Por Eliette Tranjan
Regime de bens é um sistema de regras e princípios que disciplina as relações patrimoniais de um casal durante a vigência da sociedade conjugal. Como o casamento desencadeia diversos efeitos jurídicos e econômicos, a estrutura jurídica delimitada pelo regime de bens é de suma importância para organizar e definir a vida patrimonial do casal, influenciando também nos negócios feitos com terceiros.
A legislação civil brasileira prevê quatro diferentes regimes matrimoniais de bens: comunhão universal de bens, separação de bens, participação final nos aquestos e comunhão parcial de bens. Há também a possibilidade de pactuar-se um regime atípico, mesclando as regras dos regimes legais existentes, conforme a conveniência dos cônjuges.
A liberdade de escolha é plena. O casal pode optar pelo regime de bens que melhor atende aos seus interesses, contudo, deverá formalizar essa opção durante o procedimento de habilitação do casamento, sob pena de se submeter ao regime legal e supletivo, a comunhão parcial de bens.
Comunhão parcial de bens significa o compartilhamento em igual proporção de um mesmo patrimônio, vale dizer, o patrimônio adquirido após a celebração do casamento civil. Desse modo, todos os bens adquiridos durante a união pertencerão a ambos os cônjuges, não importando quem comprou ou em nome de quem foi registrado. Nesse regime, é irrelevante qual foi a efetiva contribuição financeira de cada cônjuge para a formação do patrimônio, presume-se a conjugação de esforços, a colaboração mútua.
Como o marco inicial da comunhão é a data da celebração do casamento, em regra, o patrimônio que cada cônjuge possuía antes do matrimônio não é compartilhado com o outro. Pode haver, pois, a coexistência de três massas patrimoniais distintas: a primeira, formada pelos bens comuns do casal (adquiridos na constância do casamento); a segunda, formada pelos bens particulares do marido (adquiridos antes do casamento) e a terceira, formada pelos bens particulares da mulher (adquiridos antes do casamento).
Os artigos 1.659 e 1.660 do Código Civil enumeram expressamente quais são as hipóteses de comunicação ou não dos bens no regime da comunhão parcial, vejamos:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Havendo a dissolução do casamento, os bens adquiridos na constância da sociedade conjugal serão partilhados em igual proporção (50% para cada um) ainda que a contribuição dos cônjuges para aquisição do patrimônio tenha sido desigual. O patrimônio que cada um possuía antes de casar é preservado, permanecendo de propriedade exclusiva do seu titular.
Ocorre que, no momento de formalizar o divórcio e a consequente partilha de bens, muitos casais envolvem-se em demorados litígios em razão de dúvidas e divergências acerca dos direitos relativos ao patrimônio comum e à proporção devida a cada um dos cônjuges. Desse modo, algumas questões mais recorrentes prescindem de esclarecimento individual:-
•Valorização do bem particular: A valorização natural do patrimônio é tida como bem particular, ou seja, não é partilhável.
•Benfeitorias nos bens particulares: Comunicam-se todos os tipos de benfeitorias (obras ou despesas feitas em bens já existentes), necessárias, úteis ou voluptuárias. O entendimento é que o acréscimo no patrimônio individual é resultado do emprego dos recursos do casal ou do esforço comum.
•Frutos dos bens particulares: Os frutos dos bens comuns ou particulares de cada cônjuge, percebido na constância do casamento são partilháveis. Por exemplo, aluguéis, rendas e juros de capital aplicado, ainda que oriundos de bens exclusivos, integram a massa patrimonial comum.
•Bens móveis que guarnecem a residência: A presunção legal é que o mobiliário do casal foi adquirido na constância da união, sendo, portanto, partilhável. Essa presunção, entretanto, admite prova em contrário, ou seja, o interessado tem oportunidade de comprovar que a aquisição de algum objeto ocorreu em data anterior ao casamento.
•Bens de uso pessoal: Em regra, não se comunicam os bens destinados ao uso particular de cada cônjuge. Livros, roupas, sapatos, relógios, joias, bicicletas, telefone celular, computador, todos os bens que se vincularem a necessidade pessoal do seu titular são de propriedade exclusiva. No entanto, os objetos adquiridos durante o casamento e que tenham significativo conteúdo econômico, relevantes diante de toda a massa patrimonial comum, serão partilháveis (como por exemplo, automóveis, joias e relógios de valores consideráveis).
•Proventos do trabalho pessoal: Essa locução é bastante complicada em razão das possibilidades de interpretação. A doutrina não pacificou o tema. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo predomina o entendimento de que essa exclusão da lei deve ser entendida apenas e tão-somente para o caso de separação do casal, vale dizer, o que não se comunica é o direito abstrato ao recebimento do salário, em razão do caráter personalíssimo de tal direito. Portanto, uma vez recebida a remuneração, essa passará a integrar o patrimônio comum. Diante da importância da questão, existe projeto de lei (276/2007) com objetivo de retirar do Código Civil o inciso VI, do artigo 1659.
•Verbas trabalhistas: Há precedente no Superior Tribunal de Justiça no sentido de serem partilháveis as verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente, desde que o período aquisitivo coincida com o período do matrimônio: “Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento. As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal” (REsp 646.529/SP, Ministra Nancy Andrighi, 21/08/2005).
•FGTS: O tema não é pacífico. O STJ já se posicionou no sentido de ser partilhável o saldo de conta vinculada do FGTS, formado na constância do matrimônio. No TJ-SP não há consenso.
•Planos de Previdência Privada: Esse tema também é causa de divergência na doutrina. Na jurisprudência, o entendimento é que trata-se de uma aplicação financeira, logo, os saldos são partilháveis, desde que possível o resgate do montante aplicado, ou seja, apenas na hipótese de a separação do casal ocorrer antes da conversão do capital em pensão.
•Ações e bônus: Devem ser partilhadas as ações e os bônus cujo período aquisitivo tenha se dado na constância do casamento.
•Cotas Sociais: Não só as cotas sociais, mas também a valorização da participação societária decorrente dos lucros reinvestidos são partilháveis. Contudo, o cônjuge não se torna sócio da sociedade, mas sim titular do valor patrimonial da quota.
•Direitos autorais: Não há comunhão quanto aos direitos, pois somente o autor pode explorar economicamente a sua obra, no entanto, os lucros resultantes da exploração dos direitos autorais e da propriedade intelectual ingressam na comunhão.
•Comunicação de passivos: As dívidas conjugais são solidárias entre marido e mulher. A presunção legal é que a dívida foi contraída para atender as necessidades do casal e da família. As obrigações contraídas antes do matrimônio e relacionadas às núpcias ou a compra de bens conjugais, independentemente de quem comprou, também obrigam ambos os cônjuges. Já as dívidas particulares devem ser garantidas pelo patrimônio próprio do cônjuge que a assumiu.
Obrigações decorrentes de ato ilícito: Em regra a responsabilidade pelo ato ilícito é eminentemente pessoal, não se estendendo a obrigação ao outro cônjuge.
•Fiança e aval: Pessoas casadas sob o regime da comunhão parcial só podem prestar aval ou fiança mediante prévio e expresso consentimento do seu cônjuge. É a chamada outorga uxória. Assim, aval e fiança prestados sem a anuência do cônjuge são anuláveis ou ineficazes. Em tese, só obrigará o cônjuge que se vincular como fiador ou avalista.
•Bens recebidos por herança ou doação: Os bens adquiridos por doação ou sucessão hereditária não são partilhados com o outro cônjuge, no entanto, se o bem for vendido e com recurso da venda for adquirido outro patrimônio, sem nenhuma ressalva em relação à origem do dinheiro, o bem passará a integrar a massa patrimonial comum.
O regime de bens também é fator determinante da legitimação sucessória e influi diretamente na sucessão (transmissão da herança). Assim, ocorrendo a morte de um dos cônjuges, o outro poderá participar da herança do falecido, dependendo do regime de bens vigente durante o casamento. Quando casados sob o regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente herdará tão-somente se o falecido houver deixado bens particulares (adquiridos antes do casamento).
Eliette Tranjan é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões.