P. único do artigo 26 do Código Penal, que trata das pessoas de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, cujos requisitos são: “1. Causas. Perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. 2. Conseqüências. Falta de inteira capacidade de entender a ilicitude do fato ou de orientar-se de acordo com esse entendimento. 3. tempo. Existência dos dois requisitos anteriores no momento do crime.” Apenas leia-se atos civis onde se lê crime.
2.2.7. o excepcional, sem desenvolvimento mental completo
Excepcionais são as pessoas (diz-se mais especialmente de crianças) portadoras de algum defeito físico ou enfermidade, que os prejudica na aprendizagem ou diminui sua capacidade para atividades físicas.
Interessou ao Código apenas a questão mental, deixando de lado a situação física, conquanto haja pessoas que, por serem excepcionais, não conseguem sequer firmar documentos ainda que por datiloscopia.
Outra situação de difícil distinção prática, pois, sendo daqueles casos em que há total prejuízo de compreensão, o que não é raro, como será tratado o excepcional? Absoluta ou relativamente incapaz? Por se tratar de situação específica, preferida pelo legislador, o excepcional seria sempre relativamente incapaz, o que não se mostra razoável, de modo que somente após a perícia poder-se-á dizer, com total segurança, se é ou não relativamente capaz.
2.2.8. o pródigo
A preocupação com o perdulário não é novidade no direito posto, uma vez que já constava do Código de 1916. A prodigalidade decorre da desordenada assunção de obrigações, do ato ou efeito de gastar ruinosamente, da profusão excessiva e da superabundância. Pessoas que tais, além de dissipar o acervo necessário à sua sobrevivência, fá-lo ainda em detrimento de todos aqueles que direta ou indiretamente dependem da sua capacidade de gestão e organização.
Anote-se que, não raro, a prodigalidade decorre de doença mental e, em assim sendo, o pródigo deverá ser tratado como pessoa sem o necessário discernimento para praticar atos da vida civil, o que na prática terá efeitos distintos, sendo nesse passo tratado como absolutamente incapaz.
2.2.9. o silvícola
A situação do silvícola é tratada pela Lei n. 6.001, de 1973, colocando o índio, e as comunidades indígenas, sob proteção tutelar enquanto não estiverem inteiramente adaptados à sociedade. Quem representa e assiste juridicamente aos índios é a Fundação Nacional do Índio – FUNAI (Lei n. 5.371/67)
Estes, portanto, os casos de capacidade relativa e absoluta tratados no novo Código Civil. Na vereda exposta, ao relativamente capaz não há vedação da prática de atos civis, mas sim a necessidade de que seja assistido por quem detém este ofício; delimita o campo de atuação deles. Protege-se, assim, a segurança jurídica na prática de determinados atos, não apenas para o relativamente incapaz, mas também para o contratante, tanto o é que o Código aboliu o instituto da restituição “in integrum”, por meio do qual o menor lesado em seus interesses poderia ver-se ressarcido do que pagou, quando válido fosse o ato lesivo.
Aos 18 anos completos acaba a menoridade (art. 5º do novo Código), ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil. Simplificou o Estatuto Civil recém-publicado, portanto, deixando o mais para capítulos específicos.
O que nos interessa, para efeitos de estudo, é a capacidade negocial do agente, porque imprescindível à validade do negócio jurídico (art. 104 do novo CC). Sua aptidão para a prática em negócios jurídicos como declarante ou declaratário (emprestando, com a devida licença, as palavras de Silvio Venosa).
2.3. Efeitos dos atos praticados por incapazes
Para a validade do negócio jurídico, reclama a Lei haja presença, entre outros elementos essenciais genéricos, de agente capaz. Pressupõe-se ao agente, assim, a capacidade e, caminhando junto, a legitimação. Nesse passo: “Os detentores da incapacidade de exercício só podem praticar os atos da vida civil mediante o instituo da representação, como regra geral. Supre-se a incapacidade dos absolutamente incapazes pela representação, enquanto a incapacidade relativa, dos maiores de dezesseis anos e menores de vinte e um, principalmente, pelo instituto da assistência”.
É anulável o ato jurídico, dispõe o Código de 1916, por incapacidade relativa do agente. As obrigações contraídas por menores, entre 16 e 21 anos, são anuláveis, quando resultem de atos por eles praticados sem autorização de seus legítimos representantes; sem assistência do curador, que neles houvesse de intervir. No novo Diploma, a regra vem esposada no inciso I do artigo 171, determinando que, além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente.
O menor, entre 16 e 21 anos, não pode, para se eximir de uma obrigação, invocar a sua idade, se dolosamente a ocultou, inquirido pela outra parte, ou se, no ato de se obrigar, espontaneamente se declarou maior. E, equipara se ao maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for culpado.
Enfim, são nulos os negócios jurídicos celebrados por pessoa absolutamente incapaz, verbera o inciso I do artigo 166 do novo Código. Manteve-se, assim, a previsão havida no artigo 145, inciso I do revogando Código, apenas se observado que, agora, as regras de quais pessoas são absolutamente incapazes foram alteradas. E, não se fala mais em ato jurídico, mas em negócio jurídico.
2.4. Negócios jurídicos e atos jurídicos
A expressão “ato jurídico”, sistema adotado no vetusto Código Civil em prestígio ao Código francês, foi sempre tratada como sinonímia de “negócio jurídico”, conquanto houvesse objeção dos pandectistas alemães e quem afirmasse existir, de forma nítida e inescondível, diferença entre os conceitos . Pretensão de diferenciação esta que não passou desapercebida aos olhos sempre atentos do jurista Nelson Godoy Bassil Dower, prescrevendo o mestre que se costuma distinguir ato jurídico, de negócio jurídico, entendendo que, neste último, há o propósito da vontade de obter um efeito jurídico imediato, ou seja, a vontade do agente é dirigida a determinado fim lícito, ao passo quem, naquele, o seu autor adquire o direito independente da vontade.
De certo modo, não se pode negar que para os negócios jurídicos haverá, sempre, a livre manifestação de vontade das partes, ao menos de uma, ocorrendo a obrigação porque alguém a contraiu espontaneamente, donde se pode concluir que apenas as pessoas capazes estão aptas para os negócios jurídicos. Enquanto que, para os atos jurídicos em geral, nem sempre imprescindirá tal elemento volitivo: há direitos que a parte ostenta independente de sua aquiescência ou manifestação, porque deriva invariavelmente de prévia disposição legal, daí dispensar-se, em tese, até mesmo a capacidade do agente. Algo parecido ocorre no campo da responsabilidade civil, quando se compara a aquiliana com a contratual.
Contudo, a priori, ousamos, sempre com a reiterada vênia, discordar da douta opinião. De efeito, os atos jurídicos visam sempre a adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.
De modo que, a singela observação de que os negócios jurídicos cingem-se apenas a uma declaração privada de vontade que visa a produzir determinados efeitos jurídicos, daí distinguirem-se dos atos jurídicos em geral, não nos convence. Ora, não seriam exatamente os atos jurídicos os objetivados num negócio jurídico? Não é através da manifestação particular de vontades que se adquirirá, modificará, resguardará, transferirá ou se extinguirá direito? Em todas as ações humanas que tenham por fim obter efeito jurídico imediato, o ato volitivo não está presente? Cremos que sim, embora reconhecendo que o negócio jurídico vai além ao gerar não apenas direitos, mas também obrigações. A prática, a todo instante, nos comprova isso. Um distrato, por exemplo, não raro abrange todos os verbos definidores do ato jurídico.
E não é só. Há ato jurídico sem que haja exteriorização da vontade? Provavelmente não, difícil mostra-se-nos identificá-los. Dir-se-ia que, no direito sucessório, o nascituro tem direito independente de sua vontade. Entrementes, o seu direito é condicional, condicionado a um fato jurídico: o nascimento com vida. Ademais, a confirmação de seus direitos hereditários dependerá de aceitação, ainda que se pudesse falar em presumida ou tácita. E o nascimento, como a morte, é fato jurídico e não ato jurídico. Então, conceituar-se negócio jurídico pela presença do elemento volitivo, daí distinguir-se do ato jurídico, não vinga. Outrossim, a subordinação da vontade expressada aos limites da lei também há no ato jurídico. Se se falasse que o negócio jurídico é gênero, do qual o ato jurídico é espécie, maior razão haveria, pois aquele, pela doutrina, exige mais pressupostos que este.
Com uma situação, porém, devemos concordar: que os negócios jurídicos têm suas conseqüências controladas pela vontade das partes e os atos jurídicos pelo primado da lei. Para os negócios jurídicos, a vontade das partes vai apenas até a sua exteriorização, quando então impera a lei; o que não se vê no ato jurídico. É o que se pode inferir, apenas exemplificativamente, quando se compara o casamento (ato jurídico) e contrato de compra e venda (negócio jurídico).
Observe-se, enfim, que o Código de 1916 já veiculava artigos sobre atos jurídicos nulos, anuláveis e ineficazes (e a doutrina em atos inexistentes), tendo em conta, preponderantemente, casos nitidamente de manifestação de vontade viciada e incapacidade da pessoa. Se o fez, fê-lo por referir-se a negócios jurídicos também, pois tanto estes como aqueles reclamam a volição livre. O mesmo se vislumbra no Código Civil em vacância.
Calham bem as palavras do sempre lembrado Orlando Gomes: “No comércio jurídico, os principais fatos constitutivos das obrigações consistem no intercâmbio de bens, na dação de coisas ou na prestação de serviços. É, principalmente, sob a forma de negócios jurídicos que tais fatos entram no campo do Direito. Na formação das relações obrigacionais, os negócios jurídicos mais freqüentes e fecundos são os contratos”.
A função mais característica do negócio jurídico é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia, lembrou-o bem o acadêmico Luiz Wanderley dos Santos. E acrescenta o jovial jurista: “É através dos negócios jurídicos que os particulares auto-regulam seus interesses estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento. Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodeterminação dos sujeitos de direito, notadamente no campo das relações patrimoniais. Encarado esse poder na sua Junção de auto-disciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, o negócio jurídico é o instrumento através do qual o poder de autodeterminação se concretiza. Para Santoro Passarelli , ‘Negócio Jurídico é o ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os próprios interesses.’”
Logo, certamente não se há falar em distinção, embora o “novel” Código Civil tentou pôr fim à celeuma, porém preferindo rotular os atos jurídicos em título distinto dos negócios jurídicos – tratando estes como tratou aqueles atos da lei anterior –, apenas para assentar que aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições inerentes a estes (art. 185). Seguiu-se, ademais, a posição doutrinária de seu principal mentor, Miguel Reale. De um jeito ou de outro, toda a matéria tratada no Código de 2002 refere-se a negócios jurídicos, e não mais a atos jurídicos, ficando para estes subsidiariamente as regras daqueles, reforçando a já vaticinada idéia de serem espécie do gênero.

3. CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO PARA A PRÁTICA DE NEGÓCIOS JURÍDICOS
São capazes, por amparo do ordenamento jurídico, as pessoas que têm aptidão para, por si ou por quem de direito as represente, exercer atos da vida civil. E, capacidade de fato, inserir-se-á na faculdade outorgada às pessoas de fazer valer os direitos, de exercê-los, dependendo duma prévia disposição volitiva do titular do direito, de modo que lhe poderá ser retirada tal faculdade.
A legitimação, de seu turno, condiciona o exercício de certos direitos (capacidade), à possibilidade da pessoa estabelecê-lo ou não.
Esta a relevante distinção é foco do presente estudo, considerando-se a capacidade como aptidão intrínseca da parte que dará à luz ao negócio jurídico. E legitimação, sentencia Emilio Betti: “é uma posição de competência, caracterizada quer pelo poder de realizar atos jurídicos que tenham um dado objetivo, quer pela aptidão para lhes sentir os efeitos, em virtude de uma relação em que a parte está, ou se coloca, com o objeto do ato”.
“Personalidade todos os homens têm, desde o nascimento”, posiciona-se o insigne Miguel Reale, acrescendo que: “Para se reconhecer a personalidade não é mister indagar do sexo, da idade ou do discernimento mental. Recém-nascidos ou dementes, todos são pessoas, todos possuem personalidade. Nem todos, porém, dispõem de igual capacidade jurídica, isto é, têm igual possibilidade de exercer certos atos e por eles serem responsáveis. A capacidade pressupõe certas condições de fato que possibilitam o exercício de direitos. Assim, por exemplo, a criança não é capaz, e o demente também carece de capacidade”.
Ou, mais sucintamente, a capacidade de direito é a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil; enquanto a legitimação consiste em saber se uma pessoa, em face de determinada relação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la, num outro noutro sentido. Enquanto a capacidade de gozo é pressuposto meramente subjetivo do negócio jurídico, a legitimação é pressuposto subjetivo-objetivo .
Oportunos são os exemplos citados por Silvio Venosa acerca da falta de legitimação para a prática de certos atos, comparando os institutos. Verbera o Mestre: “marido e mulher, para a prática dos atos enumerados nos arts. 235 e 242 necessitam do assentimento recíproco, ou na falta, de autorização judicial; o condômino de coisa indivisível, para vender sua quota-parte a estranhos ao condomínio, salvo se houver previamente oferecido preferência aos demais condôminos (art. 1.139); as pessoas indicadas nos incisos I a VIII do art. 183, que, apesar de genericamente capazes, não podem casar devido a laços de parentesco de sangue ou civil, ou à preexistência de outro vínculo matrimonial não extinto, ou à circunstância de haverem sido condenadas pela prática de certos atos qualificados como crime; o cônjuge adúltero para fazer doações a seu cúmplice (art. 1.177 do Código Civil)”.
E, mais claramente, os exemplos ministrados por Serpa Lopes: “o proprietário tem direito de alienar livremente seus bens (capacidade de gozo), mas, para vendê-los a um dos descendentes, carecerá do prévio consentimento dos demais – art. 1.132 (legitimação)”. Repercutindo-se sobre o proprietário ascendente o disposto no artigo 1.132 do Código de 1916, resulta o não prevalecimento da capacidade volitiva dos contratantes, onde os descendentes do vendedor não foram consultados, importando em que o negócio jurídico não tem a mínima repercussão no mundo jurídico.
Semelhante redação lê-se no artigo 496 do Código de 2002, onde foi considerada anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido, dispensando-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória (p. único).
Não se afeta o patrimônio dos descendentes e do cônjuge que, assim, mantêm seus respectivos acervos intocados. Neste sentido, têm sido os julgados mais hodiernos do E. Tribunal de Justiça paulista, tal como já decidiu em sua Colenda Segunda Câmara, onde se preconizou que o fundamento do artigo 1.132 se destina a evitar doações inoficiosas, ou, como largamente queriam as Ordenações Manoelinas, visando neutralizar “enganos e demandas entre os descendentes”.
Desnecessário, outrossim, vasculhar todo o acervo doutrinário já espostejado sobre a espécie, tal como manifestado nos autos da Apelação Cível n. 119.556-2, mas onde restou ponderada a sempre prestigiosa opinião de CLÓVIS, pontificando que “as vendas realizadas contra esta proibição são nulas”, e tal, com respaldo na própria opinião peninsular de MESSINEO, ou seja, in pratica, è come se il contratto in frode nom sia venuto in essere (in “Il Contratto in Genere”, t. II/283, Editora Giuffrè, Milão, 1972) .
Nestas condições, comprometida a validade dos negócios, em razão do reconhecimento de suas nulidades, atingidas em seu âmago a liceidade dos objetos de que ora se cuida , não há como se possa recusar a inescondível contaminação do conteúdo do negócio jurídico assim entabulado, resultando, daí, inclusive, a irrelevância das contratações entabuladas sucessivamente.
Outro caso de confronto entre legitimação e capacidade se encontra no direito sucessório. Este definiu com precisão no seu artigo 1.577 que a capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor. Ou, modernamente: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (CC de 2002, Art. 1.798). Posto que, em verdade, esse dispositivo legal cuide mais tecnicamente da legitimidade para suceder, eis que esta é um requisito subjetivo-objetivo de eficácia do ato jurídico, específica, pois, e não genérica como a capacidade, restou estatuído ser disciplinada a sucessão pela lei então em vigor na data de sua abertura.
Situação deste jaez foi enfrentada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de instrumento tirado de respeitável decisão que, nos autos de arrecadação de herança jacente, reconheceu como destinatário dos bens deixados pela “de cujus” a Universidade de São Paulo, rejeitando a pretensão da Municipalidade de São Paulo, porque havia entendido o ilustre prolator da respeitável decisão que, tendo a autora da herança falecido antes do advento da Lei n. 8.049, de 21.6.90, e ocorrendo a transmissão da herança por ocasião do óbito, não incidia na espécie esse diploma legal .
Entendeu a Corte, obviamente, que no caso o artigo 1.603, inciso V, do Código Civil não havia sido alterado pela Lei n. 8.049, de 1990, quando do óbito da autora da herança.
Logo, não estava a agravante legitimada a figurar como sua sucessora, pois quem se situava como tal, ocupando a última posição na ordem da vocação hereditária estabelecida no artigo 1.603 do Código Civil era o Estado e, ex vi do Decreto Estadual n. 27.219 – A de 1957, com observância do Decreto Federal n. 8.207, de 1945, a agravada como destinatária dos bens arrecadados.
E a razão acompanha a Corte. Com argúcia que lhe é peculiar, o conspícuo desembargador Donaldo Armelin, em seu esmerado voto condutor, deixou bem claro ser matéria objeto de confronto de legitimação e capacidade. Conseqüentemente, não havia como se admitir a Municipalidade como beneficiária dos bens arrecadados, já que a sua legitimidade decorrente do advento da Lei n. 8.049, de 1990, restou arredada pelo direito do Estado.
E outro exemplo prático nos oferece a mesma Seleta Casa da Justiça paulista. Casado em segundas núpcias pelo regime da separação legal de bens, por força do que estabelece o artigo 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil, o pai e sogro dos autores, com a anuência destes, doou à consorte o único bem imóvel que à época possuía, com cláusula de impenhorabilidade e inalienabilidade e com reserva de usufruto vitalício. Com o falecimento da donatária, pretenderam os autores a declaração de nulidade daquela doação, bem como a exclusão dos bens descritos no inventário da falecida e que, segundo os autores, pertencem ao viúvo. A insurgência recursal mereceu acolhida, conquanto parcial, para o fim de ser declarada a nulidade da doação .
Deveras, permitem-se doações entre cônjuges, antes ou após o casamento. Mas tal há de ser adequado ao regime matrimonial. Se o regime for o de separação obrigatória, nula será a liberalidade. É o comando dos artigos 226, 230 e 312, do Código Civil de 1916.
Doutrina Washington de Barros Monteiro, saudoso Professor Emérito das Arcadas, que “O código fala apenas em doações antenupciais; mas são também permitidas doações entre cônjuges, depois do casamento, desde que a isso não se oponha o regime matrimonial (artigo 226). Assim, não pode haver doação entre consorciados pelo regime de comunhão universal de bens; também no regime de separação legal, inadmissíveis serão tais doações que burlariam o preceito determinador da obrigatória separação”. Douta posição da qual não discrepava Clóvis Beviláqua: “Também não podem, como, em geral, todos aqueles a quem a lei impõe o regime da separação, fazer doações inter vivos, um ao outro. De outro modo, a lei seria, facilmente, burlada. É esta uma proposição que dispensa qualquer esclarecimento. É uma inferência que se impõe”.
Também não vinga o argumento de a anuência daqueles autores servir de óbice ao aforamento da pretensão, pautada em alegância de nulidade do negócio, por violador da lei. Isso por simples razão: a incapacidade para a prática do ato, na hipótese, não poderia ser suprida pela autorização de outrem e nem esta conferia legitimação ao doador, posto que a incapacidade instituída por lei a benefício de quem dela é portador, e não de seus descendentes. Conforme preleciona Caio Mário da Silva Pereira, “o requisito subjetivo de validade dos negócios jurídicos, envolve, pois, além da capacidade geral para a vida civil, a ausência de impedimento ou restrição para o negócio em foco: é necessário, portanto, que o agente, além de capaz, não sofra ainda diminuição instituída especificamente para o caso”. E acrescenta: “quando a lei define as incapacidades, tem em vista proteger os seus portadores”.
Daí por que, impedido que estava de doar, porque também o estava para celebrar pacto antenupcial, aquela era mesmo vedada. Aceitá-la transmudar-se-ia o regime legal e obrigatório que se lhe impunha.
Débora Gozzo bem adverte sobre isso: “Convém chamar a atenção, todavia, para as hipóteses normativas previstas nos incisos I a IV do parágrafo único do artigo 258 da lei civil. Nelas se encontram arroladas as pessoas que não podem celebrar pacto antenupcial. A elas impõe-se necessária e obrigatoriamente o regime de separação de bens. Elas não têm legitimidade – embora possam ter a chamada capacidade de fato – para pactuarem regime diverso daquele que por lei lhes é imposto. O objetivo desta proibição é simplesmente o de evitar que qualquer uma delas ali elencadas possa vir a ser vítima de pessoa inescrupulosa”.
Por isso que, encontrando na infração da lei intransponível obstáculo, a declaração de vontade do doador, desprovida de legitimidade, ainda que com a anuência referida, não prevalece e tampouco alcança o resultado almejado, porque o impedem disposições normativas de ordem pública, que vedam a prática do ato e proíbem a alteração do regime de bens, impedimentos que a anuência dos herdeiros não poderia obviar.
Além da capacidade geral, exige-se a capacidade especial, observa o maior intérprete daquele Diploma Congressual, Clóvis Beviláqua: “Assim, o maior casado é plenamente capaz, porém, no direito pátrio, não tem capacidade para alienar imóvel senão mediante autorização uxória ou suprimento desta pelo juiz. O indigno de suceder, nenhuma diminuição sofre na sua capacidade civil, mas não tem nada para herdar da pessoa, em relação a qual é considerada indigna, pelo que não tem eficácia jurídica a declaração que acaso tenha feito de aceitar a herança”.
Em face desses exemplos, vê-se que legitimação nada mais representa que não a competência específica da pessoa para a prática de determinado negócio jurídico. Não basta, portanto, ser capaz plenamente para que o ato seja perfeito. É imprescindível que haja também legitimação das partes para a validade do negócio jurídico.
Negócios jurídicos haverá que, além de a pessoa estar no pleno gozo de seus direitos, estar inteiramente capaz de exercê-los, de ser o objeto lícito, possível determinado ou determinável e não ofender forma prescrita ou não defesa em lei deverá ainda ser previamente observado o que determinada a Lei Civil, como uma prévia ouvida e manifestação de outrem, a impossibilidade de se fazer determinado negócio e a observância de certa gradação legal.
4. CONCLUSÃO
E assim chegamos ao fim. Certamente não alcançamos a solidez do pensamento dos mais célebres escritores, dos arautos da literatura jurídica e dos agraciados pelo dom da exteriorização ao papel, dos pensamentos filosóficos, jurídicos e científicos humanos, nem jamais sonharíamos com esplendor que tal.
Demonstrou-se apenas que, sem embargos das doutas e respeitáveis posições contrárias e da sistemática do Código Civil a vigorar, negócios jurídicos e atos jurídicos se equivalem, nada havendo que os diferencie, tanto que o novo Código Civil deixou de lado o de outrora tratamento dispensado a atos jurídicos preferindo negócios jurídicos, remanescendo para aqueles regras de subsidiariedade.
As pessoas são essencialmente de relações sociais, interpessoais. Desde o nascimento comportam-se com ações recíprocas de dois ou mais corpos, uns nos outros; estão interagindo com outras, fazendo-se presentes nos acontecimentos da vida, no seu nascimento, nos seus progressos, retrocessos, vicissitudes e extinção. E fazem, precipuamente, através dos atos da vida civil; atos jurídicos na definição do vetusto Código Civil e, negócios jurídicos no novel Diploma.
O Direito, atento a tudo isso, não poderia deixá-lo passar desapercebido, ao léu. Fê-lo, portanto, para que se garantisse a ordem, a tranqüilidade e a segurança jurídico-social. Mas não se contentou o legislador em, simplesmente, reconhecer o início e o fim da personalidade civil e, durante a sua permanência, com a capacidade das pessoas para a prática de determinados atos da vida. Foi além: em certos casos, impôs algo mais, tratou do que a doutrina denomina legitimação.
Os estreitos limites do presente versarão, assim, sobre a capacidade e a legitimação nos negócios jurídicos, considerados estes, como pensam juristas de escol, equivalentes a atos jurídicos, nada havendo que os diferencie.
A legitimação não quer significar outra coisa que não a específica competência da pessoa para a prática de determinado negócio jurídico. Conquanto estejam presentes no negócio jurídico os requisitos genéricos necessários para a sua validez e eficácia, alguns haverá que têm por indispensável presença também a legitimação das partes para a sua validade, mormente em casos de disponibilidade patrimonial.
Negócios jurídicos haverá que, além de a pessoa estar no pleno gozo de seus direitos, ser inteiramente capaz de exercê-los, de ser o objeto lícito, possível, determinado ou determinável e não ofender forma prescrita ou não defesa em lei deverá ainda ser previamente observado o que determinada a Lei Civil, como, por exemplo, uma prévia ouvida e manifestação de outrem, a impossibilidade de se fazer determinado negócio e a observância de certa gradação legal.
Viu-se, com acuidade, em situações práticas que bem espelharam o sentido dos institutos jurídicos, que enquanto a capacidade refere-se à aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil, destinando-se, portanto às suas qualidades intrínsecas, a legitimação consiste em saber se uma pessoa, em face de determinada relação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la, num ou noutro sentido.
A capacidade, significando a aptidão que a pessoa tem para, por si ou por quem de direito a represente, praticar negócios jurídicos, no novo Direito Material Civil, a terá plenamente os maiores de 18 anos, salvo se, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses negócios, ou, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Podem praticar alguns negócios jurídicos também, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais, os viciados em substância estupefaciente e os que, por deficiência mental, tenham discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e os pródigos. Mas para estes a lei exige a presença de outrem, tipologicamente descrita, apenas para acompanhar e assistir à prática do negócio, que será realizado pelo próprio incapaz, porém escoltado por quem de direito.
Por derradeiro, alguns dos negócios jurídicos, não obstante a presença da capacidade, impõem ainda uma condição: a possibilidade da pessoa estabelecê-los ou não. Tem-se aqui a legitimação, que perquirirá se uma pessoa, em face de determinado negócio jurídico, tem ou não possibilidade de estabelecê-la.
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