Luíz Flávio Borges D’Urso
Parece mentira, mas grande parte da população brasileira está cometendo este novo crime, pois a partir da Lei nº 9.983 de 14 de julho de 2000, deixar de fazer o registro de empregado na carteira de trabalho é crime.
E o legislador foi extremamente severo, pois fixou a pena para este novo crime, como sendo de reclusão de dois a seis anos, quando inseriu o parágrafo 4º ao art. 297 do Código Penal brasileiro.
Sabemos que o alvo será, como sempre, aqueles mais modestos, os empregadores médios ou pequenos, além das pessoas físicas que empregam alguém, por exemplo, a empregada doméstica, levando sua patroa, que não efetivou o registro em carteira, a responder criminalmente podendo ser condenada e perder a primariedade!
Essa lei nova, propiciou diversas modificações no Código Penal pátrio. Foi ela que estabeleceu o crime de apropriação indédita previdenciária, que criou o novo tipo penal de inserção de dados falsos em sistema de informação, estendendo ao crime as modificações ou alterações não autorizadas desse sistema, a sonegação de contribuição previdenciária, etc. e ainda, sorrateiramente, criou o tipo penal que comentamos.
O fim almejado pelo legislador desse diploma legislativo foi o de aumentar a arrecadação previdenciária, procurando salvar, dessa forma, o sistema de seguridade social do país. Jamais pretendeu melhores condições ao trabalhador ou garantir os direitos previdenciários deste.
Essa intenção fica clara, pois caso pretendesse que os empregadores fossem compelidos a registrar seus funcionários, fazendo as anotações na carteira de trabalho e previdência social, bastaria aumentar a multa a que estava sujeito aquele que negasse o registro, porquanto trata-se de irregularidade, ou até ilícito administrativo, jamais penal, até o advento a lei nova, que arrastou para o campo penal essa irregularidade administrativa.
O art. 40 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que para os casos em que haja falsificação da carteira de trabalho, que a conduta seja enquadrada no art. 299 do Código Penal, caracterizando, assim, o crime de falsidade ideológica, o qual estabelece uma pena de um a cinco anos de reclusão, todavia tal dispositivo não contemplava a omissão do registro em carteira.
Outro dispositivo penal de ampla aplicação nas relações trabalhistas é o art. 203 do Código Penal, que visa coibir as condutas que frustrem, mediante fraude ou violência, os direitos assegurados pela legislação trabalhista e mesmo que se entendesse que este artigo fosse aplicável à omissão do registro, focando-se a pena cominada que é de detenção de um mês a um ano, aplicar-se-ia a Lei nº 9.099/95, em seu aspecto processual, a qual possibilita a conciliação, a transação penal, ou ainda, a suspensão condicional do processo, mecanismos que afastam o processo criminal e consequentemente, uma condenação e a perda da primariedade.
Na verdade a omissão do registro em carteira de trabalho passa, a partir da Lei 9.983/00, a constituir, indiscutivelmente, um crime, com pena severíssima, pois não é delito de menor potencial ofensivo, muito menos pode-se pleitear a suspensão condicional do processo, permanecendo o interesse público na demanda, que uma vez revertida em denúncia recebida, do Ministério Público, aguardar-se-á, a absolvição ou a condenação.
É lamentável que tenhamos de assistir a essa ânsia punitiva estatal, pela qual o legislador pretende aumentar a arrecadação, em detrimento das vidas perturbadas ou destruídas, de empresários que lutam com muita dificuldade para permanecer trabalhando, ou daquelas criaturas físicas, que diante da gigantesca carga tributária, encontram somente na informalidade, um meio de trabalho digno, inclusive gerando emprego, informal é verdade, mas que dá pão aos filhos famintos dos desprezados pela sorte.
Antes, para qualquer enquadramento penal, sempre se verificava o dolo, perquirindo-se o fim pretendido, caso fosse de sonegação, de apropriação, etc., todavia, com a nova lei, nada disso é necessário para caracterizar o crime, sendo bastante omitir o registro na carteira de trabalho do empregado.
Será que diante da grave crise de segurança pública que assola a nação, ao lado da falência do sistema prisional brasileiro, caminhou certo nosso legislador em mirar sua caneta penal, naqueles que trabalham e dão trabalho, – embora no espaço da antiga irregularidade administrativa da ausência do registro em carteira -, para taxar esses brasileiro de criminosos, punindo-os com penas de reclusão de dois a seis anos?
Estou convencido que o legislador errou. Mas, a lei está vigente e para que ninguém seja surpreendido, até porque não se pode realizar defesa arguindo desconhecimento da lei, é que resolvi escrever este artigo, objetivando antes de tudo protestar, bem como prevenir, para que os tribunais não sejam entupidos de processos criminais dessa natureza.
Luíz Flávio Borges D’Urso é Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, Mestre e Doutorando em Direito Penal pela USP, Membro da Associação Internacional de Direito Penal; Presidiu o Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo e é Membro do Conselho Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça.